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Jurisprudência


TJDF APC - 1078590-20160111108429APC

Ementa
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. SIMULAÇÃO. CRÉDITO. CAUSA SUBJACENTE. MÚTUO CIVIL PACTUADO SOB CODIÇÕES USURÁRIAS. PRÁTICA QUALIFICADA. IMPORTE EFETIVAMENTE MUTUADO. COMPROVAÇÃO. IMPRECAÇÃO DE ILICITUDE AO DÉBITO E À GARANTIA. AGIOTAGEM. COMPROVAÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. NULIDADE. NEGÓCIO DISSIMULADO. APROVEITAMENTO. MODULAÇÃO DO MÚTUO E DO MUTUADO. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITES. LEI DA USURA (DECRETO Nº 22.626/33). INCIDÊNCIA. TAXA LEGAL. 1% AO MÊS. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. GARANTIA DE MÚTUO FOMENTADO EM CONDIÇÕES USURÁRIAS. NULIDADE DO PACTO ACESSÓRIO. IMPERATIVO LEGAL. MEDIDA PROVISÓRIA 2172-32/2001 (ART. 2º). JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MORA IMPUTÁVEL AOS DEVEDORES. RECUSA LEGÍTIMA DO PAGAMENTO. PRELIMINARES. CARÊNCIA DE AÇÃO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. INEXISTÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. DILAÇÃO PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA. SENTENÇA ULTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. ADSTRIÇÃO OBSERVADA. PRELIMINARES REJEITADAS. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS (NCPC, ART. 85, §§ 2º E 11). 1. Aviada ação destinada a questionar a legitimidade de crédito espelhado em instrumento particular de confissão de dívida com cláusula de alienação fiduciária em garantia, a consolidação da propriedade do imóvel consoante os regramentos insertos na Lei n. 9.517/1997 e, consequentemente, a quitação do débito que visara assegurar, não tem aptidão para interceder no interesse de agir dos mutuários de postular a nulidade do negócio e da garantia, porquanto tanto o débito inadimplido quanto a ultimação da garantia são passíveis de discussão em sede judicial. 2. Emergindo dos elementos carreados aos autos na fase postulatória a certeza de que o processo restara devidamente guarnecido do aparato material indispensável à elucidação da pretensão formulada, o julgamento da ação no estado em que o processo se encontra consubstancia imperativo legal coadunado com o devido processo legal, infirmando a caracterização de cerceamento de defesa decorrente da ausência de incursão do processo na fase instrutória se as provas documentais coligidas já se revelaram suficientes à elucidação dos fatos controvertidos. 3. Elucidada estritamente a causa posta em juízo com lastro nos contornos estabelecidos pela causa de pedir e pedido alinhados, derivando na constatação de que a lide fora resolvida na sua exata dimensão, guardando a sentença observância ao princípioda correlação que encontra expressão no artigo 492 do NCPC, resta obstado que seja qualificada como extra ouultra petita, à medida que somente padece desses vícios o provimento judicial que, distanciando-se das balizas impostas à lide pela causa de pedir e pelo pedido, exorbita os lindes firmados, resolvendo questões estranhas ao formulado e chegando a conclusão distinta da almejada pelos litigantes na moldura do devido processo legal. 4. A concertação de escritura pública de confissão de dívida com o escopo de retratar obrigação de pagar proveniente de mútuo com o lançamento de débito dissonante do efetivamente mutuado e encobrir a agregação de juros usurários exigidos pela mutuante, denunciando desacordo entre a vontade declarada pelas partes e a vontade interna e não materializada com o escopo de contornar o disposto na lei proibitiva de juros acima do dobro da taxa legal - 1% ao mês -encerra ato simulado, ensejando a invalidação do reconhecido, e da garantia que lhe fora agregada, consoante preceituam os artigos 166, inciso VI, e 167, §1º, II, do Código Civil. 5. Consubstancia verdadeiro truísmo que, no universo jurídico brasileiro, nos negócios jurídicos envolvendo pessoas físicas e pessoas jurídicas não qualificadas como instituição financeira é vedada a estipulação de juros acima do dobro da taxa legal - Decreto nº 22.626/33, art. 1º -, qualificando a cobrança de acessórios acima desse patamar prática usuária, que conduz à invalidação do excesso como forma de conduzir o convencionado aos parâmetros legais, conduzindo essa regulação à afirmação da nulidade da confissão de dívida convencionada com simulação de obrigação de pagar obrigação que encobrira a limitação proveniente da lei proibitiva. 6. Nos contratos de mútuo feneratício celebrado entre particulares, a taxa de juros remuneratórios passível de ser praticada é limitada a no máximo 12% ao ano, sem capitalização, conforme emerge do artigo 1º da Lei da usura - Decreto 22.626/33 -, à medida em que, conquanto esse dispositivo legal se reporte ao artigo 1.062 do Código Civil de 1916 ao firmar os juros admitidos, tomara como parâmetro os juros moratórios então praticados - 6% ao ano -, carecendo de lastro o desenvolvimento da exegese segundo a qual, diante da edição da nova Codificação Civil e da nova regulação conferida aos juros moratórios - artigo 406 -, os juros modulados pelo legislador extravagante também foram afetados pela lei nova, pois essa apreensão demanda alteração legislativa específica, inclusive porque refoge dos usos e costumes já entranhados na realidade nacional. 7. Conquanto reconhecida a nulidade de instrumento particular de confissão de dívida e alienação fiduciária em garantia ante o fato de que o crédito que espelhara originara-se de mútuo fomentado em condições usurárias, o reconhecimento da origem ilícita do crédito reconhecido e que o instrumento pactuado visara tão somente simular a real intenção das partes em pactuar mútuo civil com juros remuneratórios superiores à taxa legal, ensejando a caracterização de simulação destinada a burlar lei proibitiva, a despeito do reconhecimento da nulidade do negócio simulado - confissão de dívida - a subsistência do negócio jurídico dissimulado deve ser afirmada, porquanto subsistente o mútuo civil, modulados o importe efetivamente mutuado e a taxa de juros remuneratórios passível de ser exibida, compatibilizando-a com o legalmente estabelecido. 8. Na conformidade dos princípios que informam a teoria dos negócios jurídicos, deve se preservar, dentro do possível, a real intenção de vontade das partes com inspiração no princípio da conservação dos negócios jurídicos, ainda que viciados, desde que possível a delimitação da parte válida, consoante a cláusula geral inserta no artigo 184 do vigente Código Civil, donde, conquanto reconhecida a invalidade do reconhecimento de dívida por ter emergido de simulação volvida a contornar norma proibitiva, o mútuo efetivamente convencionado deve ser preservado, modulados os acessórios remuneratórios que lhe podem ser agregados, pois, conquanto nulo o negócio simulado, é válido o dissimulado, sendo depurado (CC, art. 167). 9. Constatada a pactuação de negócio jurídico simulado, ensejando sua nulidade, o vício alcança a garantia fiduciária que lhe fora agregada, pois impregnada pelo vício que maculara a obrigação principal, tornando inviável a preservação da obrigação acessória, ensejando sua desconstituição, ainda que já materializada (Medida Provisória nº 2.172-32/01, art. 2º; CC, art. 184), e, a seu turno, o aproveitamento do negócio dissimulado sob a moldura de mútuo civil enseja que, como forma de preservação da autonomia privada e sua compatibilização com padrões legalmente exigidos, declaradas nulas as estipulações usurárias, sejam reduzidos e modulados os juros aos limites legais como forma de preservação do mútuo convencionado na conformidade do permitido pelo legislador. 10. A invalidação do negócio jurídico por ter emergido de simulação, conduzindo à preservação do mútuo efetivamente convencionado entre as partes com a modulação dos juros remuneratórios aos padrões permitidos, ilide a qualificação da mora da mutuária e obrigados solidários, pois, contaminada a obrigação por acessórios ilegais, a recusa dos obrigados em realizá-la se revestira de legitimidade, tornando inviável que, até a data da consolidação da obrigação sob os contornos permitidos, sejam reputados inadimplentes e sujeitados aos efeitos correlatos. 11. Editada a sentença e aviado o apelo sob a égide da nova codificação civil, o desprovimento do recurso implica a majoração dos honorários advocatícios originalmente imputados à parte recorrente, porquanto o novo estatuto processual contemplara o instituto dos honorários recursais, devendo a majoração ser levada a efeito mediante ponderação dos serviços executados na fase recursal pelos patronos da parte exitosa e guardar observância à limitação da verba honorária estabelecida para a fase de conhecimento (NCPC, arts. 85, §§ 2º e 11). 12. Apelação conhecida e desprovida. Preliminares rejeitadas. Honorários sucumbenciais recursais fixados. Unânime.

Data do Julgamento : 21/02/2018
Data da Publicação : 07/03/2018
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : TEÓFILO CAETANO
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