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Jurisprudência


TJDF APC - 1088348-20100110646975APC

Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES E DANO MORAL. A) FALTA DE CONTRAPOSIÇÃO DO APELO DO AUTOR À SENTENÇA. IRREGULARIDADE FORMAL NÃO DEMONSTRADA. B) ILEGITIMIDADE PASSIVA DA REVENDEDORA DO AUTOMÓVEL. REJEIÇÃO. C) ANÁLISE PARCIAL DOS PEDIDOS.JULGAMENTO CITRA PETITA CARACTERIZADO. ERROR IN PROCEDENDO. SENTENÇA CASSADA. RECURSOS DE APELAÇÃO PREJUDICADOS. D) RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. DESNECESSIDADE. TEORIA DA CAUSA MADURA. CPC/15, ART. 1.013, § 3º, II E III. APLICAÇÃO. E) CONTRATOS DE COMPRA E VENDA E DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. IRREGULARIDADE DA DOCUMENTAÇÃO PARA TRANSFERÊNCIA. RESCISÃO DAS AVENÇAS. POSSIBILIDADE. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DE VALORES. DEVOLUÇÃO DO VEÍCULO. BAIXA DE RESTRIÇÃO CREDITÍCIA. F) MULTAS E DÉBITOS DE IPVA. RESPONSABILIDADE DO CONSUMIDOR NO PERÍODO DE POSSE. G) DANO MORAL. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. H) LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. I) PEDIDOS INICIAIS JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA, MAS NÃO EQUIVALENTE. HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 3 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. Nessa situação, por força do Enunciado Administrativo n. 7 do STJ, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, com base no art. 85, § 11, do CPC/15. 2. Ostentando o recurso de apelação do autor fundamentos de fato e de direito hábeis, em tese, a rechaçar a conclusão da sentença (CPC/15, art. 1.010, II; CPC/73, art. 514, II), rejeita-se a preliminar de irregularidade formal do apelo. 3. Considerando a responsabilidade solidária da cadeia de fornecedores de produtos e serviços (CDC, arts. 7º, 14 e 25), a discricionariedade do consumidor no exercício de sua pretensão e o fato de que a legitimação para a causa deve ser analisada com base nas afirmações feitas na petição inicial (teoria da asserção), cuja necessidade de um exame mais acurado deve ser realizada como próprio mérito da ação, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da 2ª ré, na qualidade de revendedora do veículo cujo contrato o autor pretende a rescisão. 4. Segundo o princípio da congruência, adstrição, simetria ou paralelismo, presente nos arts. 2º, 141, 322 e 492 do CPC/15 (CPC/73, arts. 2º, 128, 293 e 460), a sentença deve resolver a lide nos exatos limites da demanda, não podendo se posicionar além do que foi pedido (ultra petita), nem aquém (citra ou infra petita), tampouco dele se alhear (extra petita), sob pena de nulidade do ato decisório, ressalvadas as matérias cognoscíveis de ofício. 4.1. A falta de análise pelo Juízo de origem dos pedidos afetos (I) a higidez ou não do contrato de financiamento, (II) a restituição do veículo e (III) a devolução dos demais valores envolvendo as avenças configura julgamento citra petita e impõe a cassação da sentença, diante do error in procedendo. Recurso do 1º réu provido para cassar a r. sentença, dando-se por prejudicado o mérito dos apelos. 5. Sob a sistemática do CPC/15, dispensável a devolução dos autos à Instância de origem, aplicando-se a teoria da causa madura, nos moldes do art. 1.013, § 3º, II e III, do CPC/15 (antigo art. 515, § 3º, do CPC/73), haja vista integrarem os autos elementos suficientes para o desate da lide, sendo desnecessária a produção de prova adicional. 6. A relação obrigacional é pautada pela vontade e integrada pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de conduta a ambos os contratantes (CC, art. 422). A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira. Em caso de inadimplemento de um dos contratantes, é assegurado à parte ofendida o cumprimento da obrigação ou a resolução contratual, sendo resguardadas as perdas e danos em ambos os casos (CC, art. 475). 7. Do cotejo dos autos, verifica-se que, em 9/10/2009, o autor, por meio de procuradora, celebrou com o 1º réu proposta de financiamento de bens e/ou serviços, tendo por objeto o veículo Mitsubishi Pajero, revendido pela 2ª ré. Segundo o contrato, foi financiada a quantia de R$ 43.000,00, a ser adimplida em 60 parcelas mensais de R$ 1.268,45, além de uma entrada de R$ 14.000,00. 7.1. No que se refere à documentação entregue ao autor e à arguição de impossibilidade de transferência do veículo, impende salientar que a autorização dada pela empresa revendedora trás como compradora pessoa jurídica diversa, o que, nos termos do art. 124 do CTB, inviabiliza a alteração da titularidade bem. 7.2. Diante do inadimplemento da empresa revendedora do veículo quanto à obrigação de entregar a documentação necessária à transferência do bem, procede o pedido de rescisão do contrato de compra e venda com os consectários legais (CC, art. 475). 8. Segundo a jurisprudência do STJ, uma vez constatada a atuação da revendedora de automóveis em parceria com a instituição financeira, é possível o reconhecimento da responsabilidade solidária com a consequente rescisão dos contratos de financiamento e de compra e venda (AgInt no AREsp 868.170/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 26/08/2016). 8.1. Da análise dos autos, verifica-se que os réus mantêm vínculo de parceria, haja vista que o autor, ao optar pela compra do veículo mediante contrato de financiamento com o 1º réu, teve essa relação jurídica intermediada pela 2ª ré. Ou seja, depreende-se que o agente financeiro (1º réu) e a revendedora do veículo (2ª ré) atuavam em parceria para viabilizar o pacto, por isso possuem responsabilidade solidária frente ao consumidor pelos prejuízos decorrentes dos negócios celebrados sem a cautela exigível para a situação (CDC, arts. 25, § 1º, e 7º, parágrafo único). 8.2. Ante a atuação em parceria dos requeridos, a rescisão do contrato de compra e venda do veículo enseja a rescisão do contrato de financiamento para adquiri-lo, com o retorno das partes ao status quo ante. 9. Com a rescisão de ambos os contratos e restituição das partes ao status quo ante (CC, art. 475), impõe-se a devolução pelas rés das quantias gastas pelo autor, referentes ao valor da entrada (R$ 14.000,00) e às parcelas do financiamento adimplidas (R$ 6.342,25). De outra banda, cabe ao autor devolver à 2ª ré o veículo. No que concerne às obrigações resultantes da avença antecedente que regulou a parceria entre a instituição bancária (1º réu) e a revendedora do veículo (2ª ré), estas deverão ser resolvidas inter pars ou, em caso de divergência, em ação autônoma, fora dos limites objetivos da lide consumerista. 10. Com a finalidade de evitar o enriquecimento sem causa (CC, art. 884 e 885), é de responsabilidade do autor o pagamento dos débitos de IPVA e das infrações de trânsito cometidas durante o período em que esteve na posse do veículo. 11. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI). Releva notar, todavia, que o mero dissabor/aborrecimento/irritação, por fazer parte do dia a dia da população, não é capaz de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, para fins de configuração do dano moral, notadamente nos casos de inadimplemento contratual, porquanto o descumprimento dessa espécie obrigacional não é de todo imprevisível. 11.1. No particular, os dissabores experimentados pelo autor quanto à falta de regularização da documentação do veículo não caracterizam violação a direitos da personalidade, por se tratar de descumprimento contratual sem maiores repercussões. Ainda que o autor tenha experimentado restrição creditícia, fato é que, à época, o contrato encontrava-se regular, cujo inadimplemento autorizou a inscrição do seu nome em cadastro de proteção ao crédito, ante o exercício regular de um direito (CC, art. 188, I). Contudo, é de se ressalvar seu direito ao cancelamento da anotação em razão da rescisão contratual determinada na espécie. 12. Se os fundamentos do autor apenas reforçam o exercício do direito de ação/defesa, sem incorrer em quaisquer das hipóteses presentes no art. 80 do CPC/15 (antigo art. 17 do CPC/73), afasta-se a alegação de litigância de má-fé. 13. Preliminar de irregularidade formal rejeitada. Recursos conhecidos. Apelação do 1º réu provida quanto à preliminar de julgamento citra petita. Sentença cassada. Mérito dos apelos prejudicados. Aplicação da teoria da causa madura. Julgamento de mérito na forma do art. 1013, § 3º, II e III, do CPC/15. Pedidos iniciais julgados parcialmente procedentes. Sucumbência recíproca, mas não equivalente. Honorários recursais arbitrados.

Data do Julgamento : 11/04/2018
Data da Publicação : 17/04/2018
Órgão Julgador : 6ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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