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Jurisprudência


TJDF APC - 1102352-20090110462553APC

Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL. CONTRATO MERCANTIL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. APELAÇÕES DA REPRESENTADA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. VÁRIAS DEMANDAS. JULGAMENTO CONJUNTO. APELAÇÃO EM PEÇA ÚNICA. PREPARO ÚNICO. REGULARIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OITIVA DE TESTEMUNHAS. INVERSÃO. IRRESIGNAÇÃO NA AUDIÊNCIA. AUSÊNCIA. PRECLUSÃO. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO CONCRETO. INOCORRÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. PERÍCIA CONFIRMATÓRIA. DESNECESSIDADE. REJEIÇÃO. MÉRITO. RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLEMENTOS. INDISPONIBILIDADE DE PRODUTOS. FALTA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA. ATIVIDADE DA REPRESENTANTE. REDUÇÃO. RESCISÃO. PROVA PERICIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PROVA DOCUMENTAL. CULPA DA REPRESENTADA. EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE NOTAS FISCAIS. DUPLICATAS SEM ACEITE. RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. NÃO COMPROVAÇÃO. REQUISITOS. AUSÊNCIA. PROCEDÊNCIA DOS EMBARGOS. EXECUÇÃO EXTINTA. DEVOLUÇÃO DAS MERCADORIAS. CRÉDITOS E DÉBITOS. COMPENSAÇÃO. CANCELAMENTO DOS PROTESTOS. ACORDO DESCUMPRIDO. DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DO DÉBITO. PROCEDÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO.. APELOS DA REPRESENTANTE. CARGA DOS AUTOS. ADVOGADO SEM PROCURAÇÃO. REVELIA DA APELADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RESCISÃO. MOTIVO JUSTO. INDENIZAÇÃO AO REPRESENTANTE. PARÂMETRO LEGAL (ART. 27, § 1º DA LEI 4.886/65). PATAMAR MÍNIMO. REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO (ARTS. 389 E 927 DO CÓDIGO CIVIL). PREJUÍZOS. PERDAS DE FATURAMENTO. INDENIZAÇÕES CABÍVEIS. COMISSÕES. FORMA DE PAGAMENTO. VALOR TOTAL DA NOTA FISCAL (§4 DO ART. 32 DA LEI DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL). DISPOSIÇÃO CONTRATUAL INVÁLIDA. COMPROMISSO DE INVESTIMENTO. TRATATIVAS PRÉ-CONTRATUAIS. TERCEIRO INTERMEDIADOR (CONSULTORIA). AUSÊNCIA NO INSTRUMENTO CONTRATUAL. CONTEÚDO NÃO OBRIGACIONAL.. DANOS MORAIS. PROTESTOS INDEVIDOS. HONRA OBJETIVA DA PESSOA JURÍDICA. PECULIARIDADES. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NORMA PROCESSUAL. DATA DA SENTENÇA. APLICAÇÃO IMEDIATA. VEDAÇÃO À COMPENSAÇÃO. PARÂMETROS MODIFICADOS. RECURSOS DA REPRESENTADA NÃO PROVIDOS. PROVIMENTO PARCIAL DE UM DOS RECURSOS DA REPRESENTANTE. PROVIMENTO DOS DEMAIS. 1. As matérias objeto de julgamento envolvem litígios postos em seis demandas, todas relacionadas a contrato de representação comercial firmado entre as partes, com características sui generis, havendo discussões acerca da culpa pela rescisão, critérios de eventuais indenizações devidas, viabilidade da execução promovida e regularidade dos protestos levados a efeito pela representada, danos morais, honorários advocatícios, além de questões de ordem processual; 2. Apelações da Representada. 2.1. Preliminar de não conhecimento. A pluralidade de demandas julgadas em conjunto autoriza a parte a interpor recurso em peça única, com recolhimento de único preparo, reproduzindo as mesmas razões de inconformismo em todos os feitos. Rejeição. 2.2. Preliminar de cerceamento de defesa. A inversão de ordem de oitiva das testemunhas de autor e réu (art. 413 do CPC/1973 e 456 do CPC/2015, verificada pela parte em audiência e não agravada de imediato, tendo em conta a norma processual então em vigor (§3º do art. 523 do CPC/1973) resulta em preclusão da matéria, ainda mais que eventual prejuízo deve ser concretamente demonstrado. Rejeição. 2.3. Preliminar - perícia confirmatória (art. 480 do CPC). 2.3.1. A omissão do julgador acerca da apreciação do pedido autoriza o Tribunal a dele conhecer e dar-lhe solução (art. 1013, §3º, III do CPC); 2.3.2. A realização de nova perícia demanda a constatação de que a matéria não esteja suficientemente esclarecida, o que não se confunde com o mero inconformismo da parte acerca das conclusões postas no laudo. Caso em que, ademais, a sentença não amparou estritamente no laudo pericial, mas no conjunto probatório como um todo. Rejeição. 2.4. Mérito. A contenda estabelecida entre as partes deriva do CONTRATO DE PARCERIA DE CDDV - CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DIRETA VALSPAR, o qual, a despeito de algumas peculiaridades (v.g., o fato de a representante também ser gestora de filial da representada), trata-se, conforme observou o magistrado sentenciante, de típico contrato de representação comercial, regulado pela Lei nº 4886/1965, que a doutrina civilista equipara ao contrato de agência e de distribuição (arts. 710 a 721 do Código Civil). 2.5. As conclusões extraídas do Laudo Pericial, assim como os depoimentos colhidos das testemunhas arroladas nos autos e provas documentais não deixam dúvidas de que a apelante não se desincumbiu das obrigações contratuais assumidas, de modo que a culpa pela rescisão do negócio lhe deve ser debitada. 2.6. O conjunto probatório demonstra que houve indisponibilidade de cerca de 75% dos produtos cuja comercialização foi prevista contratualmente, a falta de estoque adequado e de reposição de mercadorias, a total deficiência da assistência técnica à representante, bem como problemas nas tintas e o não fornecimento de máquinas tintométricas, necessárias ao bom êxito do negócio. 2.7. Nesse cenário, não haveria como exigir-se da representante o cumprimento de metas mínimas de venda, de forma a justificar a rescisão do contrato por culpa da representante, assim como alegada inadimplência da representante poder-se-ia justificar exatamente pelas dificuldades decorrentes do descumprimento das obrigações da própria recorrente, o que naturalmente resultaria na asfixia do negócio objeto da parceria. 2.8. É inviável a execução fundada em duplicata sem aceite quando não comprovada a entrega e recebimento das mercadorias (art, 15, II, b da Lei nº 5.474/68), como se deu no caso. Ademais, parte das duplicatas sequer está vinculada a notas fiscais/faturas, tendo sido emitidas pela representada somente a partir do livro Registro de Saídas. 2.9. Além disso, por força da devolução da totalidade das mercadorias em estoque da filial da representada e em estoque próprio da representante, houve o compromisso, firmado em Termo de Vistoria e Entrega de Mercadorias, de geração de créditos em favor da representante (que se mostraram maiores que os débitos), com realização de abatimento dos débitos e cancelamento dos protestos, o que não veio a se concretizar. 2.10. Como consequência de tais fundamentos, de fato impunha-se, como fez o magistrado sentenciante, o acolhimento dos Embargos do Devedor manejados pela BC COMÉRCIO, com a extinção do feito executivo, sem resolução do mérito, ante a ausência de pressuposto para o seu regular desenvolvimento (art. 485, IV, c/c 803, I, do CPC). 2.11. Igualmente, não constada a existência dos débitos que geraram os protestos, porque superados pelos créditos, tendo sido descumprido o compromisso de baixa e cancelamento destes, forçoso é concluir, como também fez o magistrado sentenciante, serem procedentes os pleitos Cautelar e de declaração de inexistência da dívida. 2.12. Outrossim, o pleito de reparação por danos morais deve ser acolhido, porquanto, assim como reconheceu o magistrado sentenciante o dano moral no caso de protesto indevido é presumido, pois o ato macula a reputação e o nome do ofendido perante toda a comunidade e atravanca suas tratativas comerciais de forma grave. 2.13. Trata-se de dano in re ipsa, dispensando, portanto, a prova de sua efetiva ocorrência, porque milita em favor da vítima presunção da existência do dano baseada naquilo que ordinariamente acontece no mundo dos fatos, no caso, a mácula que se perpetra sobre a honra da pessoa lesada ao ter seu nome inscrito indevidamente em órgãos de proteção ao crédito. 2.14. Sendo pessoa jurídica a vítima, como na espécie, a proteção cabível sobre seus direitos da personalidade (Súmula 227/STJ e art. 52 do Código Civil) se opera sobre a honra objetiva, constituindo esta sua reputação, bom nome e imagem no seio social e mercantil. 3. Apelações da Representante. 3.1. Preliminar de Revelia. 3.1.1. É prerrogativa do advogado, mesmo sem procuração nos autos, examinar e extrair cópias dos autos de processos que não estejam sob segredo de justiça (art. 7º, XIII, do Estatuto dos Advogados e art. 107, I, do CPC), não podendo o exercício dessa prerrogativa ser utilizada em detrimento de parte que não tenha outorgado procuração àquele que houver por bem fazer uso dessa faculdade conferida legalmente. Rejeição. 3.2. Mérito. Assim como contido na Lei nº 4.886/65, obviamente sem prejuízo do que esta estabelece, o contrato elencou hipóteses de rescisão por motivo justo, tanto por iniciativa da representada VALSPAR como por iniciativa da representante, reproduzindo, também, a indenização devida à representante na hipótese de rescisão sem motivo justo, por iniciativa da representada, dispositivo aplicado na sentença recorrida, com subsídio do que disposto no art. 27, § 1º daquela Lei. 3.3. A lei fixa patamar indenizatório mínimo para o representante no caso de rescisão, pelo representado, fora das hipóteses de motivo justo (art. 27, j e § 1º), de modo que não possa ficar sem a devida reparação prejuízos, para além daquele valor mínimo estabelecido, acarretados diretamente ao representante por inadimplemento contratual do representado. 3.4. Não fosse assim, também não fariam sentido as disposições contratuais que asseguram à representada a plena reparação de indenizações de qualquer natureza devidas por danos e prejuízos que eventualmente lhe tenham sido causados pelo representante, quando, sem motivo justo, rescinda o contrato. 3.5. Tal decorre do dever geral de reparabilidade do dano causado pela violação de um dever jurídico originário, no caso, contratual, gerando o dever jurídico secundário de indenizar o prejuízo da parte vítima do ilícito, contratual ou extracontratual (arts. 389 e 927 do Código Civil), em atenção ao princípio da reparação integral do dano. 3.6. A representada não implementou simples denúncia do contrato, o que poderia fazer acaso já não mais vislumbrasse vantagem comercial no modelo de negócios ajustado com a representante, ainda que devesse suportar, caso assim atuasse, com o pagamento da indenização contratualmente prevista. 3.7. A estratégia tentar fugir à incidência da penalidade contratual fez-se de maneira contrária à boa-fé (subjetiva e objetiva), em vista do flagrante descumprimento das obrigações contratuais assumidas, levando à inviabilidade da manutenção da representação, sui generis, que fora acordada com seu parceiro CDDV. 3.8. Constatado o sufocamento da atividade de representação da recorrente, que também gerenciava filial da VALSPAR, em função de aparente insatisfação com o modelo de negócios estabelecido contratualmente, não atende à justa reparação dos danos experimentados pelo representante limitar a indenização ao critério de cálculo previsto no §1º do art. 27 da lei 4.886/65, porquanto este, além de constituir um mínimo indenizatório, tem por base justamente a média mensal das comissões auferidas pelo representante, média esta totalmente prejudicada pela conduta da representada. 3.9. Nessa medida e estando comprovados os diversos inadimplementos contratuais da representada, que implementou redução de esfera de atividade do representante em desacordo com as cláusulas do contrato (art. 36, a da Lei nº 4.886/65 e Cláusula 15.3, b do contrato), as indenizações devem ser realizadas segundo os prejuízos efetivamente sofridos, conforme o que a parte prejudicada razoavelmente deixou de lucrar (art. 402 do Código Civil). 3.10. Dessa forma, afastado um dos pedidos indenizatórios, acolhem-se os demais, porque fundados em expectativa razoável de lucros que adviriam com o regular cumprimento das disposições contratuais por parte da representada, estando assentadas aquelas pretensões indenizatórias em premissas de cálculo objetivamente aferíveis e circunstâncias de fato razoavelmente presumíveis. 3.11. A disposição contratual acerca do pagamento das comissões contraria frontalmente o texto legal (§4º do art. 32 da Lei nº 4.886/65), que determina o cálculo das comissões pelo valor total das mercadorias, razão porque não pode subsistir. 3.12. A liberdade de contratar (princípio da autonomia da vontade) e o princípio pacta sunt servanda não são absolutos, devendo ser mitigados diante do princípio da supremacia das normas de ordem pública, de que são exemplos aquelas que se destinam à preservação da função social do contrato, consoante decorre da leitura do art. 421 e do par. ún.do art. 2.035 do Código Civil. 3.13. As tratativas pré-contratuais levadas a efeito com terceiro contratado para o exercício de consultoria e negociações para implemento da parceria comercial, que não chegaram a se consolidar por inteiro no instrumento contratual que enlaçou os interesses da representada e da representante, impedem a vinculação obrigacional da primeira. 3.14. Verificada a existência do dano moral, a fixação da indenização deve se dar mediante prudente arbítrio do juiz, de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observada a dupla função: reparação do abalo extrapatrimonial suportado pela vítima e implementação do caráter pedagógico-punitivo, com o propósito de inibir a reiteração de condutas similares. 3.15. Devem-se ponderar as condições econômicas das partes, a fim de se evitar a obtenção de vantagem indevida pela vítima, mas, ao mesmo tempo, o quantum não pode ser um valor irrisório frente à capacidade econômica do ofensor, pois a condenação também deve ter por fim desestimular comportamentos descompromissados com a inviolabilidade aos direitos da personalidade, garantidos constitucionalmente. 3.16. O dano à honra objetiva da empresa apelante se efetivou com os protestos levados a efeito pela apelada, persistindo seus efeitos deletérios sobre a reputação comercial da apelante até o momento da concessão da liminar nos autos da Ação Cautelar, em decorrência do não cancelamento das anotações pela apelada, conforme se obrigara no Termo de Vistoria e Entrega de Mercadorias. 3.17. Na mensuração do quantum da reparação, deve-se ponderar que a restrição se prolongou justamente nos meses seguintes à quebra do contrato, do qual dependia preponderantemente a atividade econômica desenvolvida pela apelante, com potencial para frustrar a obtenção de linhas de crédito necessárias à implementação de novos empreendimentos para manter-se ativa. Valor da reparação majorado. 3.18. As regras que ditam os parâmetros de fixação dos honorários advocatícios são estritamente processuais e, portanto, têm aplicabilidade imediata (art. 14, primeira parte e art. 1046, ambos do CPC/2015), considerando-se como marco temporal a data da prolação da sentença, quando se pondera acerca das repercussões processuais da sucumbência (honorários advocatícios/periciais e custas). 3.19. Aplicadas as regras do Código de Processo em vigor, afasta-se a possibilidade de compensação dos honorários advocatícios (§ 14 do art. 85), tendo sido verificada, ainda, nos feitos em que apresentadas apelações pela representante, a necessidade de alterações na base de cálculo dos honorários fixados na sentença recorrida, observadas as disposições dos §§ 2º e 8º, bem como a contemplação dos honorários recursais, conforme §11, todos do art. 85 do CPC. 4. Apelações da representada (VALSPAR) conhecidas e desprovidas. Primeira apelação da representante (BC COMÉRCIO) conhecida e provida parcialmente. Demais apelações da representante providas.

Data do Julgamento : 30/05/2018
Data da Publicação : 15/06/2018
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ROMULO DE ARAUJO MENDES
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