TJDF APC - 1107734-20150110684216APC
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE MÚTUOS BANCÁRIOS. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. DESCONTOS. LIMITE LEGALMENTE ESTABELECIDO (30%). ART. 116, §2º, DA LEI COMPLEMENTAR DISTRITAL Nº 840/2011 E ART. 10 DO DECRETO DISTRITAL Nº 28.195/2007. OBSERVÂNCIA DO LIMITE PELO RECORRIDO. DÉBITO EM CONTA CORRENTE. ABSTENÇÃO DOS DESCONTOS NA CONTA SALÁRIO. RETENÇÃO DOS RENDIMENTOS DO AUTOR. COMPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO AUTOMÁTICO EM SALÁRIO DEPOSITADO EM CONTA BANCÁRIA. SÚMULA 603 DO STJ. CAPITALIZAÇÃO JUROS. EXPLICITAÇÃO DOS ENCARGOS NO LAUDO TÉCNICO. PREVISÃO CONTRATUAL. LEGALIDADE VERIFICADA. CUMULAÇÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM OUTROS ENCARGOS DE MORA. INEXISTÊNCIA. PERICIA CONTÁBIL. ENCARGOS REGULARES. DANO MORAL. NÃO DEMONSTRADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (art. 7º, inciso X, da Constituição Federal) contra eventuais abusos contra ele impingidos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa. 2. A fim de dar efetividade à norma acima colacionada, e contemplando a natureza alimentar do salário, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade do salário disposta no artigo 833, inciso IV do Código de Processo Civil/15, na Lei nº 10.820/2003 e no Decreto nº 8.690/2016 que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como o Decreto Distrital nº 28.195/2007, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores e militares. 3. Procedendo-se a uma interpretação sistemática desses direitos fundamentais, percebe-se que o legislador infraconstitucional quis dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, garantia individual prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 7º, X, CF/88) impondo-se que essa limitação da disponibilidade salarial seja observada também quanto às cobranças compulsórias efetivadas em verba salarial depositada em conta bancária. 4. Prepondera o fato de que as instituições bancárias possuem ferramentas eficientes de avaliar as possibilidades financeiras de seus correntistas, de modo que, ultrapassando a capacidade de endividamento do consumidor, deverão assumir os riscos do inadimplemento. Trata-se da aplicação da teoria do crédito responsável, segundo a qual as empresas, ao concederem o crédito, podem adotar as cautelas necessárias ao efetivo recebimento do retorno financeiro e, somado a isso, devem tomar medidas visando coibir a superveniência do superendividamento dos consumidores, preservando, assim, o patrimônio mínimo a garantir a dignidade humana. 5. Essa apreensão restou sedimentada pela edição da Súmula n° 603 do colendo Superior tribunal de Justiça, que reconheceu a ilegalidade de toda e qualquer retenção de verba salarial depositada em conta bancária para pagamento de débitos do correntista com a instituição financeira, ainda que haja autorização contratual para tanto. Permanecem legítimos, portanto, apenas os descontos de parcelas de empréstimos em folha de pagamento, limitados à margem consignável, e outra formas de pagamento que não incidam sobre o saldo mantido em conta bancária derivado de salário, como, por exemplo, o boleto bancário. 6. Portanto, nota-se que os empréstimos bancários foram realizados apenas com o demandado (BRB - BANCO DE BRASÍLIA S/A); que analisados separadamente cada um dos mútuos, apenas o empréstimo referente ao débito em conta bancária estaria em desacordo com o entendimento sedimentado na Súmula n° 603 do STJ, pois os empréstimos concedidos pelo réu com descontos em folha de pagamento estão dentro do parâmetro legal de 30% (trinta por cento). 6.1. Nesse contexto, considerando que os descontos feitos pelo réu (BRB - BANCO DE BRASILIA SA) referente a mútuos bancários fomentados ao ora apelante, incidem em verbas salariais depositadas na sua conta corrente, impõe-se de acordo com o referido entendimento sumular, a interrupção imediata de todos os débitos efetivados pela instituição financeira de modo compulsório. 7. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada, sendo prescindível cláusula com redação que expresse o termo capitalização de juros (REsp 973827, 2ª Seção do e. STJ, julgamento em 27 de junho de 2012). 7.1. Em outras palavras, a taxa anual ultrapassa em doze vezes a taxa mensal, o que revela inequívoca capitalização de juros, previamente contratada , conforme laudo pericial não contestado pelas partes, o que denota a licitude da cobrança de juros remuneratórios capitalizados. 8. Releva notar, todavia, que o mero dissabor/aborrecimento/irritação, por fazer parte do dia a dia da população, não é capaz de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, para fins de configuração do dano moral. 9. Nesse contexto, se a parte autora, voluntariamente, procura a instituição financeira para solicitar alguns de seus produtos oferecidos no mercado de consumo e após escolher uma linha de crédito que melhor lhe aprouve formula contrata com o banco. Não pode em momento posterior, após usufruir do capital disponibilizado, reclamar que o banco agiu abusivamente, pois na espécie não foi verificado a existência de qualquer ato ilícito pratica pelo banco que caracteriza-se sua responsabilidade civil. Pensar de maneira adversa seria atentar contra a segurança jurídica que rege as relações sociais em um cotidiano moderno. 10. Nos termos das súmulas 472 e 296 do e. STJ, os contratos de concessão de crédito, regidos pelo sistema financeiro nacional, podem estipular para o período de inadimplência, a incidência de comissão de permanência de forma isolada, ou a aplicação individual dos encargos que a compõem, quais sejam, juros moratórios, multa contratual e juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo. 10.1. Na hipótese, o laudo pericial contábil elaborado nos autos e aceito por ambas as partes, revela a improcedência da irresignação do apelante quanto a suposta cobrança indevida de encargos moratórios cumulados, já que demonstrada a cobrança de juros remuneratórios capitalizados no período de normalidade, e apenas a incidência de juros moratórios, correção monetária e multa contratual no período de mora, sem a aplicação da impugnada comissão de permanência. 11. Apelação conhecida e parcialmente provida para tão somente determinar que o banco réu se abstenha de efetuar quaisquer descontos no salário que ingressa na conta corrente do autor.
Ementa
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE MÚTUOS BANCÁRIOS. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. DESCONTOS. LIMITE LEGALMENTE ESTABELECIDO (30%). ART. 116, §2º, DA LEI COMPLEMENTAR DISTRITAL Nº 840/2011 E ART. 10 DO DECRETO DISTRITAL Nº 28.195/2007. OBSERVÂNCIA DO LIMITE PELO RECORRIDO. DÉBITO EM CONTA CORRENTE. ABSTENÇÃO DOS DESCONTOS NA CONTA SALÁRIO. RETENÇÃO DOS RENDIMENTOS DO AUTOR. COMPROVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONTO AUTOMÁTICO EM SALÁRIO DEPOSITADO EM CONTA BANCÁRIA. SÚMULA 603 DO STJ. CAPITALIZAÇÃO JUROS. EXPLICITAÇÃO DOS ENCARGOS NO LAUDO TÉCNICO. PREVISÃO CONTRATUAL. LEGALIDADE VERIFICADA. CUMULAÇÃO DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA COM OUTROS ENCARGOS DE MORA. INEXISTÊNCIA. PERICIA CONTÁBIL. ENCARGOS REGULARES. DANO MORAL. NÃO DEMONSTRADO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (art. 7º, inciso X, da Constituição Federal) contra eventuais abusos contra ele impingidos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa. 2. A fim de dar efetividade à norma acima colacionada, e contemplando a natureza alimentar do salário, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade do salário disposta no artigo 833, inciso IV do Código de Processo Civil/15, na Lei nº 10.820/2003 e no Decreto nº 8.690/2016 que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como o Decreto Distrital nº 28.195/2007, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores e militares. 3. Procedendo-se a uma interpretação sistemática desses direitos fundamentais, percebe-se que o legislador infraconstitucional quis dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana, garantia individual prevista na Constituição Federal de 1988 (art. 7º, X, CF/88) impondo-se que essa limitação da disponibilidade salarial seja observada também quanto às cobranças compulsórias efetivadas em verba salarial depositada em conta bancária. 4. Prepondera o fato de que as instituições bancárias possuem ferramentas eficientes de avaliar as possibilidades financeiras de seus correntistas, de modo que, ultrapassando a capacidade de endividamento do consumidor, deverão assumir os riscos do inadimplemento. Trata-se da aplicação da teoria do crédito responsável, segundo a qual as empresas, ao concederem o crédito, podem adotar as cautelas necessárias ao efetivo recebimento do retorno financeiro e, somado a isso, devem tomar medidas visando coibir a superveniência do superendividamento dos consumidores, preservando, assim, o patrimônio mínimo a garantir a dignidade humana. 5. Essa apreensão restou sedimentada pela edição da Súmula n° 603 do colendo Superior tribunal de Justiça, que reconheceu a ilegalidade de toda e qualquer retenção de verba salarial depositada em conta bancária para pagamento de débitos do correntista com a instituição financeira, ainda que haja autorização contratual para tanto. Permanecem legítimos, portanto, apenas os descontos de parcelas de empréstimos em folha de pagamento, limitados à margem consignável, e outra formas de pagamento que não incidam sobre o saldo mantido em conta bancária derivado de salário, como, por exemplo, o boleto bancário. 6. Portanto, nota-se que os empréstimos bancários foram realizados apenas com o demandado (BRB - BANCO DE BRASÍLIA S/A); que analisados separadamente cada um dos mútuos, apenas o empréstimo referente ao débito em conta bancária estaria em desacordo com o entendimento sedimentado na Súmula n° 603 do STJ, pois os empréstimos concedidos pelo réu com descontos em folha de pagamento estão dentro do parâmetro legal de 30% (trinta por cento). 6.1. Nesse contexto, considerando que os descontos feitos pelo réu (BRB - BANCO DE BRASILIA SA) referente a mútuos bancários fomentados ao ora apelante, incidem em verbas salariais depositadas na sua conta corrente, impõe-se de acordo com o referido entendimento sumular, a interrupção imediata de todos os débitos efetivados pela instituição financeira de modo compulsório. 7. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada, sendo prescindível cláusula com redação que expresse o termo capitalização de juros (REsp 973827, 2ª Seção do e. STJ, julgamento em 27 de junho de 2012). 7.1. Em outras palavras, a taxa anual ultrapassa em doze vezes a taxa mensal, o que revela inequívoca capitalização de juros, previamente contratada , conforme laudo pericial não contestado pelas partes, o que denota a licitude da cobrança de juros remuneratórios capitalizados. 8. Releva notar, todavia, que o mero dissabor/aborrecimento/irritação, por fazer parte do dia a dia da população, não é capaz de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, para fins de configuração do dano moral. 9. Nesse contexto, se a parte autora, voluntariamente, procura a instituição financeira para solicitar alguns de seus produtos oferecidos no mercado de consumo e após escolher uma linha de crédito que melhor lhe aprouve formula contrata com o banco. Não pode em momento posterior, após usufruir do capital disponibilizado, reclamar que o banco agiu abusivamente, pois na espécie não foi verificado a existência de qualquer ato ilícito pratica pelo banco que caracteriza-se sua responsabilidade civil. Pensar de maneira adversa seria atentar contra a segurança jurídica que rege as relações sociais em um cotidiano moderno. 10. Nos termos das súmulas 472 e 296 do e. STJ, os contratos de concessão de crédito, regidos pelo sistema financeiro nacional, podem estipular para o período de inadimplência, a incidência de comissão de permanência de forma isolada, ou a aplicação individual dos encargos que a compõem, quais sejam, juros moratórios, multa contratual e juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo. 10.1. Na hipótese, o laudo pericial contábil elaborado nos autos e aceito por ambas as partes, revela a improcedência da irresignação do apelante quanto a suposta cobrança indevida de encargos moratórios cumulados, já que demonstrada a cobrança de juros remuneratórios capitalizados no período de normalidade, e apenas a incidência de juros moratórios, correção monetária e multa contratual no período de mora, sem a aplicação da impugnada comissão de permanência. 11. Apelação conhecida e parcialmente provida para tão somente determinar que o banco réu se abstenha de efetuar quaisquer descontos no salário que ingressa na conta corrente do autor.
Data do Julgamento
:
04/07/2018
Data da Publicação
:
12/07/2018
Órgão Julgador
:
6ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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