TJDF APC - 1117751-20080110332537APC
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ACOLHIMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. CUSTEIO DE DESPESAS COM TRATAMENTO DE OXIGENOTERAPIA. DEVER DO ESTADO. CONDENAÇÃO IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. ÍNDICES APLICÁVEIS. ARTIGO 1º-F DA LEI FEDERAL 11.960/2009. RECURSOS REPETITIVOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. ARTIGO 20, § 4º DO CPC/1973. VALOR ADEQUADO. MANUTENÇÃO. 1. Embora o juízo de origem tenha, em embargos, reconhecido a omissão no tocante ao pedido formulado no item d da inicial (pagamento de despesas com tratamento de oxigenoterapia), não foram expostos, ainda que sucintamente, os elementos que sustentam o acolhimento desse pedido em específico, que apresenta suporte fático e probatório ligeiramente distinto daquele consignado no item e (pagamento de despesas relativas ao deslocamento em TFD), único exclusivamente apreciado em sentença, que não pode, ademais, ser simplesmente presumido, ainda que o seu fundamento remoto esteja igualmente ligado ao direito à saúde. Nesse ponto, o provimento jurisdicional carece da devida fundamentação, elemento essencial cuja falta implica em nulidade (art. 458, II do CPC/1973; art. 489, II do CPC/2015). Em que pese a lacuna na fundamentação da sentença, como o réu teve a oportunidade de apresentar provas e responder ao pedido e o processo está em condições de julgamento, aplica-se o disposto no art. 1.013, § 3º, IV do CPC/2015. 2. A saúde constitui direito fundamental constitucionalmente assegurado. Além de inserida como direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal e garantida na ordem social por políticas sociais e econômicas que assegurem a universalização (art. 196 da CF), o seu conteúdo essencial apresenta-se intimamente conectado ao direito à vida e ao postulado normativo da dignidade humana. Nesse sentido, a obrigação do ente estatal de assegurar o direito saúde, de forma contínua e gratuita aos cidadãos, decorre de disposição constitucional cujas normas definidoras possuem eficácia imediata,bem como da Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 204 a 216). 3. Como corolário desse dever, cabe ao ente público assegurar ao paciente da rede pública o tratamento de oxigenoterapia. Precedentes. 4. No caso, há prova pré-constituída de que o autor era paciente devidamente cadastrado e realizava tratamento conjunto na rede de saúde pública do Distrito Federal. Existe laudo da Secretaria de Atenção à Saúde Pública do Distrito Federal atestando que o autor era portador de doença de Steves Johnson com desenvolvimento de bronquiolite obliterante secundária, evoluindo com deterioração da função pulmonar, havendo necessidade crescente de tratamento de oxigenoterapia. Extrai-se, ademais, ser fato incontroverso (art. 334 do CPC/1973; art. 374 do CPC/2015), em cujo favor milita presunção legal de veracidade (art. 319 do CPC/1973; art. 334 do CPC/2015), que o autor realizava tratamento com oxigênio domiciliar indicado por médico da rede pública de saúde no período apontado na inicial. Corroborando a indicação do tratamento domiciliar com posterior compensação de custos, consta ainda parecer favorável ao ressarcimento de despesas com locação e recarga de oxigênio entre janeiro e outubro de 2005. 5. Nesse contexto, extrai-se o dever do réu de planejar as próprias ações de modo a propiciar os meios necessários ao prosseguimento do tratamento de saúde do autor (oxigenoterapia), cujos gastos com aparelho concentrador de oxigênio no período especificado foram devidamente comprovados pelas notas fiscais apresentadas, para os quais não foi demonstrado o efetivo ressarcimento nem apresentada qualquer impugnação específica. 6. A correção monetária visa à recomposição do valor da moeda, enquanto os juros moratórios servem como compensação pecuniária pelo retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor. 7. Na hipótese dos autos, como forma de se garantir a efetiva restituição, todos os valores despendidos pelo autor deverão ser corrigidos desde a data do desembolso. No caso das despesas relativas ao tratamento de oxigenoterapia, o valor a ser ressarcido deverá ser acrescido de juros de mora a contar da citação (art. 219 do CPC/1973; art. 240 do CPC/2015), data em que, ante a falta de demonstração de prévia postulação administrativa desse ressarcimento em específico, restou comprovada a efetiva constituição do devedor em mora, enquanto que, para os pagamentos referentes a deslocamento em TFD, os juros de mora deverão incidir a contar da data em que comprovada a formalização administrativa da solicitação de ressarcimento (julho de 2007). 8. Nas condenações impostas à Fazenda Pública oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. Por outro lado, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, referido dispositivo revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), pois não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina (STF: RE 870947, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 17-11-2017 PUBLIC 20-11-2017; STJ. REsp 1495146/MG. REsp 1495144/RS. REsp 1492221/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018). 9. O art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. Contudo, para fins de correção monetária, as condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos: a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: aplica-se a taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; c) no período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. (STJ. REsp 1495146/MG. REsp 1495144/RS. REsp 1492221/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018). 10. É desnecessário aguardar o trânsito em julgado para aplicação da tese fixada em sede recurso repetitivo ou de repercussão geral. Precedentes. 11. Aplicação do entendimento firmado pelo STF no RE 870.947/SE e pelo STJ no REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS e REsp 1.495.146/MG para que, no caso dos autos, seja aplicada a taxa Selic no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009 e, a partir da vigência da Lei 11.960/2009, os juros de mora devem ser aplicados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e a correção monetária com base no IPCA-E. 12. De acordo com o § 4º do art. 20 do CPC/1973, nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, os honorários devem ser fixados mediante a apreciação equitativa. Caso em que, apesar do feito não ter contemplado dilação probatória complexa, o valor fixado em sentença revela-se adequado, tendo sido devidamente observados os critérios estabelecidos no § 3º do art. 20 do CPC/1973, considerando a natureza da causa, em que se busca a responsabilização de ente público por despesas que são inerentes à sua obrigação de promoção do direito à saúde; o valor atualizado do proveito econômico obtido com as condenações; o zelo na atuação dos profissionais de advocacia; o trâmite prolongado do feito, ajuizado há mais de dez anos e a inexistência justa contraposição pelo requerido, que também levou injustificadamente mais de três anos somente para atender à determinação do juízo e apresentar documentos relacionados à causa que estavam em seu poder, contribuindo para a dilatação das atividades. 13. Recursos conhecidos, preliminar acolhida, sentença parcialmente cassada. Avanço no mérito. Pedido julgado procedente. Apelações parcialmente providas.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ACOLHIMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. CUSTEIO DE DESPESAS COM TRATAMENTO DE OXIGENOTERAPIA. DEVER DO ESTADO. CONDENAÇÃO IMPOSTA À FAZENDA PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. ÍNDICES APLICÁVEIS. ARTIGO 1º-F DA LEI FEDERAL 11.960/2009. RECURSOS REPETITIVOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. ARTIGO 20, § 4º DO CPC/1973. VALOR ADEQUADO. MANUTENÇÃO. 1. Embora o juízo de origem tenha, em embargos, reconhecido a omissão no tocante ao pedido formulado no item d da inicial (pagamento de despesas com tratamento de oxigenoterapia), não foram expostos, ainda que sucintamente, os elementos que sustentam o acolhimento desse pedido em específico, que apresenta suporte fático e probatório ligeiramente distinto daquele consignado no item e (pagamento de despesas relativas ao deslocamento em TFD), único exclusivamente apreciado em sentença, que não pode, ademais, ser simplesmente presumido, ainda que o seu fundamento remoto esteja igualmente ligado ao direito à saúde. Nesse ponto, o provimento jurisdicional carece da devida fundamentação, elemento essencial cuja falta implica em nulidade (art. 458, II do CPC/1973; art. 489, II do CPC/2015). Em que pese a lacuna na fundamentação da sentença, como o réu teve a oportunidade de apresentar provas e responder ao pedido e o processo está em condições de julgamento, aplica-se o disposto no art. 1.013, § 3º, IV do CPC/2015. 2. A saúde constitui direito fundamental constitucionalmente assegurado. Além de inserida como direito social previsto no art. 6º da Constituição Federal e garantida na ordem social por políticas sociais e econômicas que assegurem a universalização (art. 196 da CF), o seu conteúdo essencial apresenta-se intimamente conectado ao direito à vida e ao postulado normativo da dignidade humana. Nesse sentido, a obrigação do ente estatal de assegurar o direito saúde, de forma contínua e gratuita aos cidadãos, decorre de disposição constitucional cujas normas definidoras possuem eficácia imediata,bem como da Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 204 a 216). 3. Como corolário desse dever, cabe ao ente público assegurar ao paciente da rede pública o tratamento de oxigenoterapia. Precedentes. 4. No caso, há prova pré-constituída de que o autor era paciente devidamente cadastrado e realizava tratamento conjunto na rede de saúde pública do Distrito Federal. Existe laudo da Secretaria de Atenção à Saúde Pública do Distrito Federal atestando que o autor era portador de doença de Steves Johnson com desenvolvimento de bronquiolite obliterante secundária, evoluindo com deterioração da função pulmonar, havendo necessidade crescente de tratamento de oxigenoterapia. Extrai-se, ademais, ser fato incontroverso (art. 334 do CPC/1973; art. 374 do CPC/2015), em cujo favor milita presunção legal de veracidade (art. 319 do CPC/1973; art. 334 do CPC/2015), que o autor realizava tratamento com oxigênio domiciliar indicado por médico da rede pública de saúde no período apontado na inicial. Corroborando a indicação do tratamento domiciliar com posterior compensação de custos, consta ainda parecer favorável ao ressarcimento de despesas com locação e recarga de oxigênio entre janeiro e outubro de 2005. 5. Nesse contexto, extrai-se o dever do réu de planejar as próprias ações de modo a propiciar os meios necessários ao prosseguimento do tratamento de saúde do autor (oxigenoterapia), cujos gastos com aparelho concentrador de oxigênio no período especificado foram devidamente comprovados pelas notas fiscais apresentadas, para os quais não foi demonstrado o efetivo ressarcimento nem apresentada qualquer impugnação específica. 6. A correção monetária visa à recomposição do valor da moeda, enquanto os juros moratórios servem como compensação pecuniária pelo retardamento no cumprimento da obrigação pelo devedor. 7. Na hipótese dos autos, como forma de se garantir a efetiva restituição, todos os valores despendidos pelo autor deverão ser corrigidos desde a data do desembolso. No caso das despesas relativas ao tratamento de oxigenoterapia, o valor a ser ressarcido deverá ser acrescido de juros de mora a contar da citação (art. 219 do CPC/1973; art. 240 do CPC/2015), data em que, ante a falta de demonstração de prévia postulação administrativa desse ressarcimento em específico, restou comprovada a efetiva constituição do devedor em mora, enquanto que, para os pagamentos referentes a deslocamento em TFD, os juros de mora deverão incidir a contar da data em que comprovada a formalização administrativa da solicitação de ressarcimento (julho de 2007). 8. Nas condenações impostas à Fazenda Pública oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/1997 com a redação dada pela Lei 11.960/2009. Por outro lado, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, referido dispositivo revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), pois não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina (STF: RE 870947, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-262 DIVULG 17-11-2017 PUBLIC 20-11-2017; STJ. REsp 1495146/MG. REsp 1495144/RS. REsp 1492221/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018). 9. O art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. Contudo, para fins de correção monetária, as condenações judiciais de natureza administrativa em geral sujeitam-se aos seguintes encargos: a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro/2001; b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: aplica-se a taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; c) no período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. (STJ. REsp 1495146/MG. REsp 1495144/RS. REsp 1492221/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018, DJe 20/03/2018). 10. É desnecessário aguardar o trânsito em julgado para aplicação da tese fixada em sede recurso repetitivo ou de repercussão geral. Precedentes. 11. Aplicação do entendimento firmado pelo STF no RE 870.947/SE e pelo STJ no REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS e REsp 1.495.146/MG para que, no caso dos autos, seja aplicada a taxa Selic no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009 e, a partir da vigência da Lei 11.960/2009, os juros de mora devem ser aplicados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança e a correção monetária com base no IPCA-E. 12. De acordo com o § 4º do art. 20 do CPC/1973, nas causas em que a Fazenda Pública for vencida, os honorários devem ser fixados mediante a apreciação equitativa. Caso em que, apesar do feito não ter contemplado dilação probatória complexa, o valor fixado em sentença revela-se adequado, tendo sido devidamente observados os critérios estabelecidos no § 3º do art. 20 do CPC/1973, considerando a natureza da causa, em que se busca a responsabilização de ente público por despesas que são inerentes à sua obrigação de promoção do direito à saúde; o valor atualizado do proveito econômico obtido com as condenações; o zelo na atuação dos profissionais de advocacia; o trâmite prolongado do feito, ajuizado há mais de dez anos e a inexistência justa contraposição pelo requerido, que também levou injustificadamente mais de três anos somente para atender à determinação do juízo e apresentar documentos relacionados à causa que estavam em seu poder, contribuindo para a dilatação das atividades. 13. Recursos conhecidos, preliminar acolhida, sentença parcialmente cassada. Avanço no mérito. Pedido julgado procedente. Apelações parcialmente providas.
Data do Julgamento
:
15/08/2018
Data da Publicação
:
20/08/2018
Órgão Julgador
:
5ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
MARIA IVATÔNIA
Mostrar discussão