TJDF APC - 1117752-20130310053666APC
APELAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SOLIDARIEDADE COM A SEGURADORA. DANOS MATERIAIS. DESPESAS MÉDICAS. INCAPACIDADE PERMANENTE. PENSÃO MENSAL. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Consoante reiterado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, se o advogado da parte foi intimado da expedição da carta precatória não há necessidade de nova intimação da data da audiência de inquirição de testemunha a ser realizada no juízo deprecado. Caberia a ele acompanhar a tramitação da precatória e certificar-se do dia designado para a realização da referida audiência, o que afasta o alegado cerceamento de defesa. 2. A Constituição de 1988 adotou como regra a responsabilização extracontratual objetiva do Estado e dos prestadores de serviços públicos para atos praticados por seus agentes, incidindo, na hipótese, o regramento do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal. Para a configuração dessa responsabilidade, três pressupostos são necessários: (I) a existência de fato administrativo - atividade ou conduta comissiva ou omissiva - imputado a agente do Estado ou prestador de serviço público; (II) o dano consubstanciado em lesão a interesse jurídico tutelado, seja ele material ou imaterial; e (III) a relação de causalidade entre o fato administrativo e o dano, isto é, que o prejuízo sofrido se origina dessa conduta, independente da existência de dolo ou culpa. 3. Caso em que o autor foi vítima de atropelamento envolvendo veículo de propriedade da requerida (concessionária prestadora de transporte rodoviário), resultando em graves lesões com sequelas cognitivas e comportamentais permanentes em grau acentuado, tornando-o permanentemente inválido e resultando na sua interdição. Além disso, foi demonstrado, pela dinâmica dos fatos comprovados, que o prejuízo sofrido originou de conduta imputável ao preposto da requerida. 4. Para que eventualmente seja possível afastar ou atenuar essa responsabilidade, recai sobre o prestador do serviço público o ônus de comprovar que os danos causados decorreram exclusivamente de culpa da vítima, ou ao menos que esta concorreu para tanto, situação não verificada nos autos. 5. Evidenciado o nexo de causalidade entre o acidente de trânsito ocorrido e a conduta do preposto da concessionária de serviço de transporte rodoviário, deve ser mantida a sentença no tocante ao reconhecimento da responsabilidade civil da requerida. 6. Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice (STJ. REsp 925.130/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 20/04/2012). 7. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, fica obrigado a repará-lo (arts. 186, 187 e 927 do Código Civil). No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido (art. 949 do Código Civil). 8. Impõe-se à requerida o dever de reparação pelos danos causados ao autor em decorrência do atropelamento, consubstanciado nos gastos suportados relativos a despesas médicas. Inviável a determinação de compensação com quantia proveniente de indenização decorrente de seguro obrigatório, ante a inexistência de prova de que o autor tenha recebido qualquer verba sob esse título, encargo probatório de cujo ônus não se desincumbiu a requerida. Precedentes. 9. Se da ofensa causadora do dano resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu (art. 950 do Código Civil). Demonstrando o autor que exercia atividade laborativa e comprovada a sua incapacidade total e permanente, cabível a fixação de pensão em seu favor. 10. A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores (Súmula 490 do STJ). Para o cálculo do valor devido, as parcelas de pensão vencidas fixadas em salário mínimo devem ser convertidas em valores líquidos à data do vencimento e, a partir de então, atualizadas monetariamente (STJ. EREsp 1191598/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 03/05/2017). 11. Na esfera extrapatrimonial do autor, é evidente o abalo causado, que extrapola, em muito, meros dissabores do cotidiano, sendo capaz de ensejar abalo a atributos da personalidade, afetando a própria dignidade da pessoa. Como já mencionado, o acidente em questão, atribuído à concessionária de serviço de transporte rodoviário, deixou a vítima inválida permanentemente com acentuadas sequelas cognitivas e comportamentais com as quais tanto o autor quanto a sua família terão que conviver pelo resto de suas vidas. Qualquer pessoa que vivenciasse esse tipo de fatalidade certamente ficaria psicologicamente abalada. 12. O valor do dano moral tem o escopo de atender a dupla função: reparar o dano, buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não volte a rescindir. No caso dos autos, considerando o acontecimento e as suas consequências, tem-se como razoável o montante fixado na sentença de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), quantia que não se mostra exorbitante a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa, nem ínfima a tornar insuficiente a reparação ao autor que, em virtude do acidente, perdeu a capacidade de gerir a própria vida. Essa quantia jamais poderá reparar integralmente o prejuízo causado, pela própria impossibilidade de retorno ao estado anteriorcom restituição da saúde física e mental da vítima,atuando apenas na função compensatória. 13. Recursos conhecidos, preliminar rejeitada e parcialmente providos.
Ementa
APELAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SOLIDARIEDADE COM A SEGURADORA. DANOS MATERIAIS. DESPESAS MÉDICAS. INCAPACIDADE PERMANENTE. PENSÃO MENSAL. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Consoante reiterado entendimento do Superior Tribunal de Justiça, se o advogado da parte foi intimado da expedição da carta precatória não há necessidade de nova intimação da data da audiência de inquirição de testemunha a ser realizada no juízo deprecado. Caberia a ele acompanhar a tramitação da precatória e certificar-se do dia designado para a realização da referida audiência, o que afasta o alegado cerceamento de defesa. 2. A Constituição de 1988 adotou como regra a responsabilização extracontratual objetiva do Estado e dos prestadores de serviços públicos para atos praticados por seus agentes, incidindo, na hipótese, o regramento do § 6º do artigo 37 da Constituição Federal. Para a configuração dessa responsabilidade, três pressupostos são necessários: (I) a existência de fato administrativo - atividade ou conduta comissiva ou omissiva - imputado a agente do Estado ou prestador de serviço público; (II) o dano consubstanciado em lesão a interesse jurídico tutelado, seja ele material ou imaterial; e (III) a relação de causalidade entre o fato administrativo e o dano, isto é, que o prejuízo sofrido se origina dessa conduta, independente da existência de dolo ou culpa. 3. Caso em que o autor foi vítima de atropelamento envolvendo veículo de propriedade da requerida (concessionária prestadora de transporte rodoviário), resultando em graves lesões com sequelas cognitivas e comportamentais permanentes em grau acentuado, tornando-o permanentemente inválido e resultando na sua interdição. Além disso, foi demonstrado, pela dinâmica dos fatos comprovados, que o prejuízo sofrido originou de conduta imputável ao preposto da requerida. 4. Para que eventualmente seja possível afastar ou atenuar essa responsabilidade, recai sobre o prestador do serviço público o ônus de comprovar que os danos causados decorreram exclusivamente de culpa da vítima, ou ao menos que esta concorreu para tanto, situação não verificada nos autos. 5. Evidenciado o nexo de causalidade entre o acidente de trânsito ocorrido e a conduta do preposto da concessionária de serviço de transporte rodoviário, deve ser mantida a sentença no tocante ao reconhecimento da responsabilidade civil da requerida. 6. Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice (STJ. REsp 925.130/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/02/2012, DJe 20/04/2012). 7. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, fica obrigado a repará-lo (arts. 186, 187 e 927 do Código Civil). No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido (art. 949 do Código Civil). 8. Impõe-se à requerida o dever de reparação pelos danos causados ao autor em decorrência do atropelamento, consubstanciado nos gastos suportados relativos a despesas médicas. Inviável a determinação de compensação com quantia proveniente de indenização decorrente de seguro obrigatório, ante a inexistência de prova de que o autor tenha recebido qualquer verba sob esse título, encargo probatório de cujo ônus não se desincumbiu a requerida. Precedentes. 9. Se da ofensa causadora do dano resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou ou da depreciação que ele sofreu (art. 950 do Código Civil). Demonstrando o autor que exercia atividade laborativa e comprovada a sua incapacidade total e permanente, cabível a fixação de pensão em seu favor. 10. A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário-mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores (Súmula 490 do STJ). Para o cálculo do valor devido, as parcelas de pensão vencidas fixadas em salário mínimo devem ser convertidas em valores líquidos à data do vencimento e, a partir de então, atualizadas monetariamente (STJ. EREsp 1191598/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/04/2017, DJe 03/05/2017). 11. Na esfera extrapatrimonial do autor, é evidente o abalo causado, que extrapola, em muito, meros dissabores do cotidiano, sendo capaz de ensejar abalo a atributos da personalidade, afetando a própria dignidade da pessoa. Como já mencionado, o acidente em questão, atribuído à concessionária de serviço de transporte rodoviário, deixou a vítima inválida permanentemente com acentuadas sequelas cognitivas e comportamentais com as quais tanto o autor quanto a sua família terão que conviver pelo resto de suas vidas. Qualquer pessoa que vivenciasse esse tipo de fatalidade certamente ficaria psicologicamente abalada. 12. O valor do dano moral tem o escopo de atender a dupla função: reparar o dano, buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não volte a rescindir. No caso dos autos, considerando o acontecimento e as suas consequências, tem-se como razoável o montante fixado na sentença de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), quantia que não se mostra exorbitante a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa, nem ínfima a tornar insuficiente a reparação ao autor que, em virtude do acidente, perdeu a capacidade de gerir a própria vida. Essa quantia jamais poderá reparar integralmente o prejuízo causado, pela própria impossibilidade de retorno ao estado anteriorcom restituição da saúde física e mental da vítima,atuando apenas na função compensatória. 13. Recursos conhecidos, preliminar rejeitada e parcialmente providos.
Data do Julgamento
:
15/08/2018
Data da Publicação
:
20/08/2018
Órgão Julgador
:
5ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
MARIA IVATÔNIA
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