TJDF APC - 160724-20000810004070APC
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE AUSÊNCIA DE PERFEITA INDIVIDUAÇÃO DO IMÓVEL REIVINDICADO REPELIDAS. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO EXTINTIVA DO DIREITO DE AÇÃO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO NÃO ACATADA POR INOCORRENTES OS PRESSUPOSTOS DOS ARTS. 550 E 551 DO CCB. HIPÓTESE DE ELISÃO DA PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO POSSUIDOR. INDENIZAÇÃO APENAS PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. CONDENAÇÃO DO RÉU AO CERCAMENTO DO IMÓVEL E DOS AUTORES NO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA NA AQUISIÇÃO PELO POSSUIDOR NÃO ACATADOS. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO RÉU IMPROVIDO. I - Aberta a sucessão pela morte da pessoa, o acervo hereditário é transmitido, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, que passam a exercer, por direito próprio, a posse e o domínio sobre os bens deixados, em regime de condomínio universal com os demais sucessores, até que ocorra a partilha. Nesta linha, malgrado a expressa determinação de que a representação do espólio em juízo se faça pelo inventariante (art. 12, inciso V, do CPC), em se tratando de condomínio, como de direito é a herança do cônjuge falecido e a meação do sobrevivo até a ultimação da partilha, os condôminos, cônjuge e filhos, têm legitimidade para, em conjunto ou separadamente, propor ações em defesa do bem indiviso, reividicando-a de terceiro (arts. 623, inciso II, e parágrafo único do art. 1.580 do CCB). Podem, assim, os sucessores da falecida esposa do proprietário do imóvel reivindicado integrar o pólo ativo da ação. II - Embora para o manuseio da reivindicatória, como condição da ação, seja necessária a perfeita definição da área reivindicada, com a satisfatória descrição de todos os seus elementos caracterizadores, inexistindo dúvida séria e objetiva sobre ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabelecida ou restabelecida no terreno, bem como sendo resolvida pela adstrição do dispositivo da sentença ao pedido inicial formulado a alegada incoerência do croqui demonstrativo de invasão de terras, que considerava áreas contíguas, imperioso reconhecer ser prescindível que os autores se valham antes de uma eventual ação demarcatória ou divisória, sendo pertinente, no caso, a propositura da ação de reivindicação. III - Malgrado linha de pensamento em sentido contrário, tem prevalecido o entendimento de que a ação reivindicatória é imprescritível, não se lhe aplicando o disposto no art. 177 do Código Civil. IV - A seu turno, a reivindicatória, tem-se repisado, é a ação do proprietário não-possuidor contra o possuidor não-proprietário e se lastreia na prova da propriedade do bem pelo autor e na injustiça da posse do réu. Por sua vez, para o fim específico da reivindicatória, a posse injusta, sendo objetivo o seu conceito, é aquela exercida sem título de domínio ou sem caráter de posse direta, ou seja, aquela cuja aquisição está em antagonismo com o direito de propriedade e não tenha sido outorgada de forma regular, não sendo exigível a imputação dos vícios da precariedade, clandestinidade e violência. Inteligência dos arts. 489 e 524 do CCB. V - A oposição manifestada pelo proprietário prejudica o requisito do exercício manso e pacífico da posse pelo ocupante do imóvel para fins de reconhecimento do usucapião extraordinário, nos moldes do art. 550 do Código Civil. E para tanto, malgrado posições em sentido contrário, não há nem necessidade que a contrariedade se manifeste em ação judicial proposta pelo proprietário julgada procedente, bastando que o ato seja materialmente uma demonstração inequívoca de não aceitação da conduta do posseiro, o que restou caracterizado na espécie com propositura de reivindicatória contra anterior posseiro da qual resultou acordo entre os então litigantes. VI - Ainda que não se colha a necessidade de inscrição do título no registro imobiliário, certo é que a jurisprudência acompanha o entendimento de que, para os fins do usucapião ordinário, o justo título aludido no art. 551 do CCB é aquele válido, em tese, para transferir o domínio, mas ineficaz, na hipótese, por não ser o transmitente o titular do direito ou faltar-lhe o poder de alienar. Destarte, instrumento particular de compra e venda de imóvel rural do qual nem mesmo participou o dominus, não sendo hábil em tese para transferir a propriedade imóvel, não se apresenta como justo título para fins da qualificação pertinente ao usucapião ordinário. VII - Para que a posse exercida seja considerada de boa-fé exige-se que o possuidor ignore o vício ou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído (art. 490 do Código Civil). Malgrado em circunstâncias excepcionais já se tenha admitido que a ocupação ou permanência sem permissão do proprietário tolerada por vários anos é reveladora da presunção tácita de boa-fé, não há que prevalecer tal presunção quando o possuidor age com negligência imperdoável, posto que a ignorância do vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa ou do direito defluiu de culpa grave, mormente por ser o réu possuidor um profissional da área do direito, sendo-lhe perfeitamente exigível objetivamente que ao menos examinasse a prova do domínio de toda extensão da gleba de terras adquirida. VIII - Elidida a presunção de boa-fé, o exercício de sua posse somente assegura ao possuidor a indenização pelas benfeitorias necessárias, sem direito de retenção (art. 517 do CCB). IX - O pleito recursal de condenação do réu à entrega da área devidamente cercada deve ser desenganado, posto que, além de não constar expressamente do pedido inicial, não houve demonstração da existência de prévio cercamento apropriado da gleba reivindicada por obra dos proprietários. X - Também não merece acatamento a alegação do réu possuidor, por eventualidade, da existência de direito ao reembolso do que pagou pela área reivindicada, sob alegação da boa-fé no exercício da posse e de culpa in vigilando dos proprietários, vez que, não participando o proprietário em nenhum momento da transação operada com os anteriores possuidores, incabível ao possuidor atribuir os efeitos de sua incúria aos verdadeiros titulares do domínio. XI - Sentença parcialmente reformada para limitar a garantia de indenização do possuidor apenas pelas benfeitorias necessárias, sem direito de retenção, alterando-se a condenação nos ônus sucumbenciais, em face da aplicação das disposições contidas nos arts. 20, caput e § 4º, e 21 caput, do CPC.
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CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE AUSÊNCIA DE PERFEITA INDIVIDUAÇÃO DO IMÓVEL REIVINDICADO REPELIDAS. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO EXTINTIVA DO DIREITO DE AÇÃO. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO NÃO ACATADA POR INOCORRENTES OS PRESSUPOSTOS DOS ARTS. 550 E 551 DO CCB. HIPÓTESE DE ELISÃO DA PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO POSSUIDOR. INDENIZAÇÃO APENAS PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. CONDENAÇÃO DO RÉU AO CERCAMENTO DO IMÓVEL E DOS AUTORES NO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA NA AQUISIÇÃO PELO POSSUIDOR NÃO ACATADOS. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DO RÉU IMPROVIDO. I - Aberta a sucessão pela morte da pessoa, o acervo hereditário é transmitido, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, que passam a exercer, por direito próprio, a posse e o domínio sobre os bens deixados, em regime de condomínio universal com os demais sucessores, até que ocorra a partilha. Nesta linha, malgrado a expressa determinação de que a representação do espólio em juízo se faça pelo inventariante (art. 12, inciso V, do CPC), em se tratando de condomínio, como de direito é a herança do cônjuge falecido e a meação do sobrevivo até a ultimação da partilha, os condôminos, cônjuge e filhos, têm legitimidade para, em conjunto ou separadamente, propor ações em defesa do bem indiviso, reividicando-a de terceiro (arts. 623, inciso II, e parágrafo único do art. 1.580 do CCB). Podem, assim, os sucessores da falecida esposa do proprietário do imóvel reivindicado integrar o pólo ativo da ação. II - Embora para o manuseio da reivindicatória, como condição da ação, seja necessária a perfeita definição da área reivindicada, com a satisfatória descrição de todos os seus elementos caracterizadores, inexistindo dúvida séria e objetiva sobre ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabelecida ou restabelecida no terreno, bem como sendo resolvida pela adstrição do dispositivo da sentença ao pedido inicial formulado a alegada incoerência do croqui demonstrativo de invasão de terras, que considerava áreas contíguas, imperioso reconhecer ser prescindível que os autores se valham antes de uma eventual ação demarcatória ou divisória, sendo pertinente, no caso, a propositura da ação de reivindicação. III - Malgrado linha de pensamento em sentido contrário, tem prevalecido o entendimento de que a ação reivindicatória é imprescritível, não se lhe aplicando o disposto no art. 177 do Código Civil. IV - A seu turno, a reivindicatória, tem-se repisado, é a ação do proprietário não-possuidor contra o possuidor não-proprietário e se lastreia na prova da propriedade do bem pelo autor e na injustiça da posse do réu. Por sua vez, para o fim específico da reivindicatória, a posse injusta, sendo objetivo o seu conceito, é aquela exercida sem título de domínio ou sem caráter de posse direta, ou seja, aquela cuja aquisição está em antagonismo com o direito de propriedade e não tenha sido outorgada de forma regular, não sendo exigível a imputação dos vícios da precariedade, clandestinidade e violência. Inteligência dos arts. 489 e 524 do CCB. V - A oposição manifestada pelo proprietário prejudica o requisito do exercício manso e pacífico da posse pelo ocupante do imóvel para fins de reconhecimento do usucapião extraordinário, nos moldes do art. 550 do Código Civil. E para tanto, malgrado posições em sentido contrário, não há nem necessidade que a contrariedade se manifeste em ação judicial proposta pelo proprietário julgada procedente, bastando que o ato seja materialmente uma demonstração inequívoca de não aceitação da conduta do posseiro, o que restou caracterizado na espécie com propositura de reivindicatória contra anterior posseiro da qual resultou acordo entre os então litigantes. VI - Ainda que não se colha a necessidade de inscrição do título no registro imobiliário, certo é que a jurisprudência acompanha o entendimento de que, para os fins do usucapião ordinário, o justo título aludido no art. 551 do CCB é aquele válido, em tese, para transferir o domínio, mas ineficaz, na hipótese, por não ser o transmitente o titular do direito ou faltar-lhe o poder de alienar. Destarte, instrumento particular de compra e venda de imóvel rural do qual nem mesmo participou o dominus, não sendo hábil em tese para transferir a propriedade imóvel, não se apresenta como justo título para fins da qualificação pertinente ao usucapião ordinário. VII - Para que a posse exercida seja considerada de boa-fé exige-se que o possuidor ignore o vício ou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído (art. 490 do Código Civil). Malgrado em circunstâncias excepcionais já se tenha admitido que a ocupação ou permanência sem permissão do proprietário tolerada por vários anos é reveladora da presunção tácita de boa-fé, não há que prevalecer tal presunção quando o possuidor age com negligência imperdoável, posto que a ignorância do vício ou obstáculo que impede a aquisição da coisa ou do direito defluiu de culpa grave, mormente por ser o réu possuidor um profissional da área do direito, sendo-lhe perfeitamente exigível objetivamente que ao menos examinasse a prova do domínio de toda extensão da gleba de terras adquirida. VIII - Elidida a presunção de boa-fé, o exercício de sua posse somente assegura ao possuidor a indenização pelas benfeitorias necessárias, sem direito de retenção (art. 517 do CCB). IX - O pleito recursal de condenação do réu à entrega da área devidamente cercada deve ser desenganado, posto que, além de não constar expressamente do pedido inicial, não houve demonstração da existência de prévio cercamento apropriado da gleba reivindicada por obra dos proprietários. X - Também não merece acatamento a alegação do réu possuidor, por eventualidade, da existência de direito ao reembolso do que pagou pela área reivindicada, sob alegação da boa-fé no exercício da posse e de culpa in vigilando dos proprietários, vez que, não participando o proprietário em nenhum momento da transação operada com os anteriores possuidores, incabível ao possuidor atribuir os efeitos de sua incúria aos verdadeiros titulares do domínio. XI - Sentença parcialmente reformada para limitar a garantia de indenização do possuidor apenas pelas benfeitorias necessárias, sem direito de retenção, alterando-se a condenação nos ônus sucumbenciais, em face da aplicação das disposições contidas nos arts. 20, caput e § 4º, e 21 caput, do CPC.
Data do Julgamento
:
19/08/2002
Data da Publicação
:
02/10/2002
Órgão Julgador
:
3ª Turma Cível
Relator(a)
:
JERONYMO DE SOUZA
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