TJDF APC - 228717-20041010013618APC
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS (RECTIUS, ACESSÕES) COMPENSADA COM ALUGUEL DEVIDO PELO USO DA COISA.1. A autora entregou o imóvel em comodato, com receio de que aparentasse abandono, fomentando o risco de invasão. Porém, a despeito do negócio, pagaria ela, autora-apelante, todos os tributos devidos. Posteriormente, resolveu por termo ao contrato. Notificou a comodatária. Desatendida, ajuizou ação de reintegração de posse. Pedido procedente. Sentença confirmada, rejeitadas as preliminares de prescrição extintiva e aquisitiva.2. A ré requereu a indenização pelas benfeitorias que realizara. O magistrado sentenciante a negou. Entendeu Sua Excelência, verbis: Quanto ao pedido de indenização, desde que se admita, como se admitiu, a existência do comodato, aplica-se a regra do art. 1.254 do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração do contrato, no sentido de que 'comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada'. Ocorre que são inconfundíveis entre si acessões e benfeitorias. Na lição de Sílvio de Salvo Venosa, verbis: Tudo que se incorpora, natural ou artificialmente, a uma coisa chama-se acessão. A acessão artificial, mormente as construções, na prática, podem ser confundidas com benfeitorias, o que não é correto (in Direito Civil, v. I. São Paulo: Atlas, 2001, p. 277). Sem dúvida, o comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas normais, necessárias, indispensáveis feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. Observe-se, é importante reiterar: despesas normais, necessárias e indispensáveis. Não, porém, despesas extraordinárias. Quanto a essas é devido o reembolso. Diz a lei, a contratrio sensu, que o comodatário poderá recobrá-las do comodante (CC/1916, art. 1.254). É devida a indenização pelas acessões - não benfeitorias - realizadas, porquanto presentes seus pressupostos, quais sejam: a) a constatação da existência delas; b) a boa-fé; e c) o consentimento tácito (CC/1916, art. 548, § único). O reconhecimento do direito de se indenizar pelas construções realizadas não implica a prerrogativa de reter o bem acedido até a adimplemento da obrigação. E, aqui, revela-se a importância da distinção entre benfeitorias e acessão - no caso, construção. O tratamento jurídico de ambas, benfeitoria e acessão, é equiparado, para certos efeitos legais. Certos efeitos; não todos. Em ambas hipóteses - fossem benfeitorias, fossem acessões (construções) - tocaria ao construtor o direito de se indenizar. A prerrogativa de reter, no entanto, diz respeito apenas às benfeitorias (textualmente: CC/1916, arts. 516 e 517) e não às acessões - às quais a lei não garante a retenção (CC/1916, arts. 545 a 549). 3. A recalcitrância do comodatário devolver a coisa atrai os ônus do CC/1916, art. 1.252, dentre eles, a obrigação de pagar aluguel correspondente ao atraso na restituição do bem, verbis: Art. 1.252. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará o aluguer da coisa durante o tempo do atraso em restituí-la. Inegável, portanto, o direito à percepção de alugueres, no valor mensal reclamado até efetiva desocupação do imóvel. 4. Apuradas as conclusões dos tópicos supra, cumpriria reintegrar a autora na posse da coisa; acolher o pedido de condenação em aluguel; e condenar a autora na obrigação de indenizar a ré pelas construções, afastado o direito de retenção. Mas essa solução dá com uma mão e tira com a outra. Aqui, a jurisdição não encerra a lide. Ao contrário, pereniza-a. Pois se afigura bastante improvável (ante a situação sócio-econômica de ambas as partes) que as obrigações cominadas na decisão se cumpram algum dia. Essa constatação desperta para a reminiscência de vetusto brocardo romano que dizia assim: compensatio est debiti et crediti inter se contributio. É bem verdade que se exigem outros pressupostos - que inexistem na espécie - para a configuração exata da hipótese de compensação (CC/2002, arts. 368 a 380; CC/1916, arts. 1.009 a 1.024). Porém, não foi sempre assim. Lembra Caio Mário, a respeito da origem do instituto, que não vigia naquele direito pacificidade na maneira de sua atuação (in Instituições de Direito Civil, v. II. 20a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 255). Nada obstante, seu princípio inspirador a tem acompanhado desde então: no vetor atemporal da eqüidade, princípio sobre o qual, ensinam Caio Mário e Venosa, fundou-se a compensação (Idem, p. 254 e Direito Civil, v. II. São Paulo: Atlas, 2001, p. 269). É esse o princípio que convém resgatar para a justa composição da lide. O juiz não deve julgar por eqüidade, salvo autorização legal (CPC, art. 127). Porém, in casu, cumpriria prestigiar as finalidades da jurisdição uma das quais é a pacificação social, encerrando, definitivamente, a lide. É o caso de reconhecer a compensação entre ambas obrigações - a de indenizar pelas construções e a de pagar alugueres - e manter a r. sentença, ressalvados, porém, os fundamentos supra declinados.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS (RECTIUS, ACESSÕES) COMPENSADA COM ALUGUEL DEVIDO PELO USO DA COISA.1. A autora entregou o imóvel em comodato, com receio de que aparentasse abandono, fomentando o risco de invasão. Porém, a despeito do negócio, pagaria ela, autora-apelante, todos os tributos devidos. Posteriormente, resolveu por termo ao contrato. Notificou a comodatária. Desatendida, ajuizou ação de reintegração de posse. Pedido procedente. Sentença confirmada, rejeitadas as preliminares de prescrição extintiva e aquisitiva.2. A ré requereu a indenização pelas benfeitorias que realizara. O magistrado sentenciante a negou. Entendeu Sua Excelência, verbis: Quanto ao pedido de indenização, desde que se admita, como se admitiu, a existência do comodato, aplica-se a regra do art. 1.254 do Código Civil de 1916, vigente à época da celebração do contrato, no sentido de que 'comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas feitas com o uso e gozo da coisa emprestada'. Ocorre que são inconfundíveis entre si acessões e benfeitorias. Na lição de Sílvio de Salvo Venosa, verbis: Tudo que se incorpora, natural ou artificialmente, a uma coisa chama-se acessão. A acessão artificial, mormente as construções, na prática, podem ser confundidas com benfeitorias, o que não é correto (in Direito Civil, v. I. São Paulo: Atlas, 2001, p. 277). Sem dúvida, o comodatário não poderá jamais recobrar do comodante as despesas normais, necessárias, indispensáveis feitas com o uso e gozo da coisa emprestada. Observe-se, é importante reiterar: despesas normais, necessárias e indispensáveis. Não, porém, despesas extraordinárias. Quanto a essas é devido o reembolso. Diz a lei, a contratrio sensu, que o comodatário poderá recobrá-las do comodante (CC/1916, art. 1.254). É devida a indenização pelas acessões - não benfeitorias - realizadas, porquanto presentes seus pressupostos, quais sejam: a) a constatação da existência delas; b) a boa-fé; e c) o consentimento tácito (CC/1916, art. 548, § único). O reconhecimento do direito de se indenizar pelas construções realizadas não implica a prerrogativa de reter o bem acedido até a adimplemento da obrigação. E, aqui, revela-se a importância da distinção entre benfeitorias e acessão - no caso, construção. O tratamento jurídico de ambas, benfeitoria e acessão, é equiparado, para certos efeitos legais. Certos efeitos; não todos. Em ambas hipóteses - fossem benfeitorias, fossem acessões (construções) - tocaria ao construtor o direito de se indenizar. A prerrogativa de reter, no entanto, diz respeito apenas às benfeitorias (textualmente: CC/1916, arts. 516 e 517) e não às acessões - às quais a lei não garante a retenção (CC/1916, arts. 545 a 549). 3. A recalcitrância do comodatário devolver a coisa atrai os ônus do CC/1916, art. 1.252, dentre eles, a obrigação de pagar aluguel correspondente ao atraso na restituição do bem, verbis: Art. 1.252. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará o aluguer da coisa durante o tempo do atraso em restituí-la. Inegável, portanto, o direito à percepção de alugueres, no valor mensal reclamado até efetiva desocupação do imóvel. 4. Apuradas as conclusões dos tópicos supra, cumpriria reintegrar a autora na posse da coisa; acolher o pedido de condenação em aluguel; e condenar a autora na obrigação de indenizar a ré pelas construções, afastado o direito de retenção. Mas essa solução dá com uma mão e tira com a outra. Aqui, a jurisdição não encerra a lide. Ao contrário, pereniza-a. Pois se afigura bastante improvável (ante a situação sócio-econômica de ambas as partes) que as obrigações cominadas na decisão se cumpram algum dia. Essa constatação desperta para a reminiscência de vetusto brocardo romano que dizia assim: compensatio est debiti et crediti inter se contributio. É bem verdade que se exigem outros pressupostos - que inexistem na espécie - para a configuração exata da hipótese de compensação (CC/2002, arts. 368 a 380; CC/1916, arts. 1.009 a 1.024). Porém, não foi sempre assim. Lembra Caio Mário, a respeito da origem do instituto, que não vigia naquele direito pacificidade na maneira de sua atuação (in Instituições de Direito Civil, v. II. 20a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 255). Nada obstante, seu princípio inspirador a tem acompanhado desde então: no vetor atemporal da eqüidade, princípio sobre o qual, ensinam Caio Mário e Venosa, fundou-se a compensação (Idem, p. 254 e Direito Civil, v. II. São Paulo: Atlas, 2001, p. 269). É esse o princípio que convém resgatar para a justa composição da lide. O juiz não deve julgar por eqüidade, salvo autorização legal (CPC, art. 127). Porém, in casu, cumpriria prestigiar as finalidades da jurisdição uma das quais é a pacificação social, encerrando, definitivamente, a lide. É o caso de reconhecer a compensação entre ambas obrigações - a de indenizar pelas construções e a de pagar alugueres - e manter a r. sentença, ressalvados, porém, os fundamentos supra declinados.
Data do Julgamento
:
10/10/2005
Data da Publicação
:
29/11/2005
Órgão Julgador
:
2ª Turma Cível
Relator(a)
:
WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR
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