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Jurisprudência


TJDF APC - 803766-20130110005702APC

Ementa
PROCESSO CIVIL, ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO COMINATÓRIA. I - RECURSO DO RÉU/DISTRITO FEDERAL. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO. PACIENTE PORTADORA DE DEFICIÊNCIA GRAVE DE GH - HORMÔNIO DO CRESCIMENTO. TRATAMENTO. MEDICAMENTOS COMUNS E DE ALTO CUSTO. CARÊNCIA DE RECURSOS. IMPOSSIBILIDADE DE AQUISIÇÃO. FORNECIMENTO PELO ESTADO. DEVER CONSTITUCIONAL. FÁRMACOS NÃO COMPREENDIDOS NOS PROTOCOLOS CLÍNICOS DE DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (LEI N. 8.080/90). IRRELEVÂNCIA. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO À SAÚDE COMO INERENTE AO DIREITO À VIDA. MEDICAMENTO LICENCIADO PELO ÓRGÃO COMPETENTE. PEDIDO. II - RECURSO DA AUTORA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. SENTENÇA. ACOLHIMENTO. ART. 515, PARÁGRAFO TERCEIRO, DO CPC. PEDIDO DE ANÁLISE DE PRODUÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL INEXISTÊNCIA DE APRECIAÇÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE. PRECLUSÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DE MÉRITO E AO MESMO TEMPO TORNA DEFINITIVA A LIMINAR. PARCIAL PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO DO RÉU/DISTRITO FEDERAL. SENTENÇA CASSADA. APLICAÇÃO DO ART. 515, PARÁGRAFO 3º, DO CPC. PARTE AUTORA PATROCINADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. ASTREINTES. APLICAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É cediço que o processo civil brasileiro adotou como sistema de valoração das provas o da persuasão racional, também chamado sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o magistrado é livre para formar seu convencimento desde que, baseado nos elementos constantes dos autos, apresente a respectiva fundamentação. Com efeito, cabe ao julgador, na condição de destinatário final, analisar a necessidade, ou não, da dilação probatória, apreciando se os fatos que se pretende demonstrar são capazes de influir na decisão da causa. 2. O Código de Processo Civil, em seu artigo 130, dispõe que Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias. Em outras palavras, o artigo 420, do CPC, embora disponha sobre a produção de provas a pedido das partes, não vincula o magistrado a todo e qualquer pedido neste sentido, devendo ser examinada a relevância de cada prova requerida para o deslinde da demanda. 3. No caso em apreço, a produção das provas requerida não tem relevância para a fase processual de conhecimento, visto que a discussão acerca da necessidade ou não de outras provas, em caso de eventual procedência da demanda, é dirimida por ocasião do julgamento da apelação. Preliminar rejeitada. 4. À cidadã que, sendo portadora de deficiência grave invoca a proteção jurisdicional com o objetivo de compelir o poder público a lhe fornecer gratuitamente o medicamento do qual necessita para amenizar as conseqüências do mal que a aflige, está dispensada de comprovar materialmente que o órgão incumbido de distribuí-los se negara a fornecê-los de forma a materializar seu interesse de agir, afigurando-se suficiente para esse fim a verossimilhança que reveste os argumentos que alinhavara se não infirmados ou desqualificados por qualquer elemento em sentido contrário. 5. O fornecimento de remédios em quantidade suficiente para suprir temporariamente as necessidades de uso da cidadã em decorrência da obrigação cominada à administração via da decisão antecipatória não afeta o objeto da ação com esse objetivo, eis que, em se tratando de obrigação continuada cujo adimplemento se postergará no tempo, o adimplemento havido não enseja a ilação de que continuará sendo adimplida na forma pretendida, sobejando incólumes o interesse processual e o objeto da lide, inclusive porque a antecipação da tutela perseguida. 6. A transcendência do direito à saúde, como expressão mais eloquente da evolução dos direitos básicos inerentes à pessoa humana e das liberdades e garantias individuais, impõe ao Estado a implementação de ações positivas destinadas à materialização do pedido, revestindo de eficácia plena a norma programática constante do artigo 196, da Constituição Federal, que prescreve que o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado. 7. À cidadã que, acometida de enfermidade cujo tratamento reclama o uso diário de medicamento, não usufrui de recursos suficientes para custear o tratamento do qual necessita, assiste o direito de, no exercício subjetivo público à saúde que lhe é resguardado, ser contemplada com seu fornecimento pelo Poder Público, consoante, nos termos do artigo 207, inciso XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal. 8. O direito à saúde, como expressão eloqüente dos direitos e garantias individuais, consubstanciando predicado inerente ao direito à vida, prepondera sobre as regulações e deficiências estatais, determinando que, na exata dicção da prescrição constitucional, deve ser preponderante na interpretação das disposições insertas na Lei nº 8.080/90, resultando que, conquanto não discriminado o fármaco no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, mas tratando-se de medicamento licenciado e comercializado regularmente no país, deve ser assegurado seu fornecimento se prescrito pelo médico assistente como mais indicado para o tratamento da enfermidade que acomete o cidadão, notadamente quando o médico que o prescrevera integra os serviços públicos de saúde. 9. Por força do apelo interposto são devolvidos a esta instância revisora o tema recursal que diz respeito à impossibilidade de extinção do feito sem julgamento do mérito, pois o fornecimento do medicamento somente ocorreu após o ajuizamento de demanda. 10. Em razão da cassação da sentença com a parcial procedência dos pedidos iniciais, devem os ônus da sucumbência ser suportados integralmente pela parte ré. Nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, nas causas em que não houver condenação, os honorários do advogado serão fixados de acordo com a apreciação equitativa do magistrado, considerados o grau de zelo profissional, as circunstâncias da lide e a complexidade da causa, bem como o tempo despendido para o patrocínio. 11. Em se tratando de matéria exclusivamente de direito e estando a ação em condições de imediato julgamento, impõe-se a aplicação da norma do art. 515, §3º, do CPC. 12. O fornecimento do medicamento ocorreu somente após a citação, ou seja, quando o réu havia sido constituído em mora, patenteado-se, pois, o interesse de agir da recorrente. Portanto, a cassação do decisum é medida que se impõe. É dever do Estado garantir o direito à saúde, fornecendo tratamento ao cidadão que, por ser hipossuficiente, não tem condição de arcar com os custos dos medicamentos prescritos para o caso. 13. Sendo objetivo da multa o cumprimento da obrigação e não o seu próprio pagamento, e autorizada a sua alteração de ofício, conforme artigo 461, § 6º do CPC, em caso de descumprimento, deve o réu/apelado pagar à autora/apelante, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia, até o máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA R. SENTENÇA ARGUIDA PELA AUTORA/APELANTE, ACOLHIDA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO E À REMESSA, DE OFICIO, DO RÉU/DISTRITO FEDERAL E no mérito, DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA para cassar a r. sentença vergastada e, com fulcro no art. 515, parágrafo 3º, do CPC, adentrar no mérito e julgar procedente o pedido, nos termos do art. 269, inciso I, do CPC para condenar o DISTRITO FEDERAL a fornecer o medicamento SOMATROPINA 4 UI solução injetável, 8 frascos-ampolas/mês, como aplicação diária de 0,3 mg ou 1 Ul/dia, na quantidade e regularidade necessárias ao seu tratamento, conforme cópia do receituário médico e, em decorrência do princípio da causalidade, ante a sucumbência, condenar o Distrito Federal ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 300,00 (trezentos reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Deixo de condená-lo ao ressarcimento das custas processuais, porquanto a contraparte, por ser beneficiária da justiça gratuita, não efetivou o seu recolhimento e, conforme artigo 461, § 6º do CPC, em caso de descumprimento, deve o réu/apelado pagar à autora/apelante, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia, até o máximo de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Data do Julgamento : 17/07/2014
Data da Publicação : 22/07/2014
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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