TJDF APC - 861197-20140110740524APC
CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ENTREGA DE RECURSOS PELO BANCO AO TOMADOR DO EMPRÉSTIMO. DEVOLUÇÃO DE VALORES NOS TERMOS E CONDIÇÕES CONTRATADOS. CIÊNCIA DOS ENCARGOS DECORRENTES DA AVENÇA. PRELIMINAR ACOLHIDA. PRIMEIRA FASE DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. VERIFICAÇÃO DA (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO. DIREITO PESSOAL. ENTENDIMENTO DO C. STJ. PRAZO PRESCRICIONAL GERAL. ART. 205 DO CC. BOA FÉ. TEORIAS DA SUPRESSIO E DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E DE MOTIVOS PARA A EXIGÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. MANDATO. TRANSFERÊNCIA DE PODERES. FINANCIAMENTO DE EVENTUAL DÉBITO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA JUNTO À ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. LANÇAMENTO DO CUSTO DO FINANCIAMENTO NA CONTA DO MANDANTE. DIREITO À CIÊNCIA DO MODO PELO QUAL A MANDATÁRIA ESTÁ CUMPRINDO A OBRIGAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA NO TOCANTE AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - A preliminar de falta de interesse de agir resta configurada quando presente o trinômio necessidade-utilidade-adequação, ou seja, a necessidade de o autor acionar o Judiciário, a utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar e a adequação do meio jurídico utilizado. 1.1 - Presentes os elementos necessários, não há o que se falar em falta de interesse de agir ante a existência de pedido genérico ou da incompatibilidade de ritos. 1.2 - Há interesse de agir do titular de cartão de crédito no tocante à propositura de ação de prestação de contas em face da administradora de cartão de crédito a fim de obtenção da apresentação das contas dos encargos que lhe são cobrados, independentemente do recebimento das faturas mensais, conforme jurisprudência sedimentada pelo c. Superior Tribunal de Justiça. 1.3 - Nos contratos de financiamento ou empréstimo não há entrega de recursos do correntista ao banco a fim de que este os administre e realize pagamentos em nome do primeiro. Ao contrário, o banco entrega os recursos ao tomador do empréstimo, que deverá devolvê-los nos termos e condições avençados em contrato, tendo este plena ciência dos encargos contratados e, caso não possua o(s) documento(s) necessários para tal aferição, a via adequada para sua pretensão é a ação de exibição de documentos. Assim, não existe interesse de agir quanto à prestação de contas referente a contratos de empréstimo. 1.4 - Preliminar acolhida apenas no tocante ao pedido de prestação de contas referente aos contratos de empréstimo entabulados. 2 - A ação de prestação de contas é peculiar porquanto composta por duas fases: a primeira, em que há a determinação da prestação de contas, e a segunda, em que as contas são analisadas e declaradas boas ou não, sendo-lhe inerente a natureza condenatória diante da existência de saldo em favor de uma das partes. 2.1 - Acerca da primeira fase, seu objeto cinge-se à verificação da (in)existência do direito da parte quanto à exigência ou prestação das contas, tendo o c. Superior Tribunal de Justiça manifestado-se no sentido de que a ação mencionada constitui direito pessoal à qual se aplica a regra geral de prescrição prevista no Código Civil, em seu art. 205, ou seja, dez anos, ante a inexistência de previsão específica. 2.2 - Na segunda fase, após análise das contas apresentadas e definição de valor(es) em sentença, pode restar reconhecido eventual saldo em favor de uma das partes, que poderá cobrá-lo por meio de execução, nos termos do art. 918 do Código de Processo Civil, execução esta fundamentada na natureza condenatória que lhe é inerente. Assim, a pretensão relativa à cobrança de valores inadimplidos ou devolução de valores pagos indevidamente sujeitar-se-á ao prazo prescricional relativo a cada espécie de ação a que se relacionarão os pedidos do credor, a ser aferida no momento processual oportuno. 2.3 - Nos termos do art. 193 do Código Civil, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. 2.4 -In casu, o feito encontra-se na primeira fase, devendo ser aplicado o prazo decenal disposto no art. 205 do Código Civil, não havendo o que se falar em ocorrência de prescrição. Prejudicial de mérito rejeitada. 3 - A boa fé objetiva veda a adoção de comportamentos contraditórios pelas partes de uma relação jurídica e o instituto da supressio designa o fenômeno jurídico da supressão de situações jurídicas específicas pelo decurso do tempo, obstando o exercício de direitos, sob pena de caracterização de abuso. Já o instituto do venire contra factum proprium é a proibição de comportamento contraditório. 3.1 - No caso em tela, não existe comportamento contraditório do recorrido. O não exercício do seu direito de exigir a prestação de contas por um longo período de tempo não demonstra quebra da boa fé objetiva nem de qualquer outro instituto dela derivado, ante a ausência de reais motivos para o exercício de seu direito de exigir a fiscalização mais pormenorizada das contas e contratos indicados. 3.2 - Realizada interpretação sistemática Código de Processo Civil acerca da matéria e observado o dever de transparência nas relações de consumo (art. 4º, IV, do Código de Defesa do Consumidor), considera-se legítima a exigência de prestação de contas pelo usuário de cartão de crédito que queira o demonstrativo discriminado dos encargos indicados na fatura. 3.3 - O titular do cartão de crédito, por meio de contrato de mandato, transfere poderes a outrem (o mandatário) para que este, em seu nome, pratique atos ou administre interesses. O mandatário age sempre em nome do mandante, havendo um negócio jurídico de representação. (TARTUCE, 2011), o que, em outras palavras significa que o titular do cartão de crédito transfere para a instituição financeira poderes para que esta financie junto à administradora do respectivo cartão eventual débito mensal concernente às dívidas contraídas por meio de cartão de crédito. 3.4 - O custo do financiamento mencionado é lançado na conta do mandante, restando óbvio que este tem o direito de ter ciência do modo como a mandatária está cumprindo a sua obrigação, de maneira a preservar o seu interesse e a celebrar contratos que lhe forem mais favoráveis em razão da relação de representação. 4 - RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR ACOLHIDA APENAS NO TOCANTE AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO REJEITADA. NO MÉRITO, NEGADO PROVIMENTO AO APELO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Ementa
CIVIL. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ENTREGA DE RECURSOS PELO BANCO AO TOMADOR DO EMPRÉSTIMO. DEVOLUÇÃO DE VALORES NOS TERMOS E CONDIÇÕES CONTRATADOS. CIÊNCIA DOS ENCARGOS DECORRENTES DA AVENÇA. PRELIMINAR ACOLHIDA. PRIMEIRA FASE DA AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. VERIFICAÇÃO DA (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO. DIREITO PESSOAL. ENTENDIMENTO DO C. STJ. PRAZO PRESCRICIONAL GERAL. ART. 205 DO CC. BOA FÉ. TEORIAS DA SUPRESSIO E DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO E DE MOTIVOS PARA A EXIGÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. MANDATO. TRANSFERÊNCIA DE PODERES. FINANCIAMENTO DE EVENTUAL DÉBITO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA JUNTO À ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. LANÇAMENTO DO CUSTO DO FINANCIAMENTO NA CONTA DO MANDANTE. DIREITO À CIÊNCIA DO MODO PELO QUAL A MANDATÁRIA ESTÁ CUMPRINDO A OBRIGAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA NO TOCANTE AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - A preliminar de falta de interesse de agir resta configurada quando presente o trinômio necessidade-utilidade-adequação, ou seja, a necessidade de o autor acionar o Judiciário, a utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar e a adequação do meio jurídico utilizado. 1.1 - Presentes os elementos necessários, não há o que se falar em falta de interesse de agir ante a existência de pedido genérico ou da incompatibilidade de ritos. 1.2 - Há interesse de agir do titular de cartão de crédito no tocante à propositura de ação de prestação de contas em face da administradora de cartão de crédito a fim de obtenção da apresentação das contas dos encargos que lhe são cobrados, independentemente do recebimento das faturas mensais, conforme jurisprudência sedimentada pelo c. Superior Tribunal de Justiça. 1.3 - Nos contratos de financiamento ou empréstimo não há entrega de recursos do correntista ao banco a fim de que este os administre e realize pagamentos em nome do primeiro. Ao contrário, o banco entrega os recursos ao tomador do empréstimo, que deverá devolvê-los nos termos e condições avençados em contrato, tendo este plena ciência dos encargos contratados e, caso não possua o(s) documento(s) necessários para tal aferição, a via adequada para sua pretensão é a ação de exibição de documentos. Assim, não existe interesse de agir quanto à prestação de contas referente a contratos de empréstimo. 1.4 - Preliminar acolhida apenas no tocante ao pedido de prestação de contas referente aos contratos de empréstimo entabulados. 2 - A ação de prestação de contas é peculiar porquanto composta por duas fases: a primeira, em que há a determinação da prestação de contas, e a segunda, em que as contas são analisadas e declaradas boas ou não, sendo-lhe inerente a natureza condenatória diante da existência de saldo em favor de uma das partes. 2.1 - Acerca da primeira fase, seu objeto cinge-se à verificação da (in)existência do direito da parte quanto à exigência ou prestação das contas, tendo o c. Superior Tribunal de Justiça manifestado-se no sentido de que a ação mencionada constitui direito pessoal à qual se aplica a regra geral de prescrição prevista no Código Civil, em seu art. 205, ou seja, dez anos, ante a inexistência de previsão específica. 2.2 - Na segunda fase, após análise das contas apresentadas e definição de valor(es) em sentença, pode restar reconhecido eventual saldo em favor de uma das partes, que poderá cobrá-lo por meio de execução, nos termos do art. 918 do Código de Processo Civil, execução esta fundamentada na natureza condenatória que lhe é inerente. Assim, a pretensão relativa à cobrança de valores inadimplidos ou devolução de valores pagos indevidamente sujeitar-se-á ao prazo prescricional relativo a cada espécie de ação a que se relacionarão os pedidos do credor, a ser aferida no momento processual oportuno. 2.3 - Nos termos do art. 193 do Código Civil, a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição. 2.4 -In casu, o feito encontra-se na primeira fase, devendo ser aplicado o prazo decenal disposto no art. 205 do Código Civil, não havendo o que se falar em ocorrência de prescrição. Prejudicial de mérito rejeitada. 3 - A boa fé objetiva veda a adoção de comportamentos contraditórios pelas partes de uma relação jurídica e o instituto da supressio designa o fenômeno jurídico da supressão de situações jurídicas específicas pelo decurso do tempo, obstando o exercício de direitos, sob pena de caracterização de abuso. Já o instituto do venire contra factum proprium é a proibição de comportamento contraditório. 3.1 - No caso em tela, não existe comportamento contraditório do recorrido. O não exercício do seu direito de exigir a prestação de contas por um longo período de tempo não demonstra quebra da boa fé objetiva nem de qualquer outro instituto dela derivado, ante a ausência de reais motivos para o exercício de seu direito de exigir a fiscalização mais pormenorizada das contas e contratos indicados. 3.2 - Realizada interpretação sistemática Código de Processo Civil acerca da matéria e observado o dever de transparência nas relações de consumo (art. 4º, IV, do Código de Defesa do Consumidor), considera-se legítima a exigência de prestação de contas pelo usuário de cartão de crédito que queira o demonstrativo discriminado dos encargos indicados na fatura. 3.3 - O titular do cartão de crédito, por meio de contrato de mandato, transfere poderes a outrem (o mandatário) para que este, em seu nome, pratique atos ou administre interesses. O mandatário age sempre em nome do mandante, havendo um negócio jurídico de representação. (TARTUCE, 2011), o que, em outras palavras significa que o titular do cartão de crédito transfere para a instituição financeira poderes para que esta financie junto à administradora do respectivo cartão eventual débito mensal concernente às dívidas contraídas por meio de cartão de crédito. 3.4 - O custo do financiamento mencionado é lançado na conta do mandante, restando óbvio que este tem o direito de ter ciência do modo como a mandatária está cumprindo a sua obrigação, de maneira a preservar o seu interesse e a celebrar contratos que lhe forem mais favoráveis em razão da relação de representação. 4 - RECURSO CONHECIDO. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR ACOLHIDA APENAS NO TOCANTE AOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO REJEITADA. NO MÉRITO, NEGADO PROVIMENTO AO APELO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Data do Julgamento
:
08/04/2015
Data da Publicação
:
20/04/2015
Órgão Julgador
:
3ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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