TJDF APC - 869615-20110111610380APC
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA, DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO. DECADÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 26 DO CDC. PREJUDICIAL AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO AGENTE FINANCEIRO E DA EMPRESA REVENDEDORA. IRREGULARIDADE NA DOCUMENTAÇÃO DO VEÍCULO. RESCISÃO DE AMBOS OS CONTRATOS. POSSIBILIDADE. RETORNO DA PARTE AO ESTADO ANTERIOR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. FUNÇÃO PREVENTIVO-PEDAGÓGICA-REPARADORA-PUNITIVA. RECURSOS DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1.Existindo nos autos elementos suficientes à formação do convencimento do julgador (CPC, arts. 125, II, 130 e 131), não há falar em cerceamento de defesa. A insurgência da parte ré quanto à valoração probatória realizada nos autos não configura a preliminar em questão, mas encontra reflexo com o resultado final de (im)procedência dos pedidos iniciais (CPC, art. 333, II), que diz respeito ao próprio mérito da demanda. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 2.Por existir interdependência entre o contrato de compra e venda de veículo e a cédula de crédito bancário firmada com o agente financeiro, eventual desfazimento daquele acarreta a insubsistência do financiamento vinculado ao respectivo negócio jurídico (princípio da gravitação jurídica - CC, art. 184). Nesse passo, estando a sentença em simetria com os pedidos formulados na petição inicial (CPC, arts. 2º, 128, 293 e 460), rejeita-se a preliminar de nulidade da decisão, por mácula ao postulado da congruência. 3.Tendo em vista a posição vulnerável vivenciada pelos consumidores na relação de consumo (CDC, art. 4º, I), a necessidade de coibição de abusos (CDC, arts. 4º, VI; 6º, IV) e a efetiva prevenção e reparação dos danos por eles sofridos (CDC, art. 6º, VI a VIII), todos os envolvidos na cadeia de eventos que culminou com prejuízo àqueles são solidariamente e objetivamente responsáveis, conforme arts. 7º, parágrafo único, 14, 18 e 25, § 1º, do CDC e teoria da aparência. Não bastasse isso, verifica-se que a 1ª ré participou de modo decisivo da relação jurídica envolvendo o veículo, ao permitir a utilização do seu estabelecimento para a celebração do contrato de compra e venda e ao intervir no financiamento, induzindo no consumidor a idéia de que o pacto estava sendo celebrado com ela (teoria da aparência). Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. 4.O pedido de rescisão da avença não está fundamentado em vício redibitório, mas sim no inadimplemento contratual quanto à irregularidade documental do veículo, não havendo falar em decadência do direito do consumidor, ante a inaplicabilidade do disposto no art. 26 do CDC. Prejudicial afastada. 5.A relação obrigacional é pautada pela vontade e integrada pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de conduta a ambos os contratantes (CC, art. 422). A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira. 6.In casu, verifica-se que o consumidor, ao realizar a compra do veículo dentro do estabelecimento de empresa revendedora, a qual intermediou o financiamento perante o agente financeiro, não foi informado adequadamente a respeito da origem do bem. Aliás, sequer houve a emissão de recibo ou nota fiscal, tampouco a assinatura de contrato de compra e venda, existindo nos autos apenas o teor da cédula de crédito bancário. É de se notar, também, que a documentação posteriormente recebida estava em nome do antigo proprietário. Daí porque, após a apreensão do veículo pelo DETRAN, em decorrência de infração de trânsito, não foi possível ao consumidor retirá-lo do depósito, tendo sido informado, na oportunidade, que o bem já havia sido removido por seu antigo proprietário. 7.Constatada irregularidade na documentação do veículo objeto do pacto, capaz de obstar a sua fruição, sem que tal informação houvesse sido disponibilizada ao consumidor, tem-se por legítimo o pedido de rescisão contratual, com o consequente retorno das partes ao estado anterior (CC, arts. 182, 389 e 475), inclusive com a restituição de todos os valores pagos. Ao fim e ao cabo, o consumidor imaginava estar negociando veículo livre de quaisquer ônus, cuja frustração da legítima expectativa enseja a rescisão da avença. 8.A pretensão da instituição financeira de restituição do valor do automóvel deve ser dirimida em ação autônoma. 9.O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação dessa natureza. O mero dissabor/aborrecimento/irritação, por fazer parte do dia a dia da população, não é capaz de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, para fins de configuração do dano moral, notadamente nos casos de inadimplemento contratual. 9.1.O caso dos autos, entretanto, foge da esfera de mero descumprimento contratual, haja vista que, em decorrência da pendência documental do automóvel, o consumidor foi impedido de usufruir plenamente do bem, além de ter seu nome aviltado com restrição creditícia. 10. O valor dos danos morais deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não se pode olvidar, ainda, da incidência da função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva, para que se previnam novas ocorrências, ensinem-se aos sujeitos os cuidados devidos, sob pena de se sujeitarem às penalidades legais, reparação dos danos ao consumidor e punição pelos danos causados. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse prisma, é de se manter o valor fixado na sentença, de R$ 10.000,00. 11. Preliminares de cerceamento de defesa, de violação ao princípio da congruência e de ilegitimidade passiva rejeitadas. Prejudicial de decadência afastada. Recursos de apelação conhecidos e desprovidos. Sentença mantida.
Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA, DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO. DECADÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 26 DO CDC. PREJUDICIAL AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO AGENTE FINANCEIRO E DA EMPRESA REVENDEDORA. IRREGULARIDADE NA DOCUMENTAÇÃO DO VEÍCULO. RESCISÃO DE AMBOS OS CONTRATOS. POSSIBILIDADE. RETORNO DA PARTE AO ESTADO ANTERIOR. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. FUNÇÃO PREVENTIVO-PEDAGÓGICA-REPARADORA-PUNITIVA. RECURSOS DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1.Existindo nos autos elementos suficientes à formação do convencimento do julgador (CPC, arts. 125, II, 130 e 131), não há falar em cerceamento de defesa. A insurgência da parte ré quanto à valoração probatória realizada nos autos não configura a preliminar em questão, mas encontra reflexo com o resultado final de (im)procedência dos pedidos iniciais (CPC, art. 333, II), que diz respeito ao próprio mérito da demanda. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 2.Por existir interdependência entre o contrato de compra e venda de veículo e a cédula de crédito bancário firmada com o agente financeiro, eventual desfazimento daquele acarreta a insubsistência do financiamento vinculado ao respectivo negócio jurídico (princípio da gravitação jurídica - CC, art. 184). Nesse passo, estando a sentença em simetria com os pedidos formulados na petição inicial (CPC, arts. 2º, 128, 293 e 460), rejeita-se a preliminar de nulidade da decisão, por mácula ao postulado da congruência. 3.Tendo em vista a posição vulnerável vivenciada pelos consumidores na relação de consumo (CDC, art. 4º, I), a necessidade de coibição de abusos (CDC, arts. 4º, VI; 6º, IV) e a efetiva prevenção e reparação dos danos por eles sofridos (CDC, art. 6º, VI a VIII), todos os envolvidos na cadeia de eventos que culminou com prejuízo àqueles são solidariamente e objetivamente responsáveis, conforme arts. 7º, parágrafo único, 14, 18 e 25, § 1º, do CDC e teoria da aparência. Não bastasse isso, verifica-se que a 1ª ré participou de modo decisivo da relação jurídica envolvendo o veículo, ao permitir a utilização do seu estabelecimento para a celebração do contrato de compra e venda e ao intervir no financiamento, induzindo no consumidor a idéia de que o pacto estava sendo celebrado com ela (teoria da aparência). Preliminar de ilegitimidade passiva rejeitada. 4.O pedido de rescisão da avença não está fundamentado em vício redibitório, mas sim no inadimplemento contratual quanto à irregularidade documental do veículo, não havendo falar em decadência do direito do consumidor, ante a inaplicabilidade do disposto no art. 26 do CDC. Prejudicial afastada. 5.A relação obrigacional é pautada pela vontade e integrada pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de conduta a ambos os contratantes (CC, art. 422). A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira. 6.In casu, verifica-se que o consumidor, ao realizar a compra do veículo dentro do estabelecimento de empresa revendedora, a qual intermediou o financiamento perante o agente financeiro, não foi informado adequadamente a respeito da origem do bem. Aliás, sequer houve a emissão de recibo ou nota fiscal, tampouco a assinatura de contrato de compra e venda, existindo nos autos apenas o teor da cédula de crédito bancário. É de se notar, também, que a documentação posteriormente recebida estava em nome do antigo proprietário. Daí porque, após a apreensão do veículo pelo DETRAN, em decorrência de infração de trânsito, não foi possível ao consumidor retirá-lo do depósito, tendo sido informado, na oportunidade, que o bem já havia sido removido por seu antigo proprietário. 7.Constatada irregularidade na documentação do veículo objeto do pacto, capaz de obstar a sua fruição, sem que tal informação houvesse sido disponibilizada ao consumidor, tem-se por legítimo o pedido de rescisão contratual, com o consequente retorno das partes ao estado anterior (CC, arts. 182, 389 e 475), inclusive com a restituição de todos os valores pagos. Ao fim e ao cabo, o consumidor imaginava estar negociando veículo livre de quaisquer ônus, cuja frustração da legítima expectativa enseja a rescisão da avença. 8.A pretensão da instituição financeira de restituição do valor do automóvel deve ser dirimida em ação autônoma. 9.O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação dessa natureza. O mero dissabor/aborrecimento/irritação, por fazer parte do dia a dia da população, não é capaz de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo, para fins de configuração do dano moral, notadamente nos casos de inadimplemento contratual. 9.1.O caso dos autos, entretanto, foge da esfera de mero descumprimento contratual, haja vista que, em decorrência da pendência documental do automóvel, o consumidor foi impedido de usufruir plenamente do bem, além de ter seu nome aviltado com restrição creditícia. 10. O valor dos danos morais deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não se pode olvidar, ainda, da incidência da função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva, para que se previnam novas ocorrências, ensinem-se aos sujeitos os cuidados devidos, sob pena de se sujeitarem às penalidades legais, reparação dos danos ao consumidor e punição pelos danos causados. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse prisma, é de se manter o valor fixado na sentença, de R$ 10.000,00. 11. Preliminares de cerceamento de defesa, de violação ao princípio da congruência e de ilegitimidade passiva rejeitadas. Prejudicial de decadência afastada. Recursos de apelação conhecidos e desprovidos. Sentença mantida.
Data do Julgamento
:
27/05/2015
Data da Publicação
:
02/06/2015
Órgão Julgador
:
3ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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