TJDF APC - 891277-20110111229482APC
APELAÇÃO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PREVISÃO DE COBERTURA CONTRATUAL PARA DOENÇAS PREEXISTENTES E CONGÊNITAS. PORFIRIA INTERMITENTE AGUDA. TRATAMENTO COM MEDICAMENTO IMPORTADO (NORMOSANG). PRESCRIÇÕES DO MÉDICO ASSISTENTE E DO MÉDICO PERITO DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. ALEGAÇÃO DE EXCLUSÃO DE COBERTURA COM FUNDAMENTO NO ART. 10, V, DA LEI 9.656/1998 E DE QUE NUNCA HOUVERA RECUSA DE COBERURA, MAS SEM EFETIVAS MEDIDAS PARA O ATENDIMENTO DA NECESSIDADE DA SEGURADA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DA IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO. DESCABIMENTO. PROCEDIMENTO DE IMPORTAÇÃO EXCEPCIONAL REGULADO PELA ANVISA. POSTERGAÇÃO INDEVIDA E ABUSIVA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR ADEQUADAMENTE FIXADO. MULTA COMINATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA. APELAÇÕES CONHECIDAS E NÃO PROVIDAS. SETENÇA MANTIDA. 1. Segurada diagnosticada com Porfiria Aguda Intermitente, doença congênita grave e devastadora, para cujo tratamento foi prescrito, tanto pelo médico assistente, como pelo médico perito da seguradora, medicamento importado denominado Normasang, sem similar no mercado nacional; 2. Previsão no contrato que enlaça as partes de expressa cobertura de atendimento a qualquer tipo de doença, inclusive as pré-existentes, as congênitas,... e a Porfiria Aguda Intermitente, que acometia a Autora, classifica-se como doença hereditária; 3. A argumentação da Ré/Apelante de que nunca recusara o atendimento pretendido pela Autora/Apelada, em que pese não estivesse obrigada pela Lei (art. 10, V, da Lei 9.656/1998), a par de ser entendimento duvidoso em vista de outro dispositivo do mesmo Diploma Legal, considerada a emergência e o risco de vida ou de dano irreparável à segurada (art. 35-C, I), tendo se disposto a atender a Autora por mera liberalidade e compadecendo-se do seu estado de saúde, embora atitude louvável, não parece ter se transformado em ato concreto de atendimento da urgente necessidade da jovem que esmaecia em função dos efeitos nefastos da doença; 4. Não negar expressamente a cobertura e, ao mesmo tempo, não adotar as providências urgentes e necessárias para o atendimento do pleito do segurado é conduta ainda mais prejudicial do que a expressa recusa, visto que o paciente, na esperança de ter atendido o seu pleito, face às promessas vãs da operadora, acaba por postergar a tomada de medidas outras tendentes a obter a assistência securitária devida, como, por exemplo, a própria propositura de demanda judicial, o que acabou por revelar-se necessário no caso dos autos; 5. De notar-se que, mesmo para os medicamentos não nacionalizados, há norma no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA que trata da importação de medidamentos que estão contemplados em uma lista periodicamente revisada por aquele órgão. Assim é que, ainda que não se trate de medicamento que esteja na referida lista, cuja importação é autorizada mediante procedimentos próprios e regulados, é possível a importação excepcional de outros medicamentos, conforme se extrai de documento constante dos autos (Nota Técnica nº 86/2010/GESEF/GGMED/ANVISA), emitido a partir de solicitação de informações acerca dos procedimentos de inclusão dos medicamentos Normosang e Panhematim na lista de medicamentos sem registro e liberados em caráter excepcional para importação; 6. Em que pese a própria seguradora não pudesse importar o produto, poderia ter feito exatamente o mesmo procedimento que possibilitou a importação do medicamento após a concessão da medida liminar e a decisão deste Tribunal no Agravo de Instrumento interposto pelo Hospital Santa Helena nos autos do processo nº 41.850-2/2011, ou após a concessão da medida liminar nos autos do processo nº 122.948-2/2011, ou seja, autorizar o companheiro da Autora, que já havia feito esse requerimento, a formular o pedido a uma importadora, responsabilizando-se pelo custo respectivo; 7. A exclusão contratual da cobertura, o que não é o caso dos autos, de qualquer sorte, encontraria óbice nas normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, em especial pela incidência do disposto no art. 51, IV, que revela a abusividade da cláusula que assim dispusesse, bem como quanto ao disposto no § 1º, II do mesmo artigo, já que se configuraria como regramento contratual apto a restringir obrigação inerente à própria natureza do contrato, de modo a ameaçar a consecução do seu próprio objeto, isto é, frustrando sua finalidade, mormente, como no caso dos autos, quando contraria a indicação do profissional médico que acompanhava a paciente e do perito da seguradora; 8. Inarredável a conclusão do douto magistrado sentenciante ao aduzir que a incerteza da submissão a tratamento indispensável para a manutenção da vida acrescida da necessidade de ingresso no Judiciário para conseguir autorização para realizar os procedimentos, a demora, a expectativa e a insegurança são situações que exasperam a fragilidade física e emocional do paciente, aptas a abalarem a dignidade da pessoa humana, estando, pois, plenamente caracterizado o dano moral sofrido pela Autora; 9. Considerados os parâmetros que têm sido acolhidos pela jurisprudência, dos quais destaco a teoria do valor do desestímulo ou o caráter punitivo-pedagógico da reparação por danos morais, e sendo certo, ainda, que o valor arbitrado não deve ser tão alto, a ponto de gerar enriquecimento sem causa, e nem tão baixo, de modo a tornar ínfima a reparação, bem assim, considerando a circunstância de que os danos morais foram deflagrados em relação a dois momentos distintos, cada qual deles objeto de demanda própria, tenho que o quantum reparatório foi adequadamente arbitrado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valor que deve, portanto, ser mantido; 10. Análise das intercorrências processuais e factuais que indicam a não incidência das multas cominatórias previstas nas decisões liminares proferidas nos processos; 11. Apelações conhecidas e não providas, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
Ementa
APELAÇÃO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PREVISÃO DE COBERTURA CONTRATUAL PARA DOENÇAS PREEXISTENTES E CONGÊNITAS. PORFIRIA INTERMITENTE AGUDA. TRATAMENTO COM MEDICAMENTO IMPORTADO (NORMOSANG). PRESCRIÇÕES DO MÉDICO ASSISTENTE E DO MÉDICO PERITO DA OPERADORA DO PLANO DE SAÚDE. ALEGAÇÃO DE EXCLUSÃO DE COBERTURA COM FUNDAMENTO NO ART. 10, V, DA LEI 9.656/1998 E DE QUE NUNCA HOUVERA RECUSA DE COBERURA, MAS SEM EFETIVAS MEDIDAS PARA O ATENDIMENTO DA NECESSIDADE DA SEGURADA. ALEGAÇÃO DE ILEGALIDADE DA IMPORTAÇÃO DO MEDICAMENTO. DESCABIMENTO. PROCEDIMENTO DE IMPORTAÇÃO EXCEPCIONAL REGULADO PELA ANVISA. POSTERGAÇÃO INDEVIDA E ABUSIVA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR ADEQUADAMENTE FIXADO. MULTA COMINATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA. APELAÇÕES CONHECIDAS E NÃO PROVIDAS. SETENÇA MANTIDA. 1. Segurada diagnosticada com Porfiria Aguda Intermitente, doença congênita grave e devastadora, para cujo tratamento foi prescrito, tanto pelo médico assistente, como pelo médico perito da seguradora, medicamento importado denominado Normasang, sem similar no mercado nacional; 2. Previsão no contrato que enlaça as partes de expressa cobertura de atendimento a qualquer tipo de doença, inclusive as pré-existentes, as congênitas,... e a Porfiria Aguda Intermitente, que acometia a Autora, classifica-se como doença hereditária; 3. A argumentação da Ré/Apelante de que nunca recusara o atendimento pretendido pela Autora/Apelada, em que pese não estivesse obrigada pela Lei (art. 10, V, da Lei 9.656/1998), a par de ser entendimento duvidoso em vista de outro dispositivo do mesmo Diploma Legal, considerada a emergência e o risco de vida ou de dano irreparável à segurada (art. 35-C, I), tendo se disposto a atender a Autora por mera liberalidade e compadecendo-se do seu estado de saúde, embora atitude louvável, não parece ter se transformado em ato concreto de atendimento da urgente necessidade da jovem que esmaecia em função dos efeitos nefastos da doença; 4. Não negar expressamente a cobertura e, ao mesmo tempo, não adotar as providências urgentes e necessárias para o atendimento do pleito do segurado é conduta ainda mais prejudicial do que a expressa recusa, visto que o paciente, na esperança de ter atendido o seu pleito, face às promessas vãs da operadora, acaba por postergar a tomada de medidas outras tendentes a obter a assistência securitária devida, como, por exemplo, a própria propositura de demanda judicial, o que acabou por revelar-se necessário no caso dos autos; 5. De notar-se que, mesmo para os medicamentos não nacionalizados, há norma no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA que trata da importação de medidamentos que estão contemplados em uma lista periodicamente revisada por aquele órgão. Assim é que, ainda que não se trate de medicamento que esteja na referida lista, cuja importação é autorizada mediante procedimentos próprios e regulados, é possível a importação excepcional de outros medicamentos, conforme se extrai de documento constante dos autos (Nota Técnica nº 86/2010/GESEF/GGMED/ANVISA), emitido a partir de solicitação de informações acerca dos procedimentos de inclusão dos medicamentos Normosang e Panhematim na lista de medicamentos sem registro e liberados em caráter excepcional para importação; 6. Em que pese a própria seguradora não pudesse importar o produto, poderia ter feito exatamente o mesmo procedimento que possibilitou a importação do medicamento após a concessão da medida liminar e a decisão deste Tribunal no Agravo de Instrumento interposto pelo Hospital Santa Helena nos autos do processo nº 41.850-2/2011, ou após a concessão da medida liminar nos autos do processo nº 122.948-2/2011, ou seja, autorizar o companheiro da Autora, que já havia feito esse requerimento, a formular o pedido a uma importadora, responsabilizando-se pelo custo respectivo; 7. A exclusão contratual da cobertura, o que não é o caso dos autos, de qualquer sorte, encontraria óbice nas normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, em especial pela incidência do disposto no art. 51, IV, que revela a abusividade da cláusula que assim dispusesse, bem como quanto ao disposto no § 1º, II do mesmo artigo, já que se configuraria como regramento contratual apto a restringir obrigação inerente à própria natureza do contrato, de modo a ameaçar a consecução do seu próprio objeto, isto é, frustrando sua finalidade, mormente, como no caso dos autos, quando contraria a indicação do profissional médico que acompanhava a paciente e do perito da seguradora; 8. Inarredável a conclusão do douto magistrado sentenciante ao aduzir que a incerteza da submissão a tratamento indispensável para a manutenção da vida acrescida da necessidade de ingresso no Judiciário para conseguir autorização para realizar os procedimentos, a demora, a expectativa e a insegurança são situações que exasperam a fragilidade física e emocional do paciente, aptas a abalarem a dignidade da pessoa humana, estando, pois, plenamente caracterizado o dano moral sofrido pela Autora; 9. Considerados os parâmetros que têm sido acolhidos pela jurisprudência, dos quais destaco a teoria do valor do desestímulo ou o caráter punitivo-pedagógico da reparação por danos morais, e sendo certo, ainda, que o valor arbitrado não deve ser tão alto, a ponto de gerar enriquecimento sem causa, e nem tão baixo, de modo a tornar ínfima a reparação, bem assim, considerando a circunstância de que os danos morais foram deflagrados em relação a dois momentos distintos, cada qual deles objeto de demanda própria, tenho que o quantum reparatório foi adequadamente arbitrado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), valor que deve, portanto, ser mantido; 10. Análise das intercorrências processuais e factuais que indicam a não incidência das multas cominatórias previstas nas decisões liminares proferidas nos processos; 11. Apelações conhecidas e não providas, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
Data do Julgamento
:
26/08/2015
Data da Publicação
:
08/09/2015
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ROMULO DE ARAUJO MENDES
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