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Jurisprudência


TJDF APC - 908142-20110410096868APC

Ementa
CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO E DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. OBJETO. VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO. RELAÇÃO DE CONSUMO. APERFEIÇOAMENTO. OMISSÃO DE CARACTERÍSTICA ESSENCIAL DO PRODUTO. DIVERGÊNCIA QUANTO À POTÊNCIA DO MOTOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. DEVER DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA. VIOLAÇÃO. ENTREGA AO CONSUMIDOR DE VEÍCULO COM POTÊNCIA INFERIOR. INADIMPLEMENTO CULPOSO DA CONCESSIONÁRIA. CARACTERIZAÇÃO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. ARRAS E PARCELAS DO PREÇO. DEVOLUÇÃO DEVIDA. ABATIMENTO NO VALOR A SER DEVOLVIDO. IMPOSIÇÃO. USO E FRUIÇÃO DO VEÍCULO ENTREGUE. MEDIDA JUSTA E RAZOÁVEL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. CARÁTER ACESSÓRIO. RESCISÃO. CONSEQUÊNCIA. DANO MORAL. FATO GERADOR. INEXISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E CONCESSIONÁRIA VENDEDORA. LEGITIMIDADE AD CAUSAM DA VENDEDORA E DO MUTUANTE FOMENTADOR DO EMPRÉSTIMO QUE VIABILIZARA A QUITAÇÃO DO PREÇO. RECURSO. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. OBSERVÂNCIA. FATOS E FUNDAMENTOS APTOS A APARELHAREM O INCONFORMISMO E ENSEJAREM A REFORMA DA SENTENÇA. CONHECIMENTO DO APELO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. A peça recursal guarda nítida similitude com a petição inicial, com a única ressalva de que, enquanto esta está destinada a alinhar os fatos e fundamentos aptos aaparelharem o pedido e moldá-lo de conformidade com o aduzido, aquela está volvida a infirmar o que restara originariamente decidido e a reclamar sua reforma na exata medida do veiculado e da intenção manifestada pela parte inconformada, estando debitado à parte recorrente o ônus de alinhar os argumentos aptos a desqualificar a decisão recorrida, sendo apto o recurso que observa estes requisitos, merecendo ser conhecido (CPC, art. 514, II e III). 2. Concertada compra e venda de veículo cujo preço fora parcialmente solvido através de mútuo bancário garantido por alienação fiduciária, alienante e mutuante estão revestidos de legitimidade para ocuparem a angularidade passiva da ação que tem como objeto o distrato do negócio originário - compra e venda -, e, como consectário, do empréstimo, com lastro na existência de falha no fornecimento ante a violação dos deveres de informação e transparência, notadamente porque não pode o negócio jurídico do qual participara e para cuja consecução concorrera ser debatido e resolvido sem a indispensável participação do mutuante na exata expressão do devido processo legal. 3. A instituição bancária, como agente financiador do mútuo que viabiliza a compra e venda de automotor, está inexoravelmente revestida de vinculação subjetiva com a pretensão deduzida pelo adquirente almejando a rescisão do negócio, a repetição do preço vertido e a composição dos danos que experimentara sob a alegação de vício do negócio advindo da divergência na potência do motor do automotor negociado, ficando patente sua legitimidade para ocupar a angularidade passiva da lide (CDC, art. 18). 4. Qualifica-se como relação de consumo, sujeitando-se ao regrado pelo Código de Defesa do Consumidor, a relação negocial traduzida em contrato de compra e venda de veículo novo entabulado entre o destinatário final do produto e a revendedora e o contrato de financiamento adjeto à compra e venda, que ostenta natureza acessória em relação à compra e venda, à medida que envolve o negócio fornecedora de produto durável - veículo novo - , a instituição financeira mutuante e o destinatário final do bem e do serviço, ou seja, consumidor final dos produtos, enquadrando-se os contratos nas definições insertas nos artigos 2º e 3º do aludido estatuto legal. 5. À luz dos princípios norteadores da relação de consumo, é resguardado ao consumidor o direito primordial e inafastável de obter informação adequada, clara e precisa sobre os produtos ou serviços que lhe são disponibilizados, cabendo ao fornecedor o dever de atuar com transparência, lealdade e boa-fé na formação dos contratos de consumo, sob pena de responder pelos danos causados ao consumidor e pelo eventual desfazimento do negócio em face da gravidade das omissões havidas na que resultaram na sua formatação. 6. A concessionária de veículos novos que omite no instrumento via do qual fora consumada a compra e venda de automóvel novo característica essencial e fundamental do produto - potência do motor -, ensejando a aquisição pelo destinatário automotor com potência consideravelmente inferior à informada no momento da consumação da compra e venda, incorre em falha grave, acarretando nódoa ao negócio jurídico ante o vício substancial que o maculara, ensejando seu desfazimento se essa a opção do adquirente por ter adquirido produto desconforme com as características que lhe haviam sido asseguradas e repassadas. 7. Consubstancia inadimplemento culposo a entrega de veículo dissonante das características informadas que resultaram no aperfeiçoamento do negócio de compra e venda, determinando o vício o distrato da compra e venda por culpa exclusiva da concessionária ante a manifestação exteriorizada pelo adquirente, traduzindo a rescisão do negócio, sob essa moldura, simples consectário do inadimplemento da fornecedora, conduzindo à repetição de todas as parcelas vertidas pelo adquirente em razão do negócio, inclusive o sinal vertido e as parcelas de financiamento solvidas, como forma de serem repostos os contratantes ao estado em que se encontravam antes da realização do vínculo frustrado (CC, art. 418). 8. O negócio que envolve a compra e venda de automóvel com financiamento do preço convencionado por instituição financeira estranha àquela transação é complexo, à medida que, envolvendo originariamente somente vendedor e comprador, somente se aperfeiçoa com a disponibilização do mútuo que viabilizará a quitação do preço originariamente convencionado por parte do agente financeiro, conquanto não tenha participado ativamente da escolha do bem e acertamento do preço. 9. A complexidade do negócio enseja que o não aperfeiçoamento ou distrato de um dos ajustes redunde na não efetivação ou infirmação de toda a relação jurídica, donde, distratada a compra e venda por culpa da vendedora por não ter entregue o automóvel negociado conforme convencionado, o financiamento subjacente que viabilizara a quitação do preço também deve ser rescindido por não se afigurar juridicamente viável que o adquirente continue enlaçado a obrigações originárias de empréstimo destinado à aquisição de veículo cuja aquisição restara frustrada, determinando seu desfazimento, assistindo-lhe, ainda, o direito de, se o caso, ser contemplado com a repetição do que despendera em razão do mútuo. 10. A obrigação de repetição do vertido pelo consumidor-adquirente alcança, de forma solidária, a vendedora e a instituição financeira que fomentara o empréstimo destinado à quitação do preço, tendo em conta que ambas concorreram para o desfalque patrimonial que experimentara, à medida que a vendedora, obviamente, em razão de ter alienado o veículo e sido agraciada com o equivalente ao preço, e a financeira em razão de, conquanto não tenha participado diretamente da compra e venda, ter sido a destinatária das parcelas vertidas, emoldurando-se a situação ao preceituado pelo artigo 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 11. O efeito imediato da rescisão da compra e venda motivada pela inadimplência da fornecedora é a restituição dos contratantes ao estado em que se encontravam antes da entabulação do negócio, resultando que a repetição do que lhe fora destinado é corolário lógico e primário do desfazimento do contrato por sua culpa, não se mostrando, contudo, plausível que o adquirente seja contemplado com a devolução integral do que vertera mediante a simples entrega do veículo à concessionária, notadamente em se considerando que dele se utilizara normalmente por longo período, devendo a importância sofrer um decréscimo destinado à compensação do uso e fruição que tivera, obstando-se, assim, que haja enriquecimento ilícito de uma das partes. 12. O temperamento conferido aos fatos passíveis de serem tidos como geradores do dano moral, pacificando o entendimento segundo o qual os aborrecimentos, percalços, frustrações e vicissitudes que estão impregnados nas contingências próprias da vida em sociedade não geram o dever de indenizar, ainda que tenham impregnado nos atingidos pelo ocorrido certa dose de frustração, amargura e preocupação, obsta o reconhecimento do dano moral e o deferimento de qualquer compensação decorrente dos dissabores e aborrecimentos derivados da rescisão do contrato compra e venda de veículo novo motivada pela inadimplência da concessionária se não ficara o consumidor desguarnecido do uso do produto que lhe fora fornecido à margem das condições ajusatadas, devendo as implicações do inadimplemento ser resolvidas em perdas e danos materiais por estarem compreendidas na álea natural e previsível da relação obrigacional. 13. Apelações conhecidas. Preliminar rejeitada. Apelação da primeira ré conhecida e parcialmente provida. Apelações do autor e do derradeiro réu conhecidas e desprovidas. Unânime.

Data do Julgamento : 25/11/2015
Data da Publicação : 02/12/2015
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : TEÓFILO CAETANO
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