TJDF APC - 910878-20140110510798APC
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PROTOCOLO DE DUAS CONTRARRAZÕES AO APELO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA ÚLTIMA MANIFESTAÇÃO. DESCONTO DE PRESTAÇÕES PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM CONTA CORRENTE. CLÁUSULA PERMISSIVA NO CONTRATO DE ADESÃO. AUTONOMIA DA VONTADE E LIVRE DISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS HAVIDOS EM CONTA BANCÁRIA. RETENÇÃO DA TOTALIDADE DO SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL À PROTEÇÃO DO SALÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MÍNIMO EXISTENCIAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EFETUADOS NA CONTA CORRENTE EM 30% DA REMUNERAÇÃO. CABIMENTO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A existência de duas contrarrazões ao recurso de apelação configura preclusão consumativa e, conseguintemente, obsta o conhecimento da petição por último apresentada. 2. O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (CF, art. 7º, X) contra eventuais abusos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa. 3. A fim de dar efetividade à norma constitucional relacionada à proteção do salário, e contemplando sua natureza alimentar, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade disposta no art. 649, IV, do CPC, a Lei n. 10.820/2003 e o Decreto n. 6.386/2008, que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como o Decreto Distrital n. 28.195/07, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores e militares. 4. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que é vedada a apropriação integral dos depósitos feitos a título de salários ou rendimentos em conta bancária de seus clientes, ou de quase sua totalidade, visando à cobrança de débito decorrente de contrato de mútuo entabulado, ainda que existente cláusula permissiva no contrato de adesão. 5. As instituições financeiras não podem se valer da autorização contida em contrato, relacionada à realização de débito em conta do tomador do empréstimo, com a finalidade de garantir o adimplemento contratual, para apropriar-se da totalidade dos rendimentos/salário do consumidor, em razão de ser medida indevida que viola o direito à proteção do salário e, por consectário, a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. 6. Em que pese o desconto procedido pela instituição financeira credora na conta corrente do devedor, por si só, não importar em ilegalidade, diante do princípio da autonomia da vontade e livre disponibilidade dos créditos havidos em conta bancária, e de não existir limite legal para a concessão de empréstimos cujo pagamento ocorra por meio de desconto em conta corrente, não se pode admitir a retenção de todo o saldo da conta corrente, referente a valores provenientes de salário, de forma que prejudique de modo significativo a subsistência do indivíduo e de sua família, devendo-se ressaltar que o STJ tem decidido reiteradamente que são abusivos os descontos compulsórios que constringem parcela considerável da remuneração do devedor, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. 7. Aplicando-se, por analogia, o limite indicado no Decreto n. 6.386/08, devem-se limitar os descontos de prestações derivadas de empréstimo bancário efetuados em conta corrente do devedor em 30% de seus rendimentos brutos quando verificado que o valor descontado consome toda a sua renda, ou grande parte dela, e compromete seu sustento e de sua família. 8. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se insere a instituição bancária, é objetiva, fundada no risco da atividade por eles desenvolvida, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa (CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187 e 927; Súmula n. 297/STJ).Em tais casos, para a reparação de danos, basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o prejuízo experimentado pelo consumidor. 9. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação dessa natureza. 10. Segundo decidiu o STJ, ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral (STJ, REsp 1012915/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009). 11. Ovalor dos danos morais, à míngua de parâmetro legislativo e dado o repúdio à tarifação desses prejuízos, deve ser fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, balizado pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta as particularidades do caso. O montante a ser fixado não pode ser fonte de obtenção de vantagem indevida (CC, art. 884), mas também não pode ser irrisório, para não fomentar comportamentos irresponsáveis. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse prisma, razoável o valor de R$ 2.000,00. 12. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada.
Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. PROTOCOLO DE DUAS CONTRARRAZÕES AO APELO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DESCONSIDERAÇÃO DA ÚLTIMA MANIFESTAÇÃO. DESCONTO DE PRESTAÇÕES PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM CONTA CORRENTE. CLÁUSULA PERMISSIVA NO CONTRATO DE ADESÃO. AUTONOMIA DA VONTADE E LIVRE DISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS HAVIDOS EM CONTA BANCÁRIA. RETENÇÃO DA TOTALIDADE DO SALÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL À PROTEÇÃO DO SALÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. MÍNIMO EXISTENCIAL. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EFETUADOS NA CONTA CORRENTE EM 30% DA REMUNERAÇÃO. CABIMENTO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1. A existência de duas contrarrazões ao recurso de apelação configura preclusão consumativa e, conseguintemente, obsta o conhecimento da petição por último apresentada. 2. O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (CF, art. 7º, X) contra eventuais abusos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa. 3. A fim de dar efetividade à norma constitucional relacionada à proteção do salário, e contemplando sua natureza alimentar, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade disposta no art. 649, IV, do CPC, a Lei n. 10.820/2003 e o Decreto n. 6.386/2008, que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como o Decreto Distrital n. 28.195/07, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores e militares. 4. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que é vedada a apropriação integral dos depósitos feitos a título de salários ou rendimentos em conta bancária de seus clientes, ou de quase sua totalidade, visando à cobrança de débito decorrente de contrato de mútuo entabulado, ainda que existente cláusula permissiva no contrato de adesão. 5. As instituições financeiras não podem se valer da autorização contida em contrato, relacionada à realização de débito em conta do tomador do empréstimo, com a finalidade de garantir o adimplemento contratual, para apropriar-se da totalidade dos rendimentos/salário do consumidor, em razão de ser medida indevida que viola o direito à proteção do salário e, por consectário, a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. 6. Em que pese o desconto procedido pela instituição financeira credora na conta corrente do devedor, por si só, não importar em ilegalidade, diante do princípio da autonomia da vontade e livre disponibilidade dos créditos havidos em conta bancária, e de não existir limite legal para a concessão de empréstimos cujo pagamento ocorra por meio de desconto em conta corrente, não se pode admitir a retenção de todo o saldo da conta corrente, referente a valores provenientes de salário, de forma que prejudique de modo significativo a subsistência do indivíduo e de sua família, devendo-se ressaltar que o STJ tem decidido reiteradamente que são abusivos os descontos compulsórios que constringem parcela considerável da remuneração do devedor, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. 7. Aplicando-se, por analogia, o limite indicado no Decreto n. 6.386/08, devem-se limitar os descontos de prestações derivadas de empréstimo bancário efetuados em conta corrente do devedor em 30% de seus rendimentos brutos quando verificado que o valor descontado consome toda a sua renda, ou grande parte dela, e compromete seu sustento e de sua família. 8. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se insere a instituição bancária, é objetiva, fundada no risco da atividade por eles desenvolvida, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa (CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187 e 927; Súmula n. 297/STJ).Em tais casos, para a reparação de danos, basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o prejuízo experimentado pelo consumidor. 9. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação dessa natureza. 10. Segundo decidiu o STJ, ainda que expressamente ajustada, a retenção integral do salário de correntista com o propósito de honrar débito deste com a instituição bancária enseja a reparação moral (STJ, REsp 1012915/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2008, DJe 03/02/2009). 11. Ovalor dos danos morais, à míngua de parâmetro legislativo e dado o repúdio à tarifação desses prejuízos, deve ser fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, balizado pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta as particularidades do caso. O montante a ser fixado não pode ser fonte de obtenção de vantagem indevida (CC, art. 884), mas também não pode ser irrisório, para não fomentar comportamentos irresponsáveis. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse prisma, razoável o valor de R$ 2.000,00. 12. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença reformada.
Data do Julgamento
:
09/12/2015
Data da Publicação
:
16/12/2015
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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