TJDF APC - 911796-20140710125954APC
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL - AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE NOME E DE GÊNERO NO REGISTRO CIVIL - APELAÇÃO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - DIREITO A NÃO DISCRIMINAÇÃO - IDENTIDADE DE GÊNERO - PROCESSO TRANSEXUALIZADOR - COMPLEXIDADE - MODIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO DE FEMININO PARA MASCULINO - TRANSGENITALIZAÇÃO - DESNECESSIDADE - EXPOSIÇÃO A SITUAÇÕES VEXATÓRIAS OU AO RIDÍCULO - VIOLAÇÃO DAS NORMAS DA LEI DE REGISTRO PÚBLICO - PROVIMENTO DO RECURSO. 1. A identidade de gênero é o estado psicológico que reflete a noção interna de uma pessoa de ser homem ou mulher, sentimento que geralmente se correlaciona ao sexo fisiológico e anatômico. Contudo, há casos em que, embora fisiologicamente a pessoa pertença a um gênero, ela se identifica com o gênero oposto. Essa condição impõe ao indivíduo um extremo desconforto com o próprio sexo e com o papel de gênero, o que pode levá-lo a um estado de sofrimento profundo, especialmente quando considerado o sentimento de inadequação social que o acomete, de não pertencer ao contexto no qual é enquadrado, de diferenciações, às vezes injuriosas ou difamantes, advindas de práticas discriminatórias contra ele perpetradas desde a infância. 2. A análise do direito dos transexuais alterarem o nome e o gênero constantes do registro civil, ainda que não concluído o processo transexualizador, deve considerar que asexualidade de uma pessoa não se restringe às suas condições fisiológicas ou anatômicas. Ao contrário, refere-se a um conjunto de atributos que também leva em conta as características psicológicas que compõem o ser humano, porque a maneira como a pessoa se sente, com a qual se identifica, enquanto aspecto emocional, constitui fator integrante da generalidade sexual. 3. O processo transexualizador não se refere unicamente à alteração do órgão reprodutor, mas compõe um procedimento complexo que envolve desde um rigoroso diagnóstico médico à submissão à hormonioterapia (Portaria 457 do Ministério da Saúde e da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), razão pela qual a alteração do nome e do gênero da pessoa transexual não deve ser condicionada à realização da cirurgia de mudança de sexo, mas sim analisada a partir da observância do contexto global em que se encontra a parte interessada. 4. A pessoa transexual pode adotar nome que reflita a identidade de gênero com o qual se identifica ainda que não realizada a transgenitalização, haja vista a existência de justo motivo para a alteração (Lei 6.015/73, 55, parágrafo único, 57 e 58) bem como a incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação (CR, 1º, III, e 3º, IV,). Fundamentação idêntica justifica a mudança do gênero de feminino para masculino no registro civil, porque a discrepância documental entre nome e gênero exporia a parte a situações vexatórias ou ridículas, circunstância que refoge ao espírito das normas contidas na Lei de Registros Públicos. 5. Recurso provido.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL - AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE NOME E DE GÊNERO NO REGISTRO CIVIL - APELAÇÃO - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - DIREITO A NÃO DISCRIMINAÇÃO - IDENTIDADE DE GÊNERO - PROCESSO TRANSEXUALIZADOR - COMPLEXIDADE - MODIFICAÇÃO DO NOME E DO GÊNERO DE FEMININO PARA MASCULINO - TRANSGENITALIZAÇÃO - DESNECESSIDADE - EXPOSIÇÃO A SITUAÇÕES VEXATÓRIAS OU AO RIDÍCULO - VIOLAÇÃO DAS NORMAS DA LEI DE REGISTRO PÚBLICO - PROVIMENTO DO RECURSO. 1. A identidade de gênero é o estado psicológico que reflete a noção interna de uma pessoa de ser homem ou mulher, sentimento que geralmente se correlaciona ao sexo fisiológico e anatômico. Contudo, há casos em que, embora fisiologicamente a pessoa pertença a um gênero, ela se identifica com o gênero oposto. Essa condição impõe ao indivíduo um extremo desconforto com o próprio sexo e com o papel de gênero, o que pode levá-lo a um estado de sofrimento profundo, especialmente quando considerado o sentimento de inadequação social que o acomete, de não pertencer ao contexto no qual é enquadrado, de diferenciações, às vezes injuriosas ou difamantes, advindas de práticas discriminatórias contra ele perpetradas desde a infância. 2. A análise do direito dos transexuais alterarem o nome e o gênero constantes do registro civil, ainda que não concluído o processo transexualizador, deve considerar que asexualidade de uma pessoa não se restringe às suas condições fisiológicas ou anatômicas. Ao contrário, refere-se a um conjunto de atributos que também leva em conta as características psicológicas que compõem o ser humano, porque a maneira como a pessoa se sente, com a qual se identifica, enquanto aspecto emocional, constitui fator integrante da generalidade sexual. 3. O processo transexualizador não se refere unicamente à alteração do órgão reprodutor, mas compõe um procedimento complexo que envolve desde um rigoroso diagnóstico médico à submissão à hormonioterapia (Portaria 457 do Ministério da Saúde e da Resolução 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina), razão pela qual a alteração do nome e do gênero da pessoa transexual não deve ser condicionada à realização da cirurgia de mudança de sexo, mas sim analisada a partir da observância do contexto global em que se encontra a parte interessada. 4. A pessoa transexual pode adotar nome que reflita a identidade de gênero com o qual se identifica ainda que não realizada a transgenitalização, haja vista a existência de justo motivo para a alteração (Lei 6.015/73, 55, parágrafo único, 57 e 58) bem como a incidência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não discriminação (CR, 1º, III, e 3º, IV,). Fundamentação idêntica justifica a mudança do gênero de feminino para masculino no registro civil, porque a discrepância documental entre nome e gênero exporia a parte a situações vexatórias ou ridículas, circunstância que refoge ao espírito das normas contidas na Lei de Registros Públicos. 5. Recurso provido.
Data do Julgamento
:
25/11/2015
Data da Publicação
:
16/12/2015
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
2ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
LEILA ARLANCH
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