TJDF APC - 918675-20140310270182APC
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. LEI 9.514/97. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE SÓCIA DA VENDEDORA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA SOCIEDADE CORRETORA. NULIDADE DA SENTENÇA. JUGAMENTO ULTRA PETITA. PRESCRIÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. TAXA DE CONTRATO. PRESCRIÇÃO. COISA JULGADA COM RELAÇÃO AOS LUCROS CESSANTES. RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS. COMPENSAÇÃO DE MULTA MORATÓRIA E LUCROS CESSANTES. DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Alegitimidade ad causam diz respeito a quem pode demandar e ser demandado em Juízo. Em regra, somente pode figurar no polo ativo quem seja titular do direito subjetivo material cuja tutela postula e apenas quem seja titular da obrigação correspondente poderá estar no polo passivo (art. 6º do CPC). 2. Com a teoria da asserção, o que importa é o alegado pelo autor na petição inicial e não a correspondência entre o afirmado e a realidade, que será apreciado no mérito. 3. Asociedade empresária quem contratou com a autora e somente ela quem deve responder por suas obrigações, por deter personalidade jurídica distinta da de seus sócios. Logo, não há que se incluir um sócio da sociedade no polo passivo, pois o seu patrimônio somente poderá vir a ser afetado em casos muito específicos. 4. Com base na responsabilidade civil decorrente das relações de consumo, quem responde é a sociedade empresária contratante e não os sócios destas, salvo se for o caso de desconsiderar a personalidade jurídica daquela (art. 28 do CDC). No entanto, por não se configurar quaisquer dos casos descritos no caput do art. 28 do CDC, nem de seu §5º, somente Incorporações Garden Ltda. deve ser responsabilizada pela rescisão contratual e eventual devolução de valores em decorrência do atraso na entrega do imóvel. 5. No tocante à sociedade LPS Brasília Consultoria de Imóveis Ltda., por ser pessoa jurídica distinta de Incorporações Garden Ltda. e não ser sócia desta, tendo se relacionado diretamente com a autora por meio de corretor credenciado e recebido quantia daquela, conforme documentos acostados, não há motivo para afastar a sua legitimidade passiva. 6. Asentença levou em consideração os argumentos das rés, em sede de contestação, para limitar o valor a ser recebido a título de rescisão contratual. Não há julgamento além do pedido ou fora do pedido, mas simplesmente adaptação das informações e dos documentos acostados pelas partes para embasar eventual procedência ou parcial procedência dos pedidos formulados na inicial. 7. O pleito de ressarcimento dos valores pagos a título de corretagem e de taxa de contrato concerne à vedação do enriquecimento sem causa. Não se trata de fato do produto ou serviço, pois inexiste qualquer defeito no serviço prestado. Apenas se requer a declaração de invalidade da cobrança da comissão de corretagem, por ser esta de responsabilidade da construtora e por não ter sido dela adequadamente informado. 8. O recibo de pagamento da comissão de corretagem é datado de 1º/06/2010. A ação foi proposta em 26/09/2014. Entretanto, entendo que a comissão de corretagem, em caso de atraso na entrega do imóvel, deve ser contada a partir da mora da construtora. Logo, não há que se falar em prescrição no caso. 9. O que a autora denomina taxa de contrato refere-se ao sinal do negócio, conforme cláusula terceira do acordo. Por ser parte integrante do preço total do imóvel, não se encontra prescrita, já que se pretende discutir a possibilidade de rescisão e a devolução do valor pago. 10. Salientam as rés não ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, mas sim o Código Civil, pois se trata de contrato de compra e venda de imóvel garantido por alienação fiduciária, nos termos da Lei 9.514/97. No entanto, a relação jurídica em tela submete-se ao Código de Defesa do Consumidor. A Incorporadora Garden Ltda. enquadra-se no conceito de fornecedora e a autora, no de consumidora. 11. O contrato de adesão não se limita ao âmbito consumerista, mas também à relação civilista. Destaque-se, outrossim, que o próprio Código Civil pauta-se pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva, tal como o Código de Defesa do Consumidor. 12. Apossibilidade de inserir cláusulas no formulário, de acordo com as tratativas preliminares, não desnatura o contrato de adesão. A consumidora não foi autorizada a alterar substancialmente o conteúdo do contrato. Logo, sem razão as rés. 13. O instrumento contratual foi celebrado em 04/06/2010. A cláusula décima terceira afirma que a unidade seria entregue no mês de março/2012, com possibilidade de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. No entanto, conforme salientaram as rés em suas razões recursais, a obra ainda não foi concluída. Estamos em outubro/2015. Logo, o prazo ultrapassou e muito o razoável. Assim, entendo que se encontra presente o descumprimento contratual por parte das rés. 14. Cabe à primeira ré, por ser uma sociedade empresária que atua no ramo da construção civil, tomar as medidas cabíveis e previsíveis para a implementação da construção da obra no período pactuado, motivo que descaracteriza, de forma incontestável, a alegada força maior e/ou caso fortuito. 15. Nos termos do artigo 413 do Código Civil deve o Juiz reduzir equitativamente a cláusula penal se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. 16. Filio-me à corrente da possibilidade de cumular lucros cessantes e cláusula penal por possuírem fatos jurígenos diversos. 17. Não tendo a sentença arbitrado o valor dos honorários advocatícios, possível fixá-lo nessa instância. Mantenho, contudo, o reconhecimento de sucumbência recíproca e equivalente entre a autora e a primeira ré. 18. Preliminar de ilegitimidade passiva de Incorporações Borges S/A acolhida. 19. Preliminar de ilegitimidade passiva de LPS Brasília Consultoria de Imóveis Ltda. rejeitada. 20. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Prejudicial da prescrição rejeitada. 21. Recursos conhecidos e parcialmente providos.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E CONSUMIDOR. LEI 9.514/97. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE SÓCIA DA VENDEDORA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA SOCIEDADE CORRETORA. NULIDADE DA SENTENÇA. JUGAMENTO ULTRA PETITA. PRESCRIÇÃO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. TAXA DE CONTRATO. PRESCRIÇÃO. COISA JULGADA COM RELAÇÃO AOS LUCROS CESSANTES. RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS. COMPENSAÇÃO DE MULTA MORATÓRIA E LUCROS CESSANTES. DESCABIMENTO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Alegitimidade ad causam diz respeito a quem pode demandar e ser demandado em Juízo. Em regra, somente pode figurar no polo ativo quem seja titular do direito subjetivo material cuja tutela postula e apenas quem seja titular da obrigação correspondente poderá estar no polo passivo (art. 6º do CPC). 2. Com a teoria da asserção, o que importa é o alegado pelo autor na petição inicial e não a correspondência entre o afirmado e a realidade, que será apreciado no mérito. 3. Asociedade empresária quem contratou com a autora e somente ela quem deve responder por suas obrigações, por deter personalidade jurídica distinta da de seus sócios. Logo, não há que se incluir um sócio da sociedade no polo passivo, pois o seu patrimônio somente poderá vir a ser afetado em casos muito específicos. 4. Com base na responsabilidade civil decorrente das relações de consumo, quem responde é a sociedade empresária contratante e não os sócios destas, salvo se for o caso de desconsiderar a personalidade jurídica daquela (art. 28 do CDC). No entanto, por não se configurar quaisquer dos casos descritos no caput do art. 28 do CDC, nem de seu §5º, somente Incorporações Garden Ltda. deve ser responsabilizada pela rescisão contratual e eventual devolução de valores em decorrência do atraso na entrega do imóvel. 5. No tocante à sociedade LPS Brasília Consultoria de Imóveis Ltda., por ser pessoa jurídica distinta de Incorporações Garden Ltda. e não ser sócia desta, tendo se relacionado diretamente com a autora por meio de corretor credenciado e recebido quantia daquela, conforme documentos acostados, não há motivo para afastar a sua legitimidade passiva. 6. Asentença levou em consideração os argumentos das rés, em sede de contestação, para limitar o valor a ser recebido a título de rescisão contratual. Não há julgamento além do pedido ou fora do pedido, mas simplesmente adaptação das informações e dos documentos acostados pelas partes para embasar eventual procedência ou parcial procedência dos pedidos formulados na inicial. 7. O pleito de ressarcimento dos valores pagos a título de corretagem e de taxa de contrato concerne à vedação do enriquecimento sem causa. Não se trata de fato do produto ou serviço, pois inexiste qualquer defeito no serviço prestado. Apenas se requer a declaração de invalidade da cobrança da comissão de corretagem, por ser esta de responsabilidade da construtora e por não ter sido dela adequadamente informado. 8. O recibo de pagamento da comissão de corretagem é datado de 1º/06/2010. A ação foi proposta em 26/09/2014. Entretanto, entendo que a comissão de corretagem, em caso de atraso na entrega do imóvel, deve ser contada a partir da mora da construtora. Logo, não há que se falar em prescrição no caso. 9. O que a autora denomina taxa de contrato refere-se ao sinal do negócio, conforme cláusula terceira do acordo. Por ser parte integrante do preço total do imóvel, não se encontra prescrita, já que se pretende discutir a possibilidade de rescisão e a devolução do valor pago. 10. Salientam as rés não ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor, mas sim o Código Civil, pois se trata de contrato de compra e venda de imóvel garantido por alienação fiduciária, nos termos da Lei 9.514/97. No entanto, a relação jurídica em tela submete-se ao Código de Defesa do Consumidor. A Incorporadora Garden Ltda. enquadra-se no conceito de fornecedora e a autora, no de consumidora. 11. O contrato de adesão não se limita ao âmbito consumerista, mas também à relação civilista. Destaque-se, outrossim, que o próprio Código Civil pauta-se pela função social do contrato e pela boa-fé objetiva, tal como o Código de Defesa do Consumidor. 12. Apossibilidade de inserir cláusulas no formulário, de acordo com as tratativas preliminares, não desnatura o contrato de adesão. A consumidora não foi autorizada a alterar substancialmente o conteúdo do contrato. Logo, sem razão as rés. 13. O instrumento contratual foi celebrado em 04/06/2010. A cláusula décima terceira afirma que a unidade seria entregue no mês de março/2012, com possibilidade de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias. No entanto, conforme salientaram as rés em suas razões recursais, a obra ainda não foi concluída. Estamos em outubro/2015. Logo, o prazo ultrapassou e muito o razoável. Assim, entendo que se encontra presente o descumprimento contratual por parte das rés. 14. Cabe à primeira ré, por ser uma sociedade empresária que atua no ramo da construção civil, tomar as medidas cabíveis e previsíveis para a implementação da construção da obra no período pactuado, motivo que descaracteriza, de forma incontestável, a alegada força maior e/ou caso fortuito. 15. Nos termos do artigo 413 do Código Civil deve o Juiz reduzir equitativamente a cláusula penal se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. 16. Filio-me à corrente da possibilidade de cumular lucros cessantes e cláusula penal por possuírem fatos jurígenos diversos. 17. Não tendo a sentença arbitrado o valor dos honorários advocatícios, possível fixá-lo nessa instância. Mantenho, contudo, o reconhecimento de sucumbência recíproca e equivalente entre a autora e a primeira ré. 18. Preliminar de ilegitimidade passiva de Incorporações Borges S/A acolhida. 19. Preliminar de ilegitimidade passiva de LPS Brasília Consultoria de Imóveis Ltda. rejeitada. 20. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Prejudicial da prescrição rejeitada. 21. Recursos conhecidos e parcialmente providos.
Data do Julgamento
:
03/02/2016
Data da Publicação
:
18/02/2016
Órgão Julgador
:
5ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
SEBASTIÃO COELHO
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