TJDF APC - 928149-20100110824242APC
APELAÇÕES CIVIS (AUTOR E RÉ). AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PROCESSUAL COLETIVO. IMPUGNAÇÃO A CLÁUSULAS DE CONTRATO DE ADESÃO (PROMESSA DE COMPRA E VENDA). AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO (ART. 523, CAPUT E § 1º DO CPC). PRELIMINARES DEDUZIDAS NAS CONTRARRAZÕES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL (ART. 129, III, CF, ART. 5º, I, DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E ARTS. 81, PARÁGRAFO ÚNICO E 82, IV, AMBOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAC. CLÁUSULAS DIVERSAS DAQUELAS AVENÇADAS NO TAC. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RELATIVOS À EMISSÃO DE BOLETOS BANCÁRIOS. TEORIA DA ASSERÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA RÉ. RAZÕES RECURSAIS RELATIVAS A PEDIDO NÃO ACOLHIDO NA SENTENÇA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. CONHECIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DA PARTE RÉ. CLÁUSULAS CONTRATUAIS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO DO PROMITENTE COMPRADOR. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA. OPÇÕES PELA EXECUÇÃO OU RESCISÃO DEIXADAS UNICAMENTE AO ARBÍTRIO DO FORNECEDOR (PROMITENTE VENDEDOR). VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO § 2º DO ART. 54 DO CDC. ALTERNATIVIDADE EM BENEFÍCIO DO CONSUMIDOR. FALTA DE PAGAMENTO DE QUALQUER PARCELA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 63 DA LEI 4.591/64 E DO ART. 1º, VI DA LEI 4.864/65. CLÁUSULA PENAL. PORCENTAGEM SOBRE O VALOR TOTAL DO CONTRATO (IMÓVEL). ABUSIVIDADE. CUMULAÇÃO COM PERDA DO SINAL. DESCABIMENTO. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. PEÇA INICIAL QUE NÃO MENCIONA AVENÇA SOBRE A MATÉRIA. TEORIA DA ASSERÇÃO. PREDISPOSIÇÃO DO TAC À SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DOS CONFLITOS. PREVISÃO DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR ADQUIRENTE SUFICIENTEMENTE RESGUARDADO NO TAC, INCLUSIVE EM MAIOR EXTENSÃO. DANOS MORAIS COLETIVOS. INEXISTÊNCIA DE RELEVANTE DESVALOR SOCIAL DA CONDUTA ANTIJURÍDICA. EFEITOS RESTRITOS DA CONDUTA ANTIJURÍDICA, JÁ EXTIRPADOS PELO COMPROMISSO ASSUMIDO NO TAC. GRAU INSUFICIENTE DE INTOLERABILIDADE DA ILICITUDE. DANOS MORAIS COLETIVOS INEXISTENTES. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. INOCORRÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DOS ÔNUS, RESTRITOS, NO CASO, ÀS DESPESAS PROCESSUAIS. APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE CONHECIDA E NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA INTEGRALMENTE. 1. Agravo Retido. O não cumprimento do disposto no art. 523 do Código de Processo Civil, segundo o qual Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação, implica a incidência da determinação contida no § 1º do mesmo dispositivo legal (Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal). 2. Preliminares. As funções institucionais do Ministério Público estão delineadas desde a Norma Ápice do nosso ordenamento jurídico, passando pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, não havendo margem para dúvidas de que o caso em testilha está perfeitamente alinhado com o que dispõem tais Diplomas Normativos no que diz respeito à legitimação do Parquet para o ajuizamento da presente demanda. Inteligência do art. 129, III, da Constituição Federal, do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública e artigos 81, parágrafo único e 82, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor. 3. Ointeresse de agir, sabidamente, somente não se reputa presente quando o provimento jurisdicional vindicado ou não se reveste de qualquer utilidade ou não é necessário ou, com divergência doutrinária, quando o instrumento processual utilizado se mostra inadequado à obtenção do resultado pretendido pela parte. 4. Embora reconheça ter firmado Termo de Ajustamento de Conduta com a Ré, o Autor aponta a existência de outros vícios nas cláusulas contratuais, que não foram objeto daquela avença e, mesmo quanto à questão relativa à cobrança pela emissão de boleto bancário, que fora contemplada no TAC, não se pode erguer, aprioristicamente, empecilho à veiculação da pretensão do Ministério Público, face à aplicação da teoria da asserção e considerada a narrativa inicial, que aponta não se ter obtido êxito, quanto ao ponto, nas tratativas para a celebração do TAC nº 617/2010, devendo-se reservar para a análise de mérito a correção ou não dos argumentos deduzidos pelo Autor da demanda Civil Pública. 5. Apelação da parte Ré. Não devem ser conhecidas as razões deduzidas no Apelo da Ré relativamente à abusividade da cobrança pela emissão de boletos bancários e o pedido de restituição em dobro aos adquirentes que fizeram o pagamento a esse título. Isso se deve ao fato de que, quanto ao ponto, não há interesse recursal da Ré, haja vista que tal pedido não foi acolhido na r. sentença recorrida. 6. Está patente que os termos empregados na cláusula contratual atinente à regulação das conseqüências do inadimplemento do promitente comprador não estão de acordo com os princípios do Código de Defesa do Consumidor, plenamente aplicável à matéria discutida nos autos, porque, em primeiro plano, tem-se, como afirmado pelo Ministério Público, que as disposições da referida cláusula encontram o óbice versado no art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa (sic), cabendo a escolha ao consumidor. 7. Tampouco se justifica que o inadimplemento de qualquer parcela dê azo à pretendida faculdade da Construtora Ré, quanto à execução do contrato ou sua resolução, pois tal condição contratual não se coaduna com o contido no art. 63 da Lei 4.591/64 e com o disposto no art. 1º, VI, da Lei 4.864/65, que exigem o atraso no pagamento de, no mínimo, 3 parcelas para autorizar-se a rescisão contratual. 8. Oque efetivamente é objeto de impugnação é a cláusula contratual, tal como posta no instrumento negocial, não podendo a Apelante buscar outros elementos estranhos aos termos do referido dispositivo, de modo a definir-lhe o conteúdo e o alcance de seus efeitos. 9. Embora seja legítima a estipulação de pena para o inadimplemento do consumidor adquirente (promitente comprador) que dê causa à rescisão contratual, consequência que se pode extrair das próprias normas consumeristas, como é o caso do art. 53 do Código de Consumo, não pode o promitente vendedor (fornecedor) estabelecer valores dissociados da razoabilidade ou sem uma causa justificadora dentro da realidade de cada contrato. 10. Mostra-se flagrantemente abusiva a cláusula que, nos contratos de promessa de compra e venda, em razão de inadimplemento do consumidor adquirente (promitente comprador), estabelece perda de percentual sobre o valor total da avença e não sobre o valor das parcelas já adimplidas. 11. Tal previsão, a par de desconsiderar as peculiaridades de cada relação contratual, com graus diferenciados de inadimplemento, e, portanto, em desconsideração da natureza e conteúdo do contrato, poderá ensejar onerosidade excessiva ao consumidor adquirente, o que é vedado pelas normas de proteção às relações de consumo, conforme se depreende do disposto no art. 51, IV c/c § 1º, III do Código de Defesa do Consumidor. 12. Precedentes doColendo Superior Tribunal de Justiça, reputando indevida a estipulação de percentual de retenção de valores, em benefício do promitente vendedor, com base no valor total do contrato (valor do imóvel), bem como rechaçando a possibilidade de cumulação da retenção do sinal (arras confirmatórias) com o pagamento da cláusula penal, justificando-se somente a subsistência dessa última penalidade, em caso de previsão cumulativa no contrato. 13. Incabível, ademais, pretender a Apelante, por meio da referida cláusula, transferir ao consumidor adquirente custos que são inerentes à sua atividade econômica e próprios dos riscos do negócio, como a corretagem, se esta efetivamente não veio a ocorrer, e a execução de stand de venda e unidade decorada. 14. Apelação do Ministério Público. Conforme se percebe dos termos ajustados na cláusula primeira do Termo de Ajustamento de Conduta, houve compromisso da empresa Ré em devolver aos adquirentes, em dobro, os valores cobrados a título de emissão de boletos, condicionada a devolução, contudo, à reclamação dos consumidores. 15. É certo que a celebração de compromisso de ajustamento de conduta não impede a atuação judicial das entidades colegitimadas, quando essa atuação se destina a alcançar interesses remanescentes não protegidos adequadamente naquela avença, nem prejudica eventuais pretensões individuais dos destinatários da tutela que se pretendeu efetivar extrajudicialmente. 16. Não obstante, uma vez firmado o compromisso de ajustamento, de cujos termos se verifica que está apto a atingir essa plena eficácia de proteção aos interesses lesados, não há justificativa razoável para apresentar a mesma querela ao Judiciário, pois que, ou o compromisso não foi cumprido e, nesse caso, deflagram-se as conseqüências previstas no ajuste, por exemplo, aplicação de multa (prevista no caso dos autos, diga-se), ou o acordo foi cumprido, ficando encerrada definitivamente a pendenga, ou está sendo cumprido e aqui também não se justificaria trazer a questão à Justiça. 17. Caso em que o direito assegurado no TAC, relativamente à devolução dos valores pela emissão dos boletos bancários é, na verdade, mais amplo do que aquele buscado pelo Ministério Pública nesta ação civil, pois aqui a pretensão limita o período de devolução aos últimos 5 (cinco) anos, e na cláusula primeira do TAC nº 675/2010, há, simplesmente, a previsão de devolução dos valores que haviam sido cobrados, sem o limite temporal. 18. Descabida a argumentação ministerial, posta no seu Apelo, quanto a eventual desconhecimento dos consumidores sobre o direito que lhes foi assegurado por meio do TAC e quanto à falta de interesse em receber valor de pequena monta, considerando que detém informações, repassadas pela Ré, sobre todos os consumidores que pagaram por esses valores e bastaria que fossem informados, bem como, quanto à eventual falta de interesse dos consumidores em receber individualmente esses valores, não seria o acolhimento do pedido ministerial, neste processo, que faria nascer esse interesse, pois os valores a que teriam direito são os mesmos já previstos no compromisso de ajuste de conduta. 19. Os interesses dedimensão difusa ou coletiva estão atrelados, em face de sua própria natureza, a uma relevante repercussão social do dano, para além da lesão a direitos de determinadas pessoas, sem correlação, portanto, com os sentimentos de dor, sofrimento, angústia etc., que são conseqüências, embora não necessárias, do dano moral de caráter individual. 20. Ainicial pouco esclarece sobre o que teria levado à ocorrência de dano moral coletivo, tendo apenas se limitado a buscar conceituar tal instituto e apoiar-se na teoria do desestímulo para fincar a necessidade de reparabilidade da ofensa extrapatrimonial transindividual que alega ter ocorrido, além de intentar colher elementos para a quantificação do valor do dano. 21. No Apelo, como fato apto a desencadear os pretendidos danos morais coletivos, menciona reclamações dos consumidores que foram lesados, além das recomendações e alertas apresentados durante as investigações, afirmando que a Construtora Ré continua utilizando o contrato nos moldes atacados, com o fim de alcançar o lucro e se eximindo de cumprir a lei e os contratos. 22. Contudo, não demonstrou o Ministério Público que após a celebração do TAC nº 617/2010, continuou a Construtora Ré a agir de modo ilegítimo e ilegal, com a inserção de cláusulas reputadas abusivas, e em relação às quais já se comprometera, naquele ajuste, a retirar dos futuros instrumentos de contrato, até porque a infringência a qualquer dos compromissos assumidos levaria à aplicação de vultosa multa (cem mil reais). 23. Quanto aos fatos precedentes ao ajustamento da conduta, ou seja, as abusividades contratuais que justamente levaram o Ministério Público a instaurar Inquérito Civil Público, a repercussão dos seus efeitos negativos se limitou aos adquirentes que já haviam firmado contrato de promessa de compra e venda, e, no compromisso assumido pela Construtora, além de consignar-se a obrigação de não mais veicular em contratos futuros as disposições contratuais reputadas abusivas, estenderam-se àqueles consumidores adquirentes os efeitos dessas invalidades contratuais reconhecidas, conforme Cláusula Décima-primeira do TAC. 24. Em matéria de danos morais coletivos deve-se observar a repercussão social acentuadamente negativa do fato danoso, com aptidão para gerar sentimento coletivo de descrédito nas instituições e na efetividade das leis, mostrando-se imprescindível a imposição de responsabilidade civil aos causadores do dano também em atenção a essa coletividade. 25. Nessa trilha, no caso de responsabilidade civil vinculada a danos imateriais coletivos, a par dos elementos comuns que configuram esse dever jurídico (conduta, dano e nexo causal - na responsabilidade objetiva), agrega-se a necessidade de relevante desvalor social da conduta antijurídica. 26. Espécie em que aconduta antijurídica da Ré, embora se tenha verificado, cessou com o ajustamento de sua conduta, na forma do que disposto no TAC 617/2010, afora as duas outras cláusulas reconhecidas como abusivas nesta demanda, e os efeitos da conduta antijurídica não foram de molde a afetar interesses jurídicos fundamentais, tendo ficado circunscritos àqueles que contrataram com a Ré sob as condições reputadas abusivas, bem assim, não se verificou um grau suficiente de intolerabilidade da ilicitude, no que diz respeito à repercussão e apreensão dos fatos no seio social, ficando afastada a ocorrência dos danos morais coletivos perseguidos pelo Ministério Público. 27. Não se podendo falar que a Ré sucumbiu em parte mínima do pedido, com isso pretendendo a incidência do disposto no parágrafo único do art. 21 do Código de Processo Civil, haja vista que foram acolhidos dois dos quatro pedidos formulados na inicial, estando correta a sentença ao distribuir equitativamente os ônus da sucumbência, que, no caso, como não há condenação em honorários advocatícios, se restringem ao pagamento das custas processuais, cuja metade deverá ser suportada pela Ré. 28. Agravo Retido não conhecido. Preliminares afastadas. Apelação da Ré conhecida parcialmente e Apelo do Autor conhecido, negando-se provimento a ambos os recursos, para manter a sentença recorrida integralmente.
Ementa
APELAÇÕES CIVIS (AUTOR E RÉ). AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PROCESSUAL COLETIVO. IMPUGNAÇÃO A CLÁUSULAS DE CONTRATO DE ADESÃO (PROMESSA DE COMPRA E VENDA). AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO (ART. 523, CAPUT E § 1º DO CPC). PRELIMINARES DEDUZIDAS NAS CONTRARRAZÕES. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOCORRÊNCIA. TUTELA DE INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AUTORIZAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL (ART. 129, III, CF, ART. 5º, I, DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E ARTS. 81, PARÁGRAFO ÚNICO E 82, IV, AMBOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. CELEBRAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA - TAC. CLÁUSULAS DIVERSAS DAQUELAS AVENÇADAS NO TAC. PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RELATIVOS À EMISSÃO DE BOLETOS BANCÁRIOS. TEORIA DA ASSERÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DA RÉ. RAZÕES RECURSAIS RELATIVAS A PEDIDO NÃO ACOLHIDO NA SENTENÇA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. CONHECIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DA PARTE RÉ. CLÁUSULAS CONTRATUAIS RELATIVAS ÀS CONSEQUÊNCIAS DO INADIMPLEMENTO DO PROMITENTE COMPRADOR. CLÁUSULA RESOLUTÓRIA. OPÇÕES PELA EXECUÇÃO OU RESCISÃO DEIXADAS UNICAMENTE AO ARBÍTRIO DO FORNECEDOR (PROMITENTE VENDEDOR). VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO § 2º DO ART. 54 DO CDC. ALTERNATIVIDADE EM BENEFÍCIO DO CONSUMIDOR. FALTA DE PAGAMENTO DE QUALQUER PARCELA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 63 DA LEI 4.591/64 E DO ART. 1º, VI DA LEI 4.864/65. CLÁUSULA PENAL. PORCENTAGEM SOBRE O VALOR TOTAL DO CONTRATO (IMÓVEL). ABUSIVIDADE. CUMULAÇÃO COM PERDA DO SINAL. DESCABIMENTO. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. TAXA DE EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. PEÇA INICIAL QUE NÃO MENCIONA AVENÇA SOBRE A MATÉRIA. TEORIA DA ASSERÇÃO. PREDISPOSIÇÃO DO TAC À SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DOS CONFLITOS. PREVISÃO DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR ADQUIRENTE SUFICIENTEMENTE RESGUARDADO NO TAC, INCLUSIVE EM MAIOR EXTENSÃO. DANOS MORAIS COLETIVOS. INEXISTÊNCIA DE RELEVANTE DESVALOR SOCIAL DA CONDUTA ANTIJURÍDICA. EFEITOS RESTRITOS DA CONDUTA ANTIJURÍDICA, JÁ EXTIRPADOS PELO COMPROMISSO ASSUMIDO NO TAC. GRAU INSUFICIENTE DE INTOLERABILIDADE DA ILICITUDE. DANOS MORAIS COLETIVOS INEXISTENTES. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. INOCORRÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO EQUITATIVA DOS ÔNUS, RESTRITOS, NO CASO, ÀS DESPESAS PROCESSUAIS. APELAÇÃO DA RÉ PARCIALMENTE CONHECIDA E NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. SENTENÇA MANTIDA INTEGRALMENTE. 1. Agravo Retido. O não cumprimento do disposto no art. 523 do Código de Processo Civil, segundo o qual Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação, implica a incidência da determinação contida no § 1º do mesmo dispositivo legal (Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal). 2. Preliminares. As funções institucionais do Ministério Público estão delineadas desde a Norma Ápice do nosso ordenamento jurídico, passando pela Lei da Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor, não havendo margem para dúvidas de que o caso em testilha está perfeitamente alinhado com o que dispõem tais Diplomas Normativos no que diz respeito à legitimação do Parquet para o ajuizamento da presente demanda. Inteligência do art. 129, III, da Constituição Federal, do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública e artigos 81, parágrafo único e 82, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor. 3. Ointeresse de agir, sabidamente, somente não se reputa presente quando o provimento jurisdicional vindicado ou não se reveste de qualquer utilidade ou não é necessário ou, com divergência doutrinária, quando o instrumento processual utilizado se mostra inadequado à obtenção do resultado pretendido pela parte. 4. Embora reconheça ter firmado Termo de Ajustamento de Conduta com a Ré, o Autor aponta a existência de outros vícios nas cláusulas contratuais, que não foram objeto daquela avença e, mesmo quanto à questão relativa à cobrança pela emissão de boleto bancário, que fora contemplada no TAC, não se pode erguer, aprioristicamente, empecilho à veiculação da pretensão do Ministério Público, face à aplicação da teoria da asserção e considerada a narrativa inicial, que aponta não se ter obtido êxito, quanto ao ponto, nas tratativas para a celebração do TAC nº 617/2010, devendo-se reservar para a análise de mérito a correção ou não dos argumentos deduzidos pelo Autor da demanda Civil Pública. 5. Apelação da parte Ré. Não devem ser conhecidas as razões deduzidas no Apelo da Ré relativamente à abusividade da cobrança pela emissão de boletos bancários e o pedido de restituição em dobro aos adquirentes que fizeram o pagamento a esse título. Isso se deve ao fato de que, quanto ao ponto, não há interesse recursal da Ré, haja vista que tal pedido não foi acolhido na r. sentença recorrida. 6. Está patente que os termos empregados na cláusula contratual atinente à regulação das conseqüências do inadimplemento do promitente comprador não estão de acordo com os princípios do Código de Defesa do Consumidor, plenamente aplicável à matéria discutida nos autos, porque, em primeiro plano, tem-se, como afirmado pelo Ministério Público, que as disposições da referida cláusula encontram o óbice versado no art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa (sic), cabendo a escolha ao consumidor. 7. Tampouco se justifica que o inadimplemento de qualquer parcela dê azo à pretendida faculdade da Construtora Ré, quanto à execução do contrato ou sua resolução, pois tal condição contratual não se coaduna com o contido no art. 63 da Lei 4.591/64 e com o disposto no art. 1º, VI, da Lei 4.864/65, que exigem o atraso no pagamento de, no mínimo, 3 parcelas para autorizar-se a rescisão contratual. 8. Oque efetivamente é objeto de impugnação é a cláusula contratual, tal como posta no instrumento negocial, não podendo a Apelante buscar outros elementos estranhos aos termos do referido dispositivo, de modo a definir-lhe o conteúdo e o alcance de seus efeitos. 9. Embora seja legítima a estipulação de pena para o inadimplemento do consumidor adquirente (promitente comprador) que dê causa à rescisão contratual, consequência que se pode extrair das próprias normas consumeristas, como é o caso do art. 53 do Código de Consumo, não pode o promitente vendedor (fornecedor) estabelecer valores dissociados da razoabilidade ou sem uma causa justificadora dentro da realidade de cada contrato. 10. Mostra-se flagrantemente abusiva a cláusula que, nos contratos de promessa de compra e venda, em razão de inadimplemento do consumidor adquirente (promitente comprador), estabelece perda de percentual sobre o valor total da avença e não sobre o valor das parcelas já adimplidas. 11. Tal previsão, a par de desconsiderar as peculiaridades de cada relação contratual, com graus diferenciados de inadimplemento, e, portanto, em desconsideração da natureza e conteúdo do contrato, poderá ensejar onerosidade excessiva ao consumidor adquirente, o que é vedado pelas normas de proteção às relações de consumo, conforme se depreende do disposto no art. 51, IV c/c § 1º, III do Código de Defesa do Consumidor. 12. Precedentes doColendo Superior Tribunal de Justiça, reputando indevida a estipulação de percentual de retenção de valores, em benefício do promitente vendedor, com base no valor total do contrato (valor do imóvel), bem como rechaçando a possibilidade de cumulação da retenção do sinal (arras confirmatórias) com o pagamento da cláusula penal, justificando-se somente a subsistência dessa última penalidade, em caso de previsão cumulativa no contrato. 13. Incabível, ademais, pretender a Apelante, por meio da referida cláusula, transferir ao consumidor adquirente custos que são inerentes à sua atividade econômica e próprios dos riscos do negócio, como a corretagem, se esta efetivamente não veio a ocorrer, e a execução de stand de venda e unidade decorada. 14. Apelação do Ministério Público. Conforme se percebe dos termos ajustados na cláusula primeira do Termo de Ajustamento de Conduta, houve compromisso da empresa Ré em devolver aos adquirentes, em dobro, os valores cobrados a título de emissão de boletos, condicionada a devolução, contudo, à reclamação dos consumidores. 15. É certo que a celebração de compromisso de ajustamento de conduta não impede a atuação judicial das entidades colegitimadas, quando essa atuação se destina a alcançar interesses remanescentes não protegidos adequadamente naquela avença, nem prejudica eventuais pretensões individuais dos destinatários da tutela que se pretendeu efetivar extrajudicialmente. 16. Não obstante, uma vez firmado o compromisso de ajustamento, de cujos termos se verifica que está apto a atingir essa plena eficácia de proteção aos interesses lesados, não há justificativa razoável para apresentar a mesma querela ao Judiciário, pois que, ou o compromisso não foi cumprido e, nesse caso, deflagram-se as conseqüências previstas no ajuste, por exemplo, aplicação de multa (prevista no caso dos autos, diga-se), ou o acordo foi cumprido, ficando encerrada definitivamente a pendenga, ou está sendo cumprido e aqui também não se justificaria trazer a questão à Justiça. 17. Caso em que o direito assegurado no TAC, relativamente à devolução dos valores pela emissão dos boletos bancários é, na verdade, mais amplo do que aquele buscado pelo Ministério Pública nesta ação civil, pois aqui a pretensão limita o período de devolução aos últimos 5 (cinco) anos, e na cláusula primeira do TAC nº 675/2010, há, simplesmente, a previsão de devolução dos valores que haviam sido cobrados, sem o limite temporal. 18. Descabida a argumentação ministerial, posta no seu Apelo, quanto a eventual desconhecimento dos consumidores sobre o direito que lhes foi assegurado por meio do TAC e quanto à falta de interesse em receber valor de pequena monta, considerando que detém informações, repassadas pela Ré, sobre todos os consumidores que pagaram por esses valores e bastaria que fossem informados, bem como, quanto à eventual falta de interesse dos consumidores em receber individualmente esses valores, não seria o acolhimento do pedido ministerial, neste processo, que faria nascer esse interesse, pois os valores a que teriam direito são os mesmos já previstos no compromisso de ajuste de conduta. 19. Os interesses dedimensão difusa ou coletiva estão atrelados, em face de sua própria natureza, a uma relevante repercussão social do dano, para além da lesão a direitos de determinadas pessoas, sem correlação, portanto, com os sentimentos de dor, sofrimento, angústia etc., que são conseqüências, embora não necessárias, do dano moral de caráter individual. 20. Ainicial pouco esclarece sobre o que teria levado à ocorrência de dano moral coletivo, tendo apenas se limitado a buscar conceituar tal instituto e apoiar-se na teoria do desestímulo para fincar a necessidade de reparabilidade da ofensa extrapatrimonial transindividual que alega ter ocorrido, além de intentar colher elementos para a quantificação do valor do dano. 21. No Apelo, como fato apto a desencadear os pretendidos danos morais coletivos, menciona reclamações dos consumidores que foram lesados, além das recomendações e alertas apresentados durante as investigações, afirmando que a Construtora Ré continua utilizando o contrato nos moldes atacados, com o fim de alcançar o lucro e se eximindo de cumprir a lei e os contratos. 22. Contudo, não demonstrou o Ministério Público que após a celebração do TAC nº 617/2010, continuou a Construtora Ré a agir de modo ilegítimo e ilegal, com a inserção de cláusulas reputadas abusivas, e em relação às quais já se comprometera, naquele ajuste, a retirar dos futuros instrumentos de contrato, até porque a infringência a qualquer dos compromissos assumidos levaria à aplicação de vultosa multa (cem mil reais). 23. Quanto aos fatos precedentes ao ajustamento da conduta, ou seja, as abusividades contratuais que justamente levaram o Ministério Público a instaurar Inquérito Civil Público, a repercussão dos seus efeitos negativos se limitou aos adquirentes que já haviam firmado contrato de promessa de compra e venda, e, no compromisso assumido pela Construtora, além de consignar-se a obrigação de não mais veicular em contratos futuros as disposições contratuais reputadas abusivas, estenderam-se àqueles consumidores adquirentes os efeitos dessas invalidades contratuais reconhecidas, conforme Cláusula Décima-primeira do TAC. 24. Em matéria de danos morais coletivos deve-se observar a repercussão social acentuadamente negativa do fato danoso, com aptidão para gerar sentimento coletivo de descrédito nas instituições e na efetividade das leis, mostrando-se imprescindível a imposição de responsabilidade civil aos causadores do dano também em atenção a essa coletividade. 25. Nessa trilha, no caso de responsabilidade civil vinculada a danos imateriais coletivos, a par dos elementos comuns que configuram esse dever jurídico (conduta, dano e nexo causal - na responsabilidade objetiva), agrega-se a necessidade de relevante desvalor social da conduta antijurídica. 26. Espécie em que aconduta antijurídica da Ré, embora se tenha verificado, cessou com o ajustamento de sua conduta, na forma do que disposto no TAC 617/2010, afora as duas outras cláusulas reconhecidas como abusivas nesta demanda, e os efeitos da conduta antijurídica não foram de molde a afetar interesses jurídicos fundamentais, tendo ficado circunscritos àqueles que contrataram com a Ré sob as condições reputadas abusivas, bem assim, não se verificou um grau suficiente de intolerabilidade da ilicitude, no que diz respeito à repercussão e apreensão dos fatos no seio social, ficando afastada a ocorrência dos danos morais coletivos perseguidos pelo Ministério Público. 27. Não se podendo falar que a Ré sucumbiu em parte mínima do pedido, com isso pretendendo a incidência do disposto no parágrafo único do art. 21 do Código de Processo Civil, haja vista que foram acolhidos dois dos quatro pedidos formulados na inicial, estando correta a sentença ao distribuir equitativamente os ônus da sucumbência, que, no caso, como não há condenação em honorários advocatícios, se restringem ao pagamento das custas processuais, cuja metade deverá ser suportada pela Ré. 28. Agravo Retido não conhecido. Preliminares afastadas. Apelação da Ré conhecida parcialmente e Apelo do Autor conhecido, negando-se provimento a ambos os recursos, para manter a sentença recorrida integralmente.
Data do Julgamento
:
09/03/2016
Data da Publicação
:
01/04/2016
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ROMULO DE ARAUJO MENDES
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