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Jurisprudência


TJDF APC - 929828-20090610163158APC

Ementa
CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. OBJETO. VEÍCULO ZERO QUILÔMETRO. RELAÇÃO DE CONSUMO. QUALIFICAÇÃO. VÍCIO DE FABRICAÇÃO. DEFEITO NO SISTEMA DE FREIO DENTRO DO PRAZO DE GARANTIA. ITEM INTRÍNSECO À SEGURANÇA DO VEÍCULO. DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. OPÇÃO DO CONSUMIDOR. VÍCIO NÃO SANADO NO PRAZO PONTUADO PELO LEGISLADOR. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. PREÇO. REPETIÇÃO DOS VALORES VERTIDOS. CONTRAPARTIDA. DEVOLUÇÃO DO PRODUTO (CDC, ART. 18). COROLÁRIO DO DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO. DANO MORAL. RISCO À INCOLUMIDADE FÍSICA DO CONSUMIDOR. TRANSTORNOS, CONTRATEMPOS E HUMILHAÇÕES. FATOS QUE EXORBITAM O INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO. VALOR. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANO MATERIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CAUSA ESTRANHA AO VÍCIO DO PRODUTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CONCESSIONÁRIA. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DO LIAME CAUSAL. DEVER DE INDENIZAR. PEÇA RECURSAL. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA.SENTENÇA REFORMADA. 1.A peça recursal que, atinada com o resolvido originariamente, alinhava argumentação crítica destinada a infirmar o acerto do decidido e obter sua reforma, contemplando, ainda, pedido reformatório coadunado com o desenvolvido, atendendo às exigências inerentes ao princípio da correlação e ao alinhamento dos fatos e fundamentos aptos a ensejarem a reforma do decisum devolvido a reexame, supre os requisitos formais que lhe são exigidos, determinando que o recurso que pauta seja conhecido como expressão do acesso ao duplo grau de jurisdição inerente ao devido processo legal (CPC, art. 514, II e III). 2.Qualifica-se como relação de consumo, sujeitando-se ao regrado pelo Código de Defesa do Consumidor, a relação negocial traduzida em contrato de compra e venda de veículo novo entabulado entre o destinatário final do produto e a revendedora, à medida que envolve o negócio fornecedora de produto durável - veículo novo - e o destinatário final do bem e do serviço, ou seja, consumidor final do produto, enquadrando-se o contrato nas definições insertas nos artigos 2º e 3º do aludido estatuto legal, estando a concessionária revendedora sujeita ao ressarcimento dos prejuízos eventualmente ocasionados ao consumidor à luz das regras normativas da responsabilidade civil objetiva. 3.Aferido que, consumado o negócio e operada a tradição, o automóvel negociado apresentara defeitos que obstaram seu regular uso, e, conquanto resguardada à fornecedora diversas oportunidades para sanar os vícios, não providenciara seu conserto de forma eficaz, definitiva e no trintídio fixado pelo legislador de consumo, ao adquirente, na condição de consumidor, é assegurado o direito de ter substituído o bem, ou, optando pela rescisão do contrato, obter a repetição do preço que vertera como forma de restituição das partes ao estado antecedente à formalização da negociação, devendo, em contrapartida, devolver à fornecedora o produto que lhe fora vendido como corolário da resolução do negócio e devolução do que despendera (CDC, art 18, § 1º). 4.A opção pelo desfazimento do negócio motivado pelo vício de fabricação que afetara o produto, tornando-o impróprio para uso na forma esperada e frustrando as justas expectativas do consumidor, enseja que o preço vertido seja devolvido na íntegra e sem nenhum abatimento a título de depreciação do bem, devidamente atualizado desde o desembolso, à medida em que, a par de o legislador de consumidor não contemplar essa mitigação, soaria como verdadeira sanção imposta ao comprador por ter simplesmente materializado direito que lhe é resguardado diante do inadimplemento em que incidira o fornecedor, e, ademais, se não pudera fruir do produto na forma esperada e assegurada, a repetição integral do vertido é o consectário lógico do desfazimento do negócio. 5.Apurado que o vício que afetara o produto durável fornecido não encerrara mero defeito mecânico apresentado logo após a aquisição, mas grave defeito de fabricação passível de colocar em risco a vida do consumidor, pois afetara o sistema de freios do automotor, que, de sua parte, está iminentemente ligado à segurança do automóvel, colocando, conseguintemente, sob risco a incolumidade física dos ocupantes, frustrando o esperado pelo adquirente no momento da aquisição do produto representado por veículo novo, o havido, inexoravelmente, determinara sua sujeição a transtornos, contratempos, humilhações e dissabores provenientes da inviabilidade da utilização do veículo de forma segura, notadamente porque priva o consumidor do seu uso segundo o inicialmente programado e de conformidade com suas expectativas e necessidades. 6.O descaso e desconsideração da concessionária em não solucionar os problemas mecânicos dentro do prazo legal, devolvendo, ao revés, o automóvel ao consumidor sem condições aptas ao uso regular após lhe ser entregue para reparos, ensejando-lhe desassossego e insegurança, afetam sua intangibilidade pessoal, consubstanciando fato gerador do dano moral, legitimando que lhe seja assegurada compensação pecuniária coadunada com os efeitos lesivos experimentados, pois exorbitam os eventos cotidianos da vida o fornecimento de veículo novo com defeito intrínseco de fabricação que colocara em risco a incolumidade dos usuários do produto. 7. A compensação pecuniária devida à atingida por ofensas de natureza moral deve ser mensurada de ponderação com seus objetivos nucleares, que são a penalização do ofensor e a outorga de lenitivo ao ofendido em ponderação com os princípios da proporcionalidade, atentando-se para a gravidade dos danos havidos, para o comportamento do ofensor e para a pessoa dos envolvidos no evento, e da razoabilidade, que recomenda que o importe fixado não seja tão excessivo a ponto de ensejar uma alteração na situação financeira dos envolvidos, nem tão inexpressivo que redunde em nova mágoa à ofendida. 8. A apreensão de que o acidente automobilístico que vitimara o adquirente de veículo novo com grave defeito de fabricação não decorrera de causa relacionada ao vício de produção que afetava o automóvel, restando impassível de o havido ser interpretado como consequência decorrente da falha no produto, resta inviabilizada a responsabilização da fornecedora pelo sinistro e os efeitos que irradiara ante a elisão do fato gerador enlaçando o vício de produção ao sinistro ocorrido, obstaculizando a germinação do nexo de causalidade entre os prejuízos materiais derivados do havido e qualquer fato passível de ser imputado à fornecedora, tornando inviável sua responsabilização (CC, arts. 186 e 927). 9.Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença reformada. Unânime.

Data do Julgamento : 02/03/2016
Data da Publicação : 07/04/2016
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : TEÓFILO CAETANO
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