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Jurisprudência


TJDF APC - 942850-20120111346416APC

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. CONDOMÍNIO ESTÂNCIA JARDIM BOTÂNICO. PRELIMINARES. AGRAVO RETIDO. RAZÕES DISSOCIADAS. NÃO CONHECIMENTO. NULIDADE DA DECISÃO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. PROPRIEDADE DO IMÓVEL. AQUISIÇÃO DE LOTE DEVIDAMENTE REGULARIZADO EM PROCESSO LEGAL DE LOTEAMENTO URBANO PROMOVIDO PELA TERRACAP. IMÓVEL DEVIDAMENTE REGISTRADO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS COMPETENTE. DOMÍNIO COMPROVADO. DISCUSSÃO ACERCA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA QUE ENVOLVE AMPLA EXTENSÃO DE TERRAS EM QUE ESTARIA INSERIDO O IMÓVEL REIVINDICADO. FAZENDA PAPUDA VERSUS TABOQUINHA. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA PRIORIDADE REGISTRAL. NÃO APLICAÇÃO. MATRÍCULAS RELATIVAS A IMÓVEIS DISTINTOS. REQUISITOS DA REIVINDICATÓRIA ATENDIDOS (COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE, IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL E POSSE INJUSTA). PERDAS E DANOS. PRIVAÇÃO INDEVIDA DO PROVEITO ECONÔMICO DO BEM PELO SEU TITULAR. CABIMENTO. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA PELO SÓ FATO DA POSSE INJUSTA. NÃO COMPROVAÇÃO DE FATO SECUNDÁRIO QUE TERIA VIOLADO OS ATRIBUTOS DA PERSONALIDADE DA AUTORA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR PROCEDENTE A REIVINDICATÓRIA, COM CONDENAÇÃO EM PERDAS E DANOS. SUCUMBÊNCIA INVERTIDA. 1. Para o conhecimento do Agravo Retido é necessário que a sua fundamentação tenha relação com a decisão impugnada. Trata-se de pressuposto de regularidade formal do recurso, insculpido no artigo 514, inciso II do Código de Processo Civil, preceito aqui aplicado por analogia. 2. Não há que se falar em ausência de fundamentação da decisão dos Embargos Declaratórios quando o magistrado não analisa a teoria exposta pela parte. O decisum em questão se presta somente para sanar omissão, contradição ou obscuridade eventualmente contidas na decisão embargada. 3. O julgador, na prolação da sentença, não tem obrigação de analisar todas as teses e fundamentos trazidos pelas partes, bastando que exponha suas razões de forma a permitir a compreensão do que foi decidido, ainda que de forma sucinta. 4. A Apelante finca o seu pleito reivindicatório em escritura pública de compra e venda lavrada no 3º Ofício de Notas e Protesto de Títulos de Brasília, cujo objeto é imóvel localizado no Setor Habitacional Jardim Botânico, devidamente registrado no Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis do Distrito Federal, sob a matrícula nº 95.352, conforme certidão juntada aos autos extraída do Registro Geral daquele Ofício Imobiliário, tendo como transmitente/vendedora a COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA - TERRACAP, que promoveu o loteamento urbano do Setor Habitacional Jardim Botânico, desmembrando o lote objeto da negociação em questão do imóvel matriculado sob número 94.870, do mesmo Ofício de Registro de Imóveis. 5. Comoassente na doutrina, a Ação Reivindicatória tem natureza petitória, porquefundada no direito à posse (ius possidendi), em contraposição ao direito de posse (ius possessionis), este tutelável por meio dos interditos (proibitório, manutenção de posse e reintegração de posse). 6. Uma das características marcantes dos direitos reais é a sua oponibilidade erga omnes, exigindo a Lei Civil, contudo, que, para a obtenção de tal eficácia jurídica, seja o título aquisitivo do direito devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis, como assim se dispôs no art. 1.227, dando a necessária publicidade ao ato, a fim de que possa gerar efeitos perante terceiros. 7. Dessa eficácia, não há dúvida, está dotado o direito titulado pela Autora, eis que promoveu o devido registro do instrumento público aquisitivo da propriedade no Cartório Imobiliário competente, com o que se tem a efetiva aquisição da propriedade, cuja proteção poderá ser exercida com plenitude, de acordo com as faculdades que dela decorrem, conforme o disposto no art. 1.228, do Código Civil, entre as quais se encontra o direito de sequela. 8. A Autora identificou adequada e suficientemente a extensão e os limites do imóvel reivindicado, que representa parcela do imóvel matriculado sob o número 95.352, relativo a lote do qual se destaca a parcela reivindicada, objeto desta ação, conforme descrito no croqui de demarcação juntado aos autos, elaborado pela TERRACAP. 9. A defesa doRéu apenas revolve fatos e atos jurídicos que não desconstituem, de modo algum, o título dominial apresentado pela Autora, ainda que já houvesse decisão judicial definitiva acerca da conturbada questão fundiária suscitada na contestação e nas contrarrazões apresentadas pelo Condomínio, que dizem respeito a títulos dominiais diversos, abrangendo imensa extensão de terras, cuja origem remonta aos idos dos anos 1900 e nos quais, em momento algum, se verifica qualquer atribuição de propriedade ao Condomínio, quer sobre a extensão maior de terra, quer sobre o lote comprado pela Autora ou sobre a parcela desse lote que é reivindicada. 10. Aescritura pública apresentada pela Autora, devidamente registrada no Registro de Imóveis, diz respeito a um específico lote que foi objeto de loteamento urbano, na área denominada Setor Habitacional Jardim Botânico, em procedimento levado a efeito pela TERRACAP, vendedora e titular do imóvel loteado, matriculado no Cartório Imobiliário competente, sob número 94.870, matrícula da qual foi desmembrada a de nº 95.352, relativa ao imóvel titulado pela Autora, ao passo que o título que fora cogitado como precedente pelo perito e pelo magistrado sentenciante diz respeito à matrícula nº 34.897, cuja área total, com cerca de 14ha (quatorze hectares), está titulada por 173 co-proprietários, que são os condôminos do Condomínio Réu, cada qual com fração de 1/173 do imóvel, conforme R.1/34897. 11. Tendo em vista que o princípio da prioridade registral, quando diga respeito a registros incompatíveis entre si, somente tem aplicação em relação a matrículas relativas ao mesmo direito real, no caso, mesma propriedade imobiliária, o que não é o caso dos autos, não se poderia exigir da Autora, como fez a sentença recorrida, que provasse a invalidade daquele registro apontado como anterior, na linha do que previsto no § 2º do art. 1.245 do Código Civil, transcrito alhures, e conforme o disposto no art. 252 da Lei 6.015/1973 (O registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido). 12. Ao revés, era ao Réu que caberia desconstituir o título apresentado pela Autora, pois esta fez prova inequívoca de que é titular do domínio sobre o lote em que está encravada a área reivindicada. Contudo, como vimos, o Condomínio Réu apenas levantou discussão a respeito de outros títulos dominiais de terceiros, relativos a imóveis diversos, buscando gerar apenas suspeitas de que a área objeto do loteamento promovido pela TERRACAP é daqueles particulares que formam o Condomínio Estância Jardim Botânico, o que não infirma a validade da matrícula relativa ao específico lote de propriedade da Autora. 13. Note-se, ademais, apenas a título de obter dictum, porquanto a questão extrapola os limites da presente lide, que não é possível tomar como absoluta a conclusão do ilustre perito judicial acerca da existência de duplicidade de registros (ou se essa superposição de títulos é resultado de fraude), haja vista que há indicativos, segundo elementos extraídos de outros processos mencionados nos autos, a apontar a existência de deslocamento de títulos, prática usual de grilheiros para ocupação de terras públicas, o que também se teria verificado entre os limites da Fazenda Taboquinha (ou Fazenda Papuda II ou Papuda parte Oriental), de propriedade de particulares, e a Fazenda Papuda I (ou Fazenda Papuda parte Ocidental), imóvel público, fruto de desapropriação promovida pelo Estado de Goiás, para o fim de implantação desta Capital Federal. 14. Quanto ao requisito atinente à posse injusta, restou igualmente demonstrado nos autos que o Condomínio Réu está a ocupar a parcela do lote reivindicado pela Autora, fato alegado e não contestado pelo Réu, que, na verdade admitiu a posse sobre o imóvel vindicado, sustentando, todavia, tratar-se de posse justa, ao argumento da anterioridade do registro imobiliário de titularidade de terceiros, os condôminos, sobre o imóvel de extensão maior, onde está encravado o lote da Autora, fundamento, entretanto, como já se viu, que não tem o condão de afastar a legítima propriedade devidamente comprovada pela Autora e, por corolário, inapto a tornar legítima a posse exercida pelo Condomínio. 15. Quanto às perdas e danos também objeto da demanda, uma vez reconhecida a posse injusta, pelo Réu, do bem reivindicado, a implicar ilícita privação do uso ou usufruto regular da coisa, com obstáculo à obtenção do proveito econômico do imóvel, também há de se acolher o pleito indenizatório pretendido na inicial, cujo valor deverá ser encontrado em liquidação de sentença, fixando-se como parâmetro de cálculo, conforme requerido na inicial, o valor mensal do aluguel que se auferiria com a locação do imóvel, tendo como termo inicial a data da notificação do Condomínio para a desocupação da área, ocorrida no dia 17/11/2011, porquanto nessa data fora constituído em mora. 16. Em relação aos danos morais, o pleito carece de demonstração da sua efetiva ocorrência, porque não se pode extrair do fato narrado (posse injusta), isoladamente, nenhuma consequência direta apta a atingir, por si só, os atributos da personalidade da Autora. Necessária seria a demonstração da ocorrência de fato secundário que efetivamente tivesse atingido a esfera de interesses extrapatrimoniais da vítima do evento, porquanto, limitada a questão à análise da atuação do Réu tão somente no que diz respeito à ocupação indevida da área reivindicada, não se vislumbra a existência de danos dessa natureza. 17. Embora na inicial também se afirme que o condomínio Réu, além de ter concretizado injusta posse, imputara à Autora, frente aos demais condôminos, a pecha de esbulhadora, tal fato não ficou demonstrado nos autos, o que inviabiliza o acolhimento da conseqüência jurídica que se pretendia extrair daquela alegação. É dizer, não constituindo o só fato da posse injusta conduta suficiente para a caracterização do dano moral pleiteado e não tendo havido a prova de que fora atribuída à autora, ante terceiros, qualquer conduta desabonadora do seu nome ou honra objetiva, não há que se falar em danos morais. 18. Recurso conhecido e provido parcialmente, para reformar a sentença recorrida e julgar procedente a pretensão reivindicatória, determinando ao Réu o desfazimento das obras realizadas no imóvel, no prazo de 30 dias, e autorizando a Autora a imitir-se de imediato na posse, bem como condenando o Condomínio Réu ao pagamento de indenização por perdas e danos, a ser apurada em liquidação de sentença, calculada com base no valor de locação do imóvel, a partir da data da notificação para a desocupação (17/11/2011), invertendo-se os ônus sucumbenciais.

Data do Julgamento : 18/05/2016
Data da Publicação : 31/05/2016
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ROMULO DE ARAUJO MENDES
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