TJDF APC - 949543-20140910185658APC
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINARES:INÉPCIA DO APELO.REJEIÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. PEDIDOS REALIZADOS EM CONTRARRAZÕES. VIA INADEQUADA. MÉRITO: TRANSPORTE AÉREO. CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE.MENOR VIAJANDO DESACOMPANHADA. DORES ABDOMINAIS. FORNECIMENTO DE BOLSA TÉRMICA PELA COMISSÁRIA DE BORDO. QUEIMADURA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL. OCORRÊNCIA.QUANTIFICAÇÃO. REDUÇÃO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. À luz da jurisprudência do STJ, a mera reiteração na apelação das razões apresentadas na contestação não é suficiente para o não conhecimento do recurso, quando devidamente expostos os motivos de fato e de direito que evidenciem a intenção de reforma da decisão recorrida (AgRg no AREsp 658.767/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015). 2.1. Ostentando o recurso de apelação da ré fundamentos de fato e de direito hábeis, em tese, a rechaçar a conclusão da sentença (CPC/73, art. 514, II), rejeita-se a preliminar de irregularidade formal do apelo. 2.2. Se a argumentação exposta no apelo comporta relação direta com o exercício do direito de defesa da parte, sem incorrer em quaisquer das hipóteses abusivas previstas no art. 17 do CPC/73, afasta-se a alegação de litigância de má-fé. 3. Não se conhece dos pedidos de majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para 20% do valor da causa e de fixação dos juros de mora a contar do evento danoso (Súmula n. 54/STJ) formulados em contrarrazões, por inadequação da via eleita. 4. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda a empresa de transporte aéreo ré, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida (CDC, arts. 6º, I, e 14; CC, arts. 186, 187, 730, 733, 734, 927, 932, III, e 933), não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa.Em tais casos, basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, cuja responsabilidade somente poderá ser afastada/minorada nas hipóteses de caso fortuito/força maior (CC, art. 393), inexistência do defeito (CDC, art. 14, § 3º, I) e culpa exclusiva do ofendido ou de terceiros (CDC, art. 14, § 3º, II). 4.1. Especificamente, na hipótese de culpa exclusiva do consumidor, desaparece o nexo de causalidade entre o prejuízo experimentado e a conduta do fornecedor ao introduzir o produto ou serviço no mercado. A exclusão da responsabilidade do fornecedor, neste caso, opera-se apenas se o dano tiver sido causado por evento cuja causa deva-se apenas à própria conduta do consumidor. A demonstração da existência da culpa exclusiva da vítima deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor, ou seja, há imputação objetiva de responsabilidade do fornecedor, cabendo a ele desincumbir-se do ônus de provar a existência desta excludente (MIRAGEM, Bruno., in Curso de direito do consumidor, 2012, p. 455). 5. No particular, tem-se por incontroversa a existência do evento danoso, consistente na falha de serviços por parte da empresa aérea ré que, por meio de sua comissária de bordo (CC, arts. 932, III, e 933), agindo negligentemente, disponibilizou à autora, com 11 anos de idade na época, bolsa de água fervente, orientando a criança a colocá-la na região abdominal. Tal situação ocasionou a queimadura demonstrada por meio de fotografias nos autos, evidenciando tanto a presença do nexo causal como do prejuízo experimentado pela consumidora, não havendo falar em exclusão da responsabilidade civil com fulcro no art. 188, I, do CC. 5.1. Conquanto a ré tenha defendido a existência de culpa exclusiva da vítima, impende salientar que, pelas regras de experiência comum (CPC/73, art. 335), não é crível atribuir a uma criança de 11 anos de idade, viajando desacompanhada de seus genitores, o discernimento para ir de encontro à orientação fornecida pela comissária de bordo, retirando a bolsa de água quente de seu abdome antes de perpetrada a queimadura. 5.2. Ao fim e ao cabo, o transportador possui o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto dessa natureza (CC, art. 730, 733 e 734), mormente por se tratar de menor viajando desacompanhada sob seus cuidados. 6. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI). 6.1. No caso, o sofrimento físico da autora em razão de queimadura inesperada aliado à frustração para a viagem planejada ultrapassa a esfera do mero dissabor e configura abalo moral. Vale dizer, a lesão provocada pela conduta negligente da comissária de bordo atingiu a integridade física da autora, impondo-lhe sofrimento e maculando seus direitos de personalidade. 7. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (empresa de transporte aéreo) e a prevenção de comportamentos futuros análogos (função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva). Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 7.1. Na espécie, deve ser relevada a extensão da cicatriz decorrente da queimadura, de pequeno porte, bem como o fato de que a bolsa térmica foi disponibilizada pela comissária de bordo à autora na intenção de aliviar suas dores abdominais (boa-fé), fatos estes que, em conjunto com as demais peculiaridades dos autos, autorizam a redução do valor dos danos morais de R$ 10.000,00 para R$ 4.000,000. 8. Recurso conhecido e parcialmente provido para reduzir o valor dos danos morais para R$ 4.000,00, mantidos os demais fundamentos da sentença, inclusive quanto à sucumbência.
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRELIMINARES:INÉPCIA DO APELO.REJEIÇÃO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. PEDIDOS REALIZADOS EM CONTRARRAZÕES. VIA INADEQUADA. MÉRITO: TRANSPORTE AÉREO. CLÁUSULA DE INCOLUMIDADE.MENOR VIAJANDO DESACOMPANHADA. DORES ABDOMINAIS. FORNECIMENTO DE BOLSA TÉRMICA PELA COMISSÁRIA DE BORDO. QUEIMADURA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL. OCORRÊNCIA.QUANTIFICAÇÃO. REDUÇÃO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. À luz da jurisprudência do STJ, a mera reiteração na apelação das razões apresentadas na contestação não é suficiente para o não conhecimento do recurso, quando devidamente expostos os motivos de fato e de direito que evidenciem a intenção de reforma da decisão recorrida (AgRg no AREsp 658.767/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015). 2.1. Ostentando o recurso de apelação da ré fundamentos de fato e de direito hábeis, em tese, a rechaçar a conclusão da sentença (CPC/73, art. 514, II), rejeita-se a preliminar de irregularidade formal do apelo. 2.2. Se a argumentação exposta no apelo comporta relação direta com o exercício do direito de defesa da parte, sem incorrer em quaisquer das hipóteses abusivas previstas no art. 17 do CPC/73, afasta-se a alegação de litigância de má-fé. 3. Não se conhece dos pedidos de majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para 20% do valor da causa e de fixação dos juros de mora a contar do evento danoso (Súmula n. 54/STJ) formulados em contrarrazões, por inadequação da via eleita. 4. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda a empresa de transporte aéreo ré, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida (CDC, arts. 6º, I, e 14; CC, arts. 186, 187, 730, 733, 734, 927, 932, III, e 933), não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa.Em tais casos, basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, cuja responsabilidade somente poderá ser afastada/minorada nas hipóteses de caso fortuito/força maior (CC, art. 393), inexistência do defeito (CDC, art. 14, § 3º, I) e culpa exclusiva do ofendido ou de terceiros (CDC, art. 14, § 3º, II). 4.1. Especificamente, na hipótese de culpa exclusiva do consumidor, desaparece o nexo de causalidade entre o prejuízo experimentado e a conduta do fornecedor ao introduzir o produto ou serviço no mercado. A exclusão da responsabilidade do fornecedor, neste caso, opera-se apenas se o dano tiver sido causado por evento cuja causa deva-se apenas à própria conduta do consumidor. A demonstração da existência da culpa exclusiva da vítima deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor, ou seja, há imputação objetiva de responsabilidade do fornecedor, cabendo a ele desincumbir-se do ônus de provar a existência desta excludente (MIRAGEM, Bruno., in Curso de direito do consumidor, 2012, p. 455). 5. No particular, tem-se por incontroversa a existência do evento danoso, consistente na falha de serviços por parte da empresa aérea ré que, por meio de sua comissária de bordo (CC, arts. 932, III, e 933), agindo negligentemente, disponibilizou à autora, com 11 anos de idade na época, bolsa de água fervente, orientando a criança a colocá-la na região abdominal. Tal situação ocasionou a queimadura demonstrada por meio de fotografias nos autos, evidenciando tanto a presença do nexo causal como do prejuízo experimentado pela consumidora, não havendo falar em exclusão da responsabilidade civil com fulcro no art. 188, I, do CC. 5.1. Conquanto a ré tenha defendido a existência de culpa exclusiva da vítima, impende salientar que, pelas regras de experiência comum (CPC/73, art. 335), não é crível atribuir a uma criança de 11 anos de idade, viajando desacompanhada de seus genitores, o discernimento para ir de encontro à orientação fornecida pela comissária de bordo, retirando a bolsa de água quente de seu abdome antes de perpetrada a queimadura. 5.2. Ao fim e ao cabo, o transportador possui o dever de zelar pela incolumidade do passageiro na extensão necessária a lhe evitar qualquer acontecimento funesto dessa natureza (CC, art. 730, 733 e 734), mormente por se tratar de menor viajando desacompanhada sob seus cuidados. 6. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI). 6.1. No caso, o sofrimento físico da autora em razão de queimadura inesperada aliado à frustração para a viagem planejada ultrapassa a esfera do mero dissabor e configura abalo moral. Vale dizer, a lesão provocada pela conduta negligente da comissária de bordo atingiu a integridade física da autora, impondo-lhe sofrimento e maculando seus direitos de personalidade. 7. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (empresa de transporte aéreo) e a prevenção de comportamentos futuros análogos (função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva). Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 7.1. Na espécie, deve ser relevada a extensão da cicatriz decorrente da queimadura, de pequeno porte, bem como o fato de que a bolsa térmica foi disponibilizada pela comissária de bordo à autora na intenção de aliviar suas dores abdominais (boa-fé), fatos estes que, em conjunto com as demais peculiaridades dos autos, autorizam a redução do valor dos danos morais de R$ 10.000,00 para R$ 4.000,000. 8. Recurso conhecido e parcialmente provido para reduzir o valor dos danos morais para R$ 4.000,00, mantidos os demais fundamentos da sentença, inclusive quanto à sucumbência.
Data do Julgamento
:
22/06/2016
Data da Publicação
:
28/06/2016
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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