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Jurisprudência


TJDF APC - 952954-20140110955264APC

Ementa
CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO. PAGAMENTO. DESCONTO DE PRESTAÇÕES PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. LIMITE LEGALMENTE ESTABELECIDO (30%). art. 116, §2º, da Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e art. 10 do Decreto Distrital nº 28.195/2007. OBSERVÂNCIA. DÉBITO EM CONTA CORRENTE. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM 30% DO VALOR DA REMUNERAÇÃO CREDITADA. FALTA DE AMPARO LEGAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA DA VONTADE e PACTA SUNT SERVANDA. LIVRE DISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS CONSTANTES DE CONTA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE COMPROMETIMENTO DA SUBSISTÊNCIA PRÓPRIA E FAMILIAR. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO OBSERVADA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1 - O salário, diante de sua natureza alimentar, é instituto protegido constitucionalmente (art. 7º, inciso X, da Constituição Federal) contra eventuais abusos contra ele impingidos, dentre os quais se encontra sua retenção dolosa. 2 - A fim de dar efetividade à norma constitucional mencionada e contemplar a natureza alimentar do salário, foram criados alguns mecanismos cujo objetivo é garantir a proteção desse instituto de forma a assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) e o mínimo existencial inerente a todos os indivíduos, dentre os quais se encontram a impenhorabilidade do salário disposta no artigo 649, inciso IV do Código de Processo Civil de 1973, a Lei nº 10.820/2003 e o Decreto nº 6.386/2008 que tratam da consignação em folha de pagamento para os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e para os servidores públicos federais, respectivamente, bem como a Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e o Decreto Distrital nº 28.195/2007, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento dos seus servidores civis e militares. 2.1 - Nos termos do art. 116, §2º, da Lei Complementar Distrital nº 840/2011 e do art. 10 do Decreto Distrital nº 28.195/2007, a soma das consignações facultativas não poderá exceder a 30% da respectiva remuneração. 2.2 - In casu, dos contracheques do apelante (fls. 27/28) verifica-se como margem consignável o valor de R$ 603,19 e, por simples cálculo aritmético, constata-se que os valores mensais das parcelas dos contratos de mútuo celebrado entre as partes, cujos pagamentos ocorrem por meio de consignação em folha perfazem a quantia de R$ 310,36. Logo, os valores mensais pagos por meio de consignação em folha perfazem quantia aquém do limite de 30% estabelecido legalmente como margem consignável. 3 - A referida limitação (30%) diz respeito apenas à Administração Pública, que não pode autorizar empréstimo superior a esse percentual quando o pagamento das prestações ocorrer por meio de consignação em folha, não havendo impedimento legal para que o servidor contrate mútuo com parcelas em valor superior, a ser pago mediante débito em conta corrente. 3.1 - Nos contratos de empréstimo que estabeleçam o pagamento por meio de débito em conta corrente, deve-se respeitar o princípio da autonomia da vontade e o princípio pacta sunt servanda, considerando que as condições pactuadas foram livremente aceitas pelas partes no momento da celebração do negócio jurídico, não sendo admitida a alteração unilateral do contrato regularmente firmado e sem violação a quaisquer das normas insertas no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil ou demais legislações aplicáveis à espécie, que vise à limitação do valor das parcelas pagas a 30% do importe creditado em conta bancária a título de recumeração. 4 - Apesar de existir corrente jurisprudencial que utiliza, por analogia, o limite de 30% relativo à consignação em folha para os descontos decorrentes de contratos de mútuo cujo pagamento é realizado por meio de débito em conta bancária, referido entendimento somente é aplicado quando há a apropriação integral dos depósitos feitos a título de salários ou rendimentos em conta bancária, ou de sua quase totalidade, a fim de primar pela salvaguarda dos direitos da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, resguardando, assim, a subsistência da pessoa, o que não se verifica do caso posto sob análise. 4.1 - Em observância ao extrato bancário acostado à fl. 26, constata-se que o apelante recebeu remuneração paga pelo Distrito Federal no importe de R$ 3.841,23, tendo pago R$ 636,87 a título de refinanciamento de empréstimo e liquidação parcela consignado, restando comprometido 16,57% da remuneração percebida. No extrato bancário de fl. 24, observa-se o recebimento de remuneração de R$ 4.009,74 paga pelo Distrito Federal, tendo sido debitado a título de refinanciamento de empréstimo e liquidação parcela consignado o valor de R$ 750,19, comprometendo, portanto, o percentual de 18,7% da remuneração creditada em conta corrente. 4.2 - Já no extrato bancário de fl. 25, constata-se que, de fato, o valor debitado pela instituição financeira sob as insígnias de refinanciamento de empréstimo e de liquidação parcela consignado ultrapassou, em muito, o valor percebido a título de salário/remuneração paga pelo Distrito Federal ao apelante. No entanto, do mesmo extrato também se observa a existência de crédito nos valores de R$ 23.000,00 e de R$ 3.000,00. Logo, dos R$ 30.009,74 creditados na conta corrente do apelante, cerca de 22% do valor creditado (R$ 6.575,44) foi comprometido com o pagamento dos empréstimos contraídos, valor este que está aquém da margem de 30% excepcionalmente adotada pela jurisprudência em casos de desconto direto em conta bancária que, notadamente, violam o princípio da dignidade da pessoa humana. 4.3 - Em que pese o apelante ter alegado estar sobrevivendo com o valor auferido com a venda de um imóvel e com o auxílio de familiares, não comovou tais fatos, à luz do disposto no art. 333, inciso I, do CPC/1973. 5 - O desconto procedido pela instituição financeira credora na conta corrente do devedor, por si só, não importa em ilegalidade, diante do princípio da autonomia da vontade e livre disponibilidade dos créditos havidos em conta bancária. 6 - Recurso conhecido e improvido. Sentença mantida.

Data do Julgamento : 06/07/2016
Data da Publicação : 11/07/2016
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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