TJDF APC - 955604-20150110910108APC
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE SEVERA ATROFIA EM REGIÃO ANTERIOR SUPERIOR SECUNDARIAMENTE A TRAUMATISMO ALVÉOLO DENTÁRIO, COM LIMITAÇÃO NA FUNÇÃO MASTIGATÓRIA, FUNÇÃO RESPIRATÓRIA E NA FONAÇÃO. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO CIRÚRGICA BUCO-MAXILO-FACIAL. CUSTEIO DOS MATERIAIS. POSSIBILIDADE. RECUSA ABUSIVA DO PLANO DE SAÚDE. HONORÁRIOS DE CIRURGIÃO-DENTISTA NÃO CONVENIADO. FALTA DE EMERGÊNCIA OU URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO. CUSTEIO INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. REEMBOLSO. LIMITAÇÃO À TABELA DO PLANO. ADMISSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. OCORRÊNCIA. QUANTIFICAÇÃO. REDUÇÃO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde (Súmula n. 469/STJ). Nesse passo, as cláusulas restritivas de direitos devem ser redigidas de forma clara (CDC, art. 54, § 4º), além da primazia da interpretação mais favorável ao consumidor, diante de sua hipossuficiência frente à operadora do plano de saúde (CDC, art. 47). 3. No particular, incontroverso ser o autor portador de severa atrofia em região anterior superior secundariamente a traumatismo alvéolo dentário, com limitação na função mastigatória, função respiratória e na fonação, além de intenso mau hálito, devido ao acúmulo de alimentos na região debilitada, com a necessidade de intervenção cirúrgica buco-maxilo-facial (osteotomia segmentada com interposição de enxerto ósseo previamente à instalação de implante dentário), tudo conforme relatório firmado pelo profissional competente. Também não há controvérsia no tocante à obrigatoriedade do plano de saúde de cobrir o procedimento cirúrgico buco-maxilo-facial, nos termos do art. 12 e 21 da Lei dos Planos de Saúde (Lei n. 9.656/98), das Cláusulas 3.2.2, 9.1, 9.3, 11 e 17 do contrato e da Súmula Normativa n. 11 da ANS, independentemente de a solicitação ter sido feita por profissional credenciado ou não. 3.1. A controvérsia cinge-se em verificar: a) se é devida ou não a cobertura dos materiais afetos à cirurgia; b) se é devida ou não a cobertura, ainda que parcial, dos honorários de profissional não conveniado; e c) se houve ou não danos morais suportados pelo autor em razão da negativa do plano de saúde, além da delimitação do valor. 4. Do cotejo dos autos, verifica-se que o profissional eleito pelo autor arrolou detalhadamente os materiais necessários à realização da cirurgia buco-maxilo-facial, sugerindo fornecedor e apresentando justificativa para a sua utilização, não tendo o plano de saúde réu especificado o motivo da divergência. 4.1. Se o contrato de plano de saúde prevê a cobertura de determinado tratamento, não podem ser excluídos os procedimentos imprescindíveis para o seu êxito (AgRg no AREsp 35.266/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 07/11/2011). 4.2. Ao excluir determinado tipo de material indispensável à realização da cirurgia e à recuperação da higidez física do consumidor, a cláusula limitadora acaba por negar o próprio objetivo do contrato, ferindo as legítimas expectativas criadas ao tempo da contratação, que visavam a preservação do estado de saúde por meio da ampla assistência médico-hospitalar (CDC, art. 51, IV e XV). 5. Quanto aos honorários do profissional de livre escolha do autor, é de se observar que os planos de saúde contam com rede credenciada de fornecedores de serviços. Assim, em prol do equilíbrio financeiro do contrato, o segurado que optar por ser atendido por profissional de sua livre escolha não poderá impor o custeio da totalidade dos honorários médicos ao plano de saúde. Apenas nos casos de emergência/urgência é que incumbe ao plano de saúde custear tratamento por profissional fora da rede credenciada, incluindo os honorários do profissional, o que não é o caso dos autos. 5.1. Não se pode olvidar, entretanto, que o Plano Blue 500, ao qual aderiu o autor, possibilita a livre escolha de profissionais, prevendo, nesses casos, a possibilidade de reembolso, com limitações aos valores contidos na tabela do plano, conforme Cláusulas 17.1. e 17.4. Dessa forma, ainda que haja cláusula excluindo a cobertura dos honorários do cirurgião-dentista, assiste razão ao autor nesse ponto, a fim de possibilitar o reembolso dos honorários do profissional, com observância da limitação da tabela disponibilizada pela AMIL. Inteligência do art. 47 do CDC, que trata da interpretação dos contratos da maneira mais favorável ao consumidor. 6. A responsabilidade civil das operados de plano de saúde é objetiva, fundada no risco da atividade por elas desenvolvida, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa (Súmula n. 469/STJ; CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187, 389, 475 e 927; Lei n. 9.656/98). Basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, para fins de reparação. 7. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza. 7.1. A não apresentação de justificativa para a recusa de cobertura do procedimento buco-maxilo-facial do autor, na forma e no prazo estabelecido pela Resolução n. 319/13 da ANS (vigente à época), bem como a alegação constante da inicial, de que a realização de tal procedimento foi condicionada à assinatura de termo de desistência dos honorários médicos, acarretaram ao consumidor constrangimento, dor, sofrimento, medo, sentimento de impotência e indignação suficientemente capazes de consubstanciar dano moral in re ipsa, ferindo os deveres anexos de conduta na relação contratual, notadamente quanto à boa-fé (CC, art. 422). 7.2. A contratação de plano de saúde gera a legítima expectativa no consumidor de que obterá o adequado tratamento médico, necessário ao restabelecimento da saúde, cuja frustração viola a dignidade da pessoa humana e ultrapassa a esfera do mero inadimplemento contratual, atingindo o direito de personalidade. 8. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (plano de saúde) e a prevenção de comportamentos futuros análogos (função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva). Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 8.1. Na espécie, sem se olvidar do sentimento de impotência manifestado pelo consumidor, é de se registrar que a intervenção cirúrgica buco-maxilo-facial não ostenta caráter de urgência ou emergência, fato este que, em conjunto com as demais peculiaridades dos autos, autorizam a redução do valor dos danos morais de R$ 10.000,00 para R$ 4.000,00. 9. Recursos conhecidos e parcialmente providos quanto a) ao reembolso dos honorários do cirurgião-dentista, de acordo com a limitação imposta pela tabela do plano de saúde; e b) à redução do valor dos danos morais para R$ 4.000,00. Demais termos da sentença mantidos, inclusive em relação ao ônus da sucumbência.
Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE SAÚDE. AUTOR PORTADOR DE SEVERA ATROFIA EM REGIÃO ANTERIOR SUPERIOR SECUNDARIAMENTE A TRAUMATISMO ALVÉOLO DENTÁRIO, COM LIMITAÇÃO NA FUNÇÃO MASTIGATÓRIA, FUNÇÃO RESPIRATÓRIA E NA FONAÇÃO. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO CIRÚRGICA BUCO-MAXILO-FACIAL. CUSTEIO DOS MATERIAIS. POSSIBILIDADE. RECUSA ABUSIVA DO PLANO DE SAÚDE. HONORÁRIOS DE CIRURGIÃO-DENTISTA NÃO CONVENIADO. FALTA DE EMERGÊNCIA OU URGÊNCIA DO PROCEDIMENTO. CUSTEIO INTEGRAL. IMPOSSIBILIDADE. REEMBOLSO. LIMITAÇÃO À TABELA DO PLANO. ADMISSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL IN RE IPSA. OCORRÊNCIA. QUANTIFICAÇÃO. REDUÇÃO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde (Súmula n. 469/STJ). Nesse passo, as cláusulas restritivas de direitos devem ser redigidas de forma clara (CDC, art. 54, § 4º), além da primazia da interpretação mais favorável ao consumidor, diante de sua hipossuficiência frente à operadora do plano de saúde (CDC, art. 47). 3. No particular, incontroverso ser o autor portador de severa atrofia em região anterior superior secundariamente a traumatismo alvéolo dentário, com limitação na função mastigatória, função respiratória e na fonação, além de intenso mau hálito, devido ao acúmulo de alimentos na região debilitada, com a necessidade de intervenção cirúrgica buco-maxilo-facial (osteotomia segmentada com interposição de enxerto ósseo previamente à instalação de implante dentário), tudo conforme relatório firmado pelo profissional competente. Também não há controvérsia no tocante à obrigatoriedade do plano de saúde de cobrir o procedimento cirúrgico buco-maxilo-facial, nos termos do art. 12 e 21 da Lei dos Planos de Saúde (Lei n. 9.656/98), das Cláusulas 3.2.2, 9.1, 9.3, 11 e 17 do contrato e da Súmula Normativa n. 11 da ANS, independentemente de a solicitação ter sido feita por profissional credenciado ou não. 3.1. A controvérsia cinge-se em verificar: a) se é devida ou não a cobertura dos materiais afetos à cirurgia; b) se é devida ou não a cobertura, ainda que parcial, dos honorários de profissional não conveniado; e c) se houve ou não danos morais suportados pelo autor em razão da negativa do plano de saúde, além da delimitação do valor. 4. Do cotejo dos autos, verifica-se que o profissional eleito pelo autor arrolou detalhadamente os materiais necessários à realização da cirurgia buco-maxilo-facial, sugerindo fornecedor e apresentando justificativa para a sua utilização, não tendo o plano de saúde réu especificado o motivo da divergência. 4.1. Se o contrato de plano de saúde prevê a cobertura de determinado tratamento, não podem ser excluídos os procedimentos imprescindíveis para o seu êxito (AgRg no AREsp 35.266/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 07/11/2011). 4.2. Ao excluir determinado tipo de material indispensável à realização da cirurgia e à recuperação da higidez física do consumidor, a cláusula limitadora acaba por negar o próprio objetivo do contrato, ferindo as legítimas expectativas criadas ao tempo da contratação, que visavam a preservação do estado de saúde por meio da ampla assistência médico-hospitalar (CDC, art. 51, IV e XV). 5. Quanto aos honorários do profissional de livre escolha do autor, é de se observar que os planos de saúde contam com rede credenciada de fornecedores de serviços. Assim, em prol do equilíbrio financeiro do contrato, o segurado que optar por ser atendido por profissional de sua livre escolha não poderá impor o custeio da totalidade dos honorários médicos ao plano de saúde. Apenas nos casos de emergência/urgência é que incumbe ao plano de saúde custear tratamento por profissional fora da rede credenciada, incluindo os honorários do profissional, o que não é o caso dos autos. 5.1. Não se pode olvidar, entretanto, que o Plano Blue 500, ao qual aderiu o autor, possibilita a livre escolha de profissionais, prevendo, nesses casos, a possibilidade de reembolso, com limitações aos valores contidos na tabela do plano, conforme Cláusulas 17.1. e 17.4. Dessa forma, ainda que haja cláusula excluindo a cobertura dos honorários do cirurgião-dentista, assiste razão ao autor nesse ponto, a fim de possibilitar o reembolso dos honorários do profissional, com observância da limitação da tabela disponibilizada pela AMIL. Inteligência do art. 47 do CDC, que trata da interpretação dos contratos da maneira mais favorável ao consumidor. 6. A responsabilidade civil das operados de plano de saúde é objetiva, fundada no risco da atividade por elas desenvolvida, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa (Súmula n. 469/STJ; CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187, 389, 475 e 927; Lei n. 9.656/98). Basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, para fins de reparação. 7. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza. 7.1. A não apresentação de justificativa para a recusa de cobertura do procedimento buco-maxilo-facial do autor, na forma e no prazo estabelecido pela Resolução n. 319/13 da ANS (vigente à época), bem como a alegação constante da inicial, de que a realização de tal procedimento foi condicionada à assinatura de termo de desistência dos honorários médicos, acarretaram ao consumidor constrangimento, dor, sofrimento, medo, sentimento de impotência e indignação suficientemente capazes de consubstanciar dano moral in re ipsa, ferindo os deveres anexos de conduta na relação contratual, notadamente quanto à boa-fé (CC, art. 422). 7.2. A contratação de plano de saúde gera a legítima expectativa no consumidor de que obterá o adequado tratamento médico, necessário ao restabelecimento da saúde, cuja frustração viola a dignidade da pessoa humana e ultrapassa a esfera do mero inadimplemento contratual, atingindo o direito de personalidade. 8. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (plano de saúde) e a prevenção de comportamentos futuros análogos (função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva). Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 8.1. Na espécie, sem se olvidar do sentimento de impotência manifestado pelo consumidor, é de se registrar que a intervenção cirúrgica buco-maxilo-facial não ostenta caráter de urgência ou emergência, fato este que, em conjunto com as demais peculiaridades dos autos, autorizam a redução do valor dos danos morais de R$ 10.000,00 para R$ 4.000,00. 9. Recursos conhecidos e parcialmente providos quanto a) ao reembolso dos honorários do cirurgião-dentista, de acordo com a limitação imposta pela tabela do plano de saúde; e b) à redução do valor dos danos morais para R$ 4.000,00. Demais termos da sentença mantidos, inclusive em relação ao ônus da sucumbência.
Data do Julgamento
:
20/07/2016
Data da Publicação
:
28/07/2016
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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