TJDF APC - 985789-20070111210850APC
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO. ANÁLISE À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIDADE HOSPITALAR E DO PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. INFECÇÃO GENERALIZADA. PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. DANO MORAL E DANO ESTÉTICO. PENSIONAMENTO MENSAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O caso vertente deve ser examinado em consonância com as normas de proteção e defesa do consumidor, na medida em que o paciente do Hospital Santa Lúcia enquadra-se no conceito de consumidor dos serviços hospitalares prestados pelo réu, amoldando-se as partes às definições de consumidor e fornecedor estabelecidas nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. 2. Para a configuração da responsabilidade civil objetiva e, via de consequência, do dever de indenizar, devem estar plenamente demonstrados os requisitos legais para tanto, quais sejam, a conduta ilícita do agente, o dano sofrido pela parte prejudicada e o nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo verificado. 3. A responsabilidade civil da rés, na espécie, é objetiva, conforme a teoria do risco da atividade, com fundamento no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e dos artigos 186, 187, 927 e 932, III, do Código Civil. 4. O Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. 5. No caso em tela, restou indene de dúvidas que o menor apelante nasceu nas dependências do hospital apelado, em boas condições clínicas. De outra sorte, em razão de ter nascido prematuro, foi necessária a internação em UTI do nosocômio apelado e, dentro das dependências da UTI, contraiu infecção causada pela bactéria stafilococus aurius. Evidenciado nos autos que o agravamento do quadro clínico do menor apelante se deu exclusivamente em razão da infecção causada pela referida bactéria, visto que, em decorrência disso, houve necessidade de realização de procedimento cirúrgico para dissecação da veia jugular, com o fim de que fosse ministrado um antibiótico para combater a infecção. 6. A denominada perda de uma chance é objeto de acirradas discussões na comunidade jurídica, tanto no plano interno quanto no âmbito internacional. No passado, a perda de uma oportunidade de obter uma vantagem ou de não experimentar um prejuízo não era tutelado pelo Direito, pois na ausência da certeza de um resultado real, a mera probabilidade ou a possibilidade da realização de algo constituía premissa indiferente para o mundo jurídico. Mas, na moldura contemporânea do Direito, a perda de uma chance assumiu novos contornos, com repercussão de natureza pecuniária. Na espécie, constatado o erro médico, reputo presente lesão à esfera personalíssima da parte autora, porquanto presentes a conduta, o dano - neste caso in re ipsa - e o nexo causal entre ambos. 7. O dano estético sempre esteve relacionado às deformidades físicas que provocam aleijão e repugnância. No entanto, com o passar do tempo, esse tipo de dano passou a ser admitido também em casos de marcas e outros defeitos físicos que causem ao paciente desgosto ou complexo de inferioridade (CAVALIERI FILHO, Sergio, in op. cit., p. 113). Desse modo, demonstrada a acentuação da imperfeição física existente, bem como evidenciado o prejuízo moral e estético experimentado pela parte autora, cuja cumulação é possível, a teor da Súmula nº 387/STJ (É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral), o dever de indenizar é medida que se impõe. 8. Não obstante a dificuldade de se mensurar a extensão do dano moral e do dano estético, dada a sua natureza extrapatrimonial, e, por consequência, a inexistência de critérios objetivos para aquilatar a dimensão do abalo psíquico, faz-se necessário ponderar a gravidade da conduta e o contexto fático em que se desenvolveu a ação, a fim de que o valor arbitrado não resulte em enriquecimento ilícito à vítima, tampouco em reprimenda desproporcional ao autor do dano. 9. No caso em testilha, considerando que a debilidade do menor apelante é permanente e houve grave comprometimento neurológico, sendo portador de deficiência mental grave e considerando ainda que houve violação aos direitos da personalidade e a ocorrência de danos estéticos, enfocando detidamente o conjunto probatório constante dos autos, bem assim as circunstâncias fáticas e a extensão da conduta ilícita, sem causar enriquecimento ilícito às vítimas e que sirva como efeito pedagógico, para que os réus não venham a agir de forma tão reprovável em relação a consumidores futuros, fixa-se, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), e a título de danos estéticos, a importância de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com a incidência de juros de mora e correção monetária desde a data do arbitramento (súmula 362 do STJ). 10. Levando-se em consideração a incapacidade laboral do menor apelante, a invalidez permanente e suas peculiaridades, incluindo a necessidade para atividades básicas e de locomoção e também as despesas necessárias a uma vida digna, bem como também a expectativa média de vida da população brasileira, impõe-se a fixação de pensão mensal equivalente a 01 (um) salário mínimo, computada a partir dos 14 (quatorze) anos de idade da vítima até a data em que atingir 75 (setenta e cinco anos) de idade ou até a sua morte, o que primeiro ocorrer, incidindo, após o vencimento de cada parcela, correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês. 11. A despeito da responsabilidade solidária dos réus, há nos autos informações de que a operadora do plano de saúde vem custeando todo o tratamento de transplantes renais e hemodiálise do menor apelante. Assim, em que pese eventual confusão patrimonial entre tais entidades por participarem do mesmo grupo econômico, mas dada sua personalidade jurídica própria e desvinculada do hospital, a despeito de a condenação pelos danos morais e danos estéticos incidir de forma solidária aos réus, o pagamento do pensionamento mensal caberá única e exclusivamente ao nosocômio. 12. Recurso conhecido e parcialmente provido.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO. ANÁLISE À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIDADE HOSPITALAR E DO PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. INFECÇÃO GENERALIZADA. PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. DANO MORAL E DANO ESTÉTICO. PENSIONAMENTO MENSAL. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. O caso vertente deve ser examinado em consonância com as normas de proteção e defesa do consumidor, na medida em que o paciente do Hospital Santa Lúcia enquadra-se no conceito de consumidor dos serviços hospitalares prestados pelo réu, amoldando-se as partes às definições de consumidor e fornecedor estabelecidas nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor. 2. Para a configuração da responsabilidade civil objetiva e, via de consequência, do dever de indenizar, devem estar plenamente demonstrados os requisitos legais para tanto, quais sejam, a conduta ilícita do agente, o dano sofrido pela parte prejudicada e o nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo verificado. 3. A responsabilidade civil da rés, na espécie, é objetiva, conforme a teoria do risco da atividade, com fundamento no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor e dos artigos 186, 187, 927 e 932, III, do Código Civil. 4. O Juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. 5. No caso em tela, restou indene de dúvidas que o menor apelante nasceu nas dependências do hospital apelado, em boas condições clínicas. De outra sorte, em razão de ter nascido prematuro, foi necessária a internação em UTI do nosocômio apelado e, dentro das dependências da UTI, contraiu infecção causada pela bactéria stafilococus aurius. Evidenciado nos autos que o agravamento do quadro clínico do menor apelante se deu exclusivamente em razão da infecção causada pela referida bactéria, visto que, em decorrência disso, houve necessidade de realização de procedimento cirúrgico para dissecação da veia jugular, com o fim de que fosse ministrado um antibiótico para combater a infecção. 6. A denominada perda de uma chance é objeto de acirradas discussões na comunidade jurídica, tanto no plano interno quanto no âmbito internacional. No passado, a perda de uma oportunidade de obter uma vantagem ou de não experimentar um prejuízo não era tutelado pelo Direito, pois na ausência da certeza de um resultado real, a mera probabilidade ou a possibilidade da realização de algo constituía premissa indiferente para o mundo jurídico. Mas, na moldura contemporânea do Direito, a perda de uma chance assumiu novos contornos, com repercussão de natureza pecuniária. Na espécie, constatado o erro médico, reputo presente lesão à esfera personalíssima da parte autora, porquanto presentes a conduta, o dano - neste caso in re ipsa - e o nexo causal entre ambos. 7. O dano estético sempre esteve relacionado às deformidades físicas que provocam aleijão e repugnância. No entanto, com o passar do tempo, esse tipo de dano passou a ser admitido também em casos de marcas e outros defeitos físicos que causem ao paciente desgosto ou complexo de inferioridade (CAVALIERI FILHO, Sergio, in op. cit., p. 113). Desse modo, demonstrada a acentuação da imperfeição física existente, bem como evidenciado o prejuízo moral e estético experimentado pela parte autora, cuja cumulação é possível, a teor da Súmula nº 387/STJ (É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral), o dever de indenizar é medida que se impõe. 8. Não obstante a dificuldade de se mensurar a extensão do dano moral e do dano estético, dada a sua natureza extrapatrimonial, e, por consequência, a inexistência de critérios objetivos para aquilatar a dimensão do abalo psíquico, faz-se necessário ponderar a gravidade da conduta e o contexto fático em que se desenvolveu a ação, a fim de que o valor arbitrado não resulte em enriquecimento ilícito à vítima, tampouco em reprimenda desproporcional ao autor do dano. 9. No caso em testilha, considerando que a debilidade do menor apelante é permanente e houve grave comprometimento neurológico, sendo portador de deficiência mental grave e considerando ainda que houve violação aos direitos da personalidade e a ocorrência de danos estéticos, enfocando detidamente o conjunto probatório constante dos autos, bem assim as circunstâncias fáticas e a extensão da conduta ilícita, sem causar enriquecimento ilícito às vítimas e que sirva como efeito pedagógico, para que os réus não venham a agir de forma tão reprovável em relação a consumidores futuros, fixa-se, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), e a título de danos estéticos, a importância de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), com a incidência de juros de mora e correção monetária desde a data do arbitramento (súmula 362 do STJ). 10. Levando-se em consideração a incapacidade laboral do menor apelante, a invalidez permanente e suas peculiaridades, incluindo a necessidade para atividades básicas e de locomoção e também as despesas necessárias a uma vida digna, bem como também a expectativa média de vida da população brasileira, impõe-se a fixação de pensão mensal equivalente a 01 (um) salário mínimo, computada a partir dos 14 (quatorze) anos de idade da vítima até a data em que atingir 75 (setenta e cinco anos) de idade ou até a sua morte, o que primeiro ocorrer, incidindo, após o vencimento de cada parcela, correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês. 11. A despeito da responsabilidade solidária dos réus, há nos autos informações de que a operadora do plano de saúde vem custeando todo o tratamento de transplantes renais e hemodiálise do menor apelante. Assim, em que pese eventual confusão patrimonial entre tais entidades por participarem do mesmo grupo econômico, mas dada sua personalidade jurídica própria e desvinculada do hospital, a despeito de a condenação pelos danos morais e danos estéticos incidir de forma solidária aos réus, o pagamento do pensionamento mensal caberá única e exclusivamente ao nosocômio. 12. Recurso conhecido e parcialmente provido.
Data do Julgamento
:
26/10/2016
Data da Publicação
:
15/12/2016
Órgão Julgador
:
5ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
SILVA LEMOS
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