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Jurisprudência


TJDF APC - 988870-20100111835799APC

Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. INSTRUMENTO PARTICULAR DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL, TENDO POR OBJETO A CONSTRUÇÃO DE CASA RESIDENCIAL. EMPREITADA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. I - PRELIMINARES: A) AGRAVO RETIDO INTERPOSTO CONTRA O INDEFERIMENTO DA PROVA ORAL. DECISÃO RECONSIDERADA. B) AGRAVO RETIDO INTERPOSTO CONTRA O INDEFERIMENTO DA OITIVA DE UM DAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO. C) AGRAVO RETIDO INTERPOSTO CONTRA A DECISÃO QUE INDEFERIU A POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DA MULTA FIXADA EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REITERAÇÃO. RECURSO CONHECIDO. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. NÃO INCIDÊNCIA DE MULTA COMINATÓRIA. SÚMULA N. 372/STJ. DESPROVIMENTO. II - MÉRITO: A) ENTREGA DO IMÓVEL. TRINCAS, RACHADURAS, PISO SOLTO. PROBLEMAS NA COBERTURA. VAZAMENTO NA PISCINA. DANOS AO JARDIM. CONSTATAÇÃO VIA LAUDO PERICIAL. PRESUNÇÃO DE IMPARCIALIDADE. MÁ PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREITEIRO. B) PRAZO QUINQUENAL DE SEGURANÇA E SOLIDEZ DA CONSTRUÇÃO (CC, ART. 618). MARCO INICIAL. ENTREGA DA OBRA. EXTENSÃO DA GARANTIA PARA O TRÂNSITO EM JULGADO. INVIABILIDADE. C) DANOS MATERIAIS. VALORES DESEMBOLSADOS. COMPROVAÇÃO EM PARTE. D) DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. MANUTENÇÃO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. E) DISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. PATAMAR DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. TÓPICOS PREJUDICADOS. III - CONCLUSÃO: RECURSOS DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDOS. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. DESCABIMENTO. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. Desnecessária a apreciação do agravo retido (fls. 1.010-1.011) interposto pelos autores contra o indeferimento da realização de prova oral, uma vez que a respectiva decisão foi reconsiderada. 3. Conforme art. 523, § 1º, do CPC/73, não se conhece de agravo retido interposto pelos autores, em audiência (fl. 1.046), contra a decisão que indeferiu a oitiva de uma das testemunhas, pois não foi reiterado o pedido de julgamento daquele recurso na apelação interposta, requisito indispensável para a sua apreciação, preclusa a matéria ali tratada. 4. Conhece-se do agravo retido interposto pelos autores (fls. 452-455) contra a decisão que indeferiu a possibilidade de cobrança da multa fixada em sede de antecipação de tutela, a fim de compelir a ré a entregar todas as plantas e projetos da casa, uma vez que devidamente reiterado nas razões de apelação (CPC/73, art. 523). 4.1. Nos termos do art. 1.047 do CPC/2015 as provas requeridas ou determinadas de ofício antes da vigência do novo Código de Processo Civil continuarão a ser reguladas pelas regras do Código de Processo Civil de 1973, tratando-se a situação de hipótese de ultra-atividade da norma revogada(Acórdão n. 975682, 20160020102714AGI, Relator: SIMONE LUCINDO 1ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/10/2016, Publicado no DJE: 07/11/2016. Pág.: 226-249). 4.2. Conforme Súmula n. 372/STJ, em se tratando de obrigação de fazer consistente na entrega de documentos, não há falar em incidência de multa cominatória, porque existem outros instrumentos e sanções processuais capazes de suprir eventual descumprimento da decisão judicial, tais como a presunção de que as informações insertas na documentação são verdadeiras (CPC/73, art. 359) ou a determinação de busca e apreensão. Agravo retido desprovido. 5. A principal obrigação do empreiteiro é executar a obra, tal qual lhe foi encomendada. Cuida-se de uma obrigação de resultado, porque se obriga pela boa execução da obra, de modo a garantir sua solidez e capacidade para atender ao objetivo para o qual foi encomendada. Defeitos na obra, aparentes ou ocultos, que importem sua ruína total ou parcial configuram violação do dever de segurança do construtor, verdadeira obrigação de garantia (ele é o garante da obra), ensejando-lhe o dever de reparação de danos independentemente de culpa, conforme arts. 618 do CC e 12, 14, 18 e 20 do CDC (CAVALIERI FILHO, Sergio., inPrograma de responsabilidade civil, 2012, p. 379). 6. No particular, verifica-se que as partes celebraram, em 16/8/2007, Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Bem Imóvel localizado no Setor de Mansões Dom Bosco, referente ao empreendimento Contemporâneo Residencial Ecológico, tendo por objeto a construção de casa residencial, conforme especificações insertas no Item III do pacto, pelo valor de R$ 1.631.953,18 (um milhão, seiscentos e trinta e um mil, novecentos e cinquenta e três reais e dezoito centavos) - Item IV -, com previsão de conclusão da obra em 30/10/2008, admitida a tolerância de 90 dias úteis, independentemente de qualquer condição (Item 8.1). 6.1. Segundo a Cláusula 8ª, o imóvel deveria ser construído com fiel observância das plantas aprovadas, das especificações e do memorial descritivo do empreendimento, cabendo ao promissário comprador proceder à vistoria rigorosa e apresentar suas reclamações em relação aos defeitos aparentes ou de fácil constatação, no prazo de 48h, observados os seguintes prazos de decadência (Item 8.6): a) 90 dias, contados da entrega da unidade, para reclamar possíveis defeitos aparentes ou de fácil constatação; b) em se tratando de vícios ocultos, 90 dias, constados do momento em que ficar evidenciado o defeito, devendo a prova da anterioridade ser efetuada pelo promissário comprador; c) 5 anos, constados da data em que a chave do imóvel ficar à disposição do promissário comprador da unidade, com relação à solidez e segurança da edificação (CC, art. 618). 6.2. O contrato foi objeto de aditivo contratual, ocasião em que o preço ajustado foi majorado para R$ 1.911.953,18 (um milhão, novecentos e onze mil, novecentos e cinquenta e três reais e dezoito centavos), tendo em vista modificações no projeto original. 7. Sob esse panorama, os autores sustentam que passaram a residir no imóvel em 15/2/2009, sem que fosse realizada vistoria final, ponderando que o bem foi entregue com inúmeras impropriedades técnicas, o que ensejou constantes intervenções (problemas de trincas e rachaduras, no piso, na cobertura, nas pedras portuguesas, falha de projeto, na rede elétrica, na piscina, no jardim etc.), para fins indenizatórios. A construtora ré, por sua vez, defende a regularidade da obra, a fim de afastar sua responsabilidade civil. 8. Diante da controvérsia instaurada, foi determinada a realização de perícia nos autos, por meio de inspeções in loco do objeto e avaliação de outras provas documentais e testemunhais, ocasião em que foram verificados problemas decorrentes da concepção arquitetônica, bem como falhas na execução da obra. 8.1. O perito, ao responder o Quesito 2 dos autores (fls. 542-543), constatou a presença de trinca com ângulo próximo a 45º na lateral da porta da entrada principal, advinda de problema estrutural relativo à fundação da edificação. Foram encontradas trincas nas janelas e em outros locais, restritas às alvenarias, sendo causadas por falhas de execução das vergas e contra vergas (vigas de concreto que devem ser executadas nas posições superiores e inferiores das esquadrias), causando prejuízos estéticos e a possibilidade de desenvolvimento de fungos, conforme resposta ao Quesito 3 dos autores (fls. 543-547). Estas trincas, apesar de não comprometerem a segurança estrutural da edificação, não devem ser consideradas normais após a entrega da edificação ao cliente. A ocorrência destes tipos de trincas só é normal na fase de construção, portanto deveriam ter sido corrigidas antes da conclusão da edificação (Quesito 21 da ré - fl. 569). 8.2. Em resposta ao Quesito 4 dos autores (fls. 547-549), identificou o il. Perito a presença de placas de cerâmicas soltas em diversos cômodos da residência, em maior quantidade no corredor, em consequência de falhas no assentamento. Considerando que a norma NBR 15575-1-2013 estabelece que a vida útil do projeto de revestimento cerâmico em pisos internos deve ser de no mínimo 13 anos, contados da data da obtenção da Carta Habite-se (in casu, 23/12/2008), o desprendimento das placas de porcelanato, na espécie, não pode ser considerado natural, mas sim um defeito de construção (Quesito Complementar n. 8.4 - fls. 737-738). Por sua vez, a pintura também apresentou bolhas e manchas, sempre próximas ao nível do piso, com a indicação de se tratar de umidade ascendente, oriundas das bases das alvenarias, provocando prejuízo estético e a possibilidade do apodrecimento da madeira dos móveis, quando rentes as mesmas. Essas infiltrações, segundo o laudo, não são normais e não podem ser aceitas como normalidade de obra (Quesito 22 de fls. 569-570). Além disso, poderiam ser evitadas com a impermeabilização correta das bases das alvenarias. 8.3. Na cobertura (Quesito 8 - fls. 15-18; Quesitos Complementares n. 11.2 e 11.3 - fl. 741), o il. Perito consignou que os serviços de impermeabilização não foram adequadamente executados, no que se refere às calhas, não tendo sido instalados ralos para proteger os tubos de queda contra obstruções. Na laje impermeabilizada existente acima da sala de estar-jantar, além da falta de ralo, aduziu que o caimento foi executado com depressão, provocando a retenção de água com risco de proliferação de mosquitos. 8.4. O Perito, ao responder os Quesitos 11 e 12 dos autores (fls. 555-558), abordou que o projeto arquitetônico determinou o nivelamento dos pisos internos com o piso externo da residência, o que possibilita a entrada de águas pluviais em seu interior em decorrência de eventual transbordamento das calhas de captação do piso externo. Conforme resposta dada ao Quesito Complementar n. 2.17 (fl. 693), a inundação da residência foi devido à entrada no lote de grande volume de águas pluviais, oriundas do lote limítrofe em virtude da existência de aberturas na parte inferior do muro divisório dos imóveis. Sendo estas aberturas visíveis durante a execução da obra, a ré poderia ter previsto a inundação e impedido sua ocorrência, se houvesse bloqueado as aberturas. Vale dizer: por se tratar de uma empresa de engenharia, todos os aspectos técnicos do projeto são de sua responsabilidade, não podendo imputar aos consumidores o ônus de reparo técnico ligado à sua área de atuação. 8.5. À luz das fotografias e do conteúdo dos e-mails, verifica-se a existência de reclamações sobre o aumento abrupto da conta de água, bem como o reconhecimento pela própria ré da presença de vazamento na piscina, advinda do registro da escada. Mesmo que tenha havido alteração do projeto, fato é que a ré concordou com essa mudança e efetivou as obras necessárias para a eliminação da borda infinita da piscina e troca das pedras portuguesas. Ressalte-se que houve o desprendimento de pastilhas da piscina, o que, segundo o perito (Quesito Complementar n. 7.2 de fl. 723), não pode ser considerado natural e sim um defeito de construção. Além disso, há diferenças visíveis de coloração dessas pastilhas, evidenciando falha nas intervenções que realizou. O mesmo se verifica em relação ao SPA e todo o seu revestimento. 8.6. Com relação aos danos no jardim lateral (incluindo duas palmeiras de cica destruídas), as fotografias denotam que houve prejuízos, sendo que a ré em momento algum demonstrou documentalmente que a retirada das plantas foi de comum acordo, devendo arcar com os prejuízos ocasionados. 8.7. Ainda que a ré tenha questionado o laudo pericial, por considerá-lo destoante das características do imóvel e inconclusivo, não há qualquer incongruência nos relatos do profissional técnico responsável. Ao fim e ao cabo, por se encontrar equidistante dos interesses em litígio, milita em favor do laudo pericial realizado em juízo a presunção de imparcialidade. 8.8. Dessa forma, escorreita a r. sentença que reconheceu o inadimplemento contratual, por quebra de critérios técnicos e prestação de serviços de má qualidade, respondendo a parte ré por perdas e danos (CC, arts. 389 e seguintes). 9. Não há falar em defeitos a título de (I) má utilização de material, (II) na grelha lateral de acesso ao canil, (III) de colocação das pedras portuguesas, e (IV) de trincas no novo cômodo, uma vez que repelidos pela sentença e não albergados pelo efeito devolutivo dos apelos. 10. A entrega é o marco inicial para a deflagração do prazo quinquenal de segurança e solidez da construção (CC, art. 618), o que, na espécie, ocorreu a partir do momento em que o bem imóvel ficou à disposição dos autores, em fevereiro de 2009, não prosperando o pedido de alteração desse marco para o trânsito em julgado da sentença. 11. O critério para o ressarcimento dos prejuízos materiais encontra-se nos arts. 402 e 403 do CC, que compreende os danos emergentes (diminuição patrimonial) e os lucros cessantes (frustração da expectativa de um lucro esperado), sendo necessária a comprovação da efetiva perda patrimonial. 11.1. No particular, nem todos os gastos elencados pelos autores possuem relação com os defeitos da obra discutidos nos autos (falta de relação causal, seja por encontrar relação com a obra de acréscimo realizada, seja porque alheios aos serviços da ré), devendo ser decotados do montante inicialmente vindicado. São eles: os gastos com a troca de reatores; com sistema de irrigação; com calha/grade do chão; com canos, bicos etc.; com o piso colocado em substituição às pedras tipo portuguesa; com contêineres; com brita, areia lavada, cimento, vedação, argamassa e rejunte; com a colocação e o frete do piso; com a calha de drenagem; e com o furto de aparelhos televisivos. Desse modo, passível de restituição o valor de R$ 4.676,50. 11.2. Quanto aos danos ao jardim, a apuração do montante devido foi relegada para a fase de liquidação de sentença, justamente para se averiguar, por meio das fotografias colacionadas, a extensão do dano, incluindo as duas palmeiras cicas do mesmo tamanho daquelas plantadas no local, sendo despiciendas as insurgências de valores expostas nesse momento. 11.3. Com relação aos danos apurados na perícia (trincas, piso solto, pintura etc.) e ainda não sanados, não foi possível determinar o volume dos serviços e materiais que seriam necessários para os reparos e, conseguintemente, os seus custos (Quesito 14 de fls. 558-559), motivo pelo qual o pedido subsidiário dos autores, de liquidação do julgado, acolhido na sentença e não objeto de recurso de apelação, foi mantido nessa seara recursal (CC, art. 944). 12. O dano moral não decorre de simples inadimplemento contratual. Necessário demonstrar a ocorrência de lesão a direitos da personalidade, que ocorre quando o ilícito é capaz de repercutir na esfera da dignidade da pessoa, gerando situação vexatória ou forte abalo psíquico. 13. Tratando-se de responsabilidade civil contratual, os juros de mora devem ser contabilizados a partir da data da citação (CC, art. 405). 14. O provimento parcial dos recursos importa em redistribuição da sucumbência, determinando que a verba honorária seja fixada na Instância recursal, independentemente do valor arbitrado na sentença. Tópicos recursais referentes à distribuição da sucumbência e ao valor dos honorários prejudicados. 14.1. Da análise universal da demanda, verifica-se que os autores lograram êxito em parte do pedido de restituição de gastos e em relação ao conserto dos danos que ainda persistem, cujo montante será objeto de liquidação de sentença, e à obrigação de entrega das plantas e projetos da casa, com a improcedência dos pedidos de ressarcimento de algumas despesas, de extensão da garantia da obra e pedido de danos morais. 14.2. Diante da sucumbência recíproca e proporcional (CPC/73, art. 21), impõe-se a condenação das partes ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados estes em 10% sobre o valor da condenação (CPC/73, art. 20, § 3º), na proporção 50% para cada, sem compensação. 15. Não foram fixados honorários recursais, nos termos do Enunciado Administrativo n. 7/STJ, haja vista que ao caso se aplica, ainda, o CPC/73. 16. Recursos de apelação conhecidos. Agravo retido de fls. 1.010-1.011 prejudicado. Agravo retido de fl. 1.046 não conhecido. Agravo retido de fls. 452-455 conhecido e desprovido. No mérito, apelação dos autores parcialmente provida para fixar a data da citação como termo inicial dos juros de mora. Apelação da ré parcialmente provida para reduzir o valor de restituição de gastos ao importe de R$ 4.676,50 (UNÂNIME); bem como para afastar a condenação por danos morais (MAIORIA). Sentença reformada em parte. Sucumbência redistribuída. Sem honorários recursais.

Data do Julgamento : 07/12/2016
Data da Publicação : 31/01/2017
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
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