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Jurisprudência


TJDF APC - 990072-20140110094683APC

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. POLÍTICA PÚBLICA DE HABITAÇÃO E DIREITO À MORADIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL. RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE CONHECIDO. CONSTATAÇÃO DEINOVAÇÃO RECURSAL QUANTO AOS FATOS E QUANTO À PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO DAS BENFEITORIAS. PRELIMINARES. COISA JULGADA. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE IDENTIDADE DAS PARTES OU DA CAUSA DE PEDIR E PEDIDO. NULIDADE DE SENTENÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURIDICIONAL. OMISSÃO DO JULGADOR. INEXISTÊNCIA. INCAPACIDADE DOS ARGUMENTOS INFIRMAREM A SENTENÇA. MÉRITO. DIREITO DE PROPRIEDADE. COMPOSSE E SEUS EFEITOS LEGAIS. IMÓVEL PÚBLICO. DOAÇÃO COM ENCARGOS A PARTICIPANTES DA POLÍTICA HABITACIONAL LOCAL. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS LEGAIS. BENEFICIÁRIOS/DONATÁRIOS. POSSUIDORES DE ESCRITURA PÚBLICA SEM VÍCIOS. PERMISSÃO DE OCUPAÇÃO DO IMÓVEL DOADO POR TERCEIROS, ORA APELANTE, PARA ESTABELECIMENTO DE MORADIA PRÓPRIA. COMODATO TÁCITO RECONHECIDO. NEGÓCIO JURÍDICO FIRMADO À MARGEM DA LEI PARA TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL A TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE CHANCELA DO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DOS ENCARGOS IMPOSTOS PARA EFETIVAÇÃO DA DOAÇÃO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna os pedidos dos autores e especificando as provas que pretende produzir (art.336 do Código de Processo Civil; correlação com o art.300 do CPC/1973). É lícito ao réu propor reconvenção para manifestar a pretensão de indenização das benfeitorias, bem como para a produção de prova pericial, todavia na mesma oportunidade processual da contestação (art. 343 CPC/2015 e art. 315 CPC/1973). 1.1. É inadmissível a apresentação apenas em sede recursal de fatos não narrados na fase instrutória e de pretensão indenizatória não aduzida no momento processual adequado e na forma estabelecida em lei: cuida-se de inovação recursal que extrapola os limites da lide, ofende o contraditório e a ampla defesa e suprime a primeira instância (arts. 128, 300, 515, § 1º, e 517, CPC/73, correspondentes aos arts. 141, 336, 1013, § 1º, e 1014 do atual Código de Processo Civil). Inovação recursal reconhecida. 2. A ação reivindicatória consiste no direito do proprietário de reaver (ius possidendi) a coisa de quem a possua ou a detenha injustamente. Por meio dessa ação, o proprietário vai buscar a coisa nas mãos alheias, retirando-a do possuidor e recuperando-a para si. Torna-se infrutífera qualquer discussão atinente à posse e seus desdobramentos (ius possessionis), matéria correlata à defesa em ação possessória. Inexistindo coincidência de pedido e causa de pedir entre a ação possessória e a ação reivindicatória, rejeita-se a preliminar de coisa julgada. 3. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento (Art. 371 do CPC). Por outro lado, não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador (art. 489, §1º, IV, do CPC). 3.1 Analisar o contexto dos autos requer que o julgador permeie o universo dos acontecimentos e fundamentos jurídicos como um todo, atendendo aos fins sociais e às exigências do bem comum, sem afastar a necessidade de se resguardar os princípios da proporcionalidade e eficiência, ou seja: são pertinentes apenas as teses e argumentações capazes de afastar a pretensão reivindicatória. Precedente do STJ. Preliminar de nulidade de sentença afastada. 4. A questão recursal principal está no confronto das razões da sentença que reconheceram a existência de comodato tácito e enalteceram o título público que os autores possuem (escritura pública) e o negócio jurídico que conferiu a propriedade aos autores, ato com a finalidade social e precípua de garantir o direito à moradia por meio de política pública específica: doação de imóvel público com encargo. 5. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais (§1º do artigo 1.228 do Código Civil): O Poder Público doou o imóvel em litígio com encargos aos apelados/donatários, mediante o preenchimento de requisitos legais; a finalidade pública do ato foi social, para concretude da política pública de moradia, empreendida pelo Distrito Federal. 5.2 A escolha da Administração Pública no que diz respeito aos critérios de política habitacional é ato político-administrativo no qual não cabe ao Poder Judiciário interferir: a doação do imóvel ocorreu aos autores com a finalidade específica de que estes erigissem sua moradia. 6. A relação jurídica estabelecida entre as partes se assemelha a um comodato tácito: o apelante não possui justo título, não se discute usucapião e os autores permitiram a ocupação pelo réu. Inexiste negócio jurídico de compra e venda após a regularização do imóvel adquirido por doação do Poder Público. 7. Portanto, não se ouvida que o apelante possuía a posse mansa e de boa-fé: isso não garante a propriedade de imóvel público. A mera detenção do imóvel antes da doação com encargos não possui efeito perante o Poder Público. Diante da vinculação do ato de doação à finalidade de construção de casa própria, a utilização promovida pelo apelante no imóvel, com a construção de quitinetes para auferir vantagem pecuniária, foge do escopo da intenção estatal e pode resultar na revogação do benefício recebido pelos autores (pode causar sérios danos aos reivindicantes). 7.1. Eventual declaração do Poder Judiciário de que os limites da posse do réu supera os decorrentes de um comodato resultaria na chancela de suposto negócio jurídico firmado entre as partes para burlar a legislação pertinente à Política Pública em comento: o apelante declara que utilizou os nomes dos autores para receber a benesse pública (metade do imóvel), ato atentatório à finalidade pública declarada. 8. Preliminares afastadas. Apelo parcialmente conhecido e desprovido. Sentença mantida.

Data do Julgamento : 25/01/2017
Data da Publicação : 07/03/2017
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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