TJDF APC - 991132-20140111800870APC
APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS. INSTRUMENTO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL FINANCIADO. OBRIGAÇÕES ENTRE CEDENTE E CESSIONÁRIO. INADIMPLÊNCIA DO CESSIONÁRIO. CONSTATADO. RESOLUÇÃO DA AVENÇA. POSSIBILIDADE. PERDAS E DANOS. DEVIDO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NA DÍVIDA ATIVA. 1. O contrato cuja rescisão é pleiteada pela parte autora (apelada) trata-se, na essência, de cessão de posição contratual, que, na hipótese, melhor se qualifica como simples contrato de gaveta, já que não houve anuência da instituição financeira cedida, responsável pelo financiamento do bem. 2. Como bem destacado na origem, o caso dos autos limita-se à análise dos efeitos do contrato de cessão havido entre a autora e a parte ré, cujas implicações não alcançam o cedido (Caixa Econômica Federal), já que este não anuiu com a alteração da posição contratual. 3. O contrato firmado entre as partes tem por pressupostos obrigações recíprocas, consistentes, por parte do cedente, na entrega do imóvel, e, por parte do cessionário, no adimplemento das despesas concernentes ao bem, dentre elas o financiamento imobiliário. 4. Como é sabido, não é apenas o objeto de um negócio jurídico precedente (no caso, o instrumento particular de compra e venda) que foi transferido por ocasião de cessão entabulada entre as partes, mas especialmente os deveres anexos, laterais, decorrentes do princípio da boa-fé (art. 422 do Código Civil). 5. A alegação de que a inadimplência da apelante (cessionária) decorreu de culpa exclusiva da apelada (cedente) consubstancia fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora, e, portanto, a sua prova incumbia à parte ré, ora recorrente, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 6. Ocorre que, em que pese a argumentação da apelante, esta não logrou êxito em demonstrar a recusa da instituição financeira em continuar emitindo os boletos de pagamento, assim como ocorreu nos anos anteriores a 2009, tampouco comprovou ter solicitado à apelada a emissão de nova procuração, e muito menos demonstrou que a apelada tenha se negado, injustificadamente, a atender o pedido. 7. Não há nos autos, assim, prova de que a apelante, de maneira leal e cooperativa, tenha agido no sentido de efetivamente adimplir com a relação obrigacional inserida no contrato objeto dos autos. 8. Ante o inadimplemento da parte recorrente (cessionária), a desconstituição do negócio jurídico pela resolução contratual da parte lesada, ora apelada, com fundamento no art. 475 do Código Civil, emerge como direito potestativo desta última, sujeitando, portanto, a apelante à deliberação unilateral da apelada, sem que aquela possa a isto se opor. 9. Não se olvida, na linha do que sustenta a apelante, que A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421, Código Civil). É dizer, o direito subjetivo do contratante resolver a avença encontra limites na sociedade, não podendo lesar as expectativas coletivas que lhe rodeiam. 10. No entanto, a mera alegação da apelante, de que demonstrara a sua intenção de manter a avença, não é o suficiente para fazer incidir na espécie a mitigação do direito potestativo da cedente (apelada) em ver o contrato desfeito. 11. Não é viável socorrer-se da teoria do adimplemento substancial, ou da inadimplência mínima, em favor da apelante, como forma de controle da boa-fé sobre a atuação dos direitos subjetivos (potestativo), seja porque sequer houve iniciativa dela própria nesse sentido, seja porque o acervo probatório produzido nos autos não autoriza tal conclusão. 12. O instrumento particular de compra e venda entabulado entre a autora (apelada) e a Caixa Econômica Federal previu a amortização do valor mutuado em 300 (trezentos) meses, ou seja, 25 (vinte e cinco) anos, tendo o 1º encargo vencido em 03/07/1994. 13. Dessa forma, considerando que a própria apelante reconhece que adimpliu com o pagamento das mensalidades do financiamento apenas até o ano de 2009, conclui-se que a sua inadimplência totaliza, no mínimo, o equivalente a 10 (dez) anos, isto é, 120 prestações de um total de 300, desautorizando, ainda que por hipótese, a adoção do entendimento, segundo o qual, privilegiar-se-ia a efetiva manutenção do contrato, em detrimento ao seu desfazimento. 14. Em outras palavras, não houve descumprimento insignificante da avença pela apelante, qualificando a sua conduta como grave, em permanecer inadimplente desde, pelo menos, 2009, usufruindo do imóvel cedido, sobretudo considerando que a cedente, sabidamente, não se encontrava residindo no país. 15. Nessa linha de ideias, tendo em vista o inequívoco desinteresse da parte autora (apelada) na manutenção do contrato havido com a parte ré (apelante), e considerando a inadimplência significativa e importante desta última, correta a r. sentença ao decretar a rescisão do contrato de cessão de direitos objeto da presente demanda, levando as partes ao status quo ante. 16. Quanto às perdas e danos, a apelante se limitou a repisar os argumentos utilizados para a manutenção do contrato, afirmando que há nos autos comprovantes de pagamentos do financiamento até o ano de 2009, sendo que as prestações posteriores somente não teriam sido adimplidas por culpa exclusiva da apelada. 17. A tese da recorrente não encontra respaldo no acervo probatório, não havendo qualquer empecilho para a desconstituição da avença, devendo a recorrente indenizar a recorrida pelo período que se beneficiou do imóvel, em valor equivalente ao importe do financiamento, e deduzindo-se, tal qual considerado na origem (procedência parcial do pedido reconvencional), os valores quitados pela apelante, evitando-se, assim, o enriquecimento sem causa da requerente/reconvinda (apelada). 18. Acerca dos danos morais, a irresignação recursal igualmente não procede, uma vez que não se trata na hipótese de mera inadimplência contratual, mas sim das graves implicações geradas pela conduta inadimplente da ré/apelante, que redundou na inscrição do nome da parte autora na Dívida Ativa pela falta de pagamento do IPTU (fls. 27/37), ponto sobre o qual a recorrente não se insurge especificamente. 19. Recurso conhecido e desprovido.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS. INSTRUMENTO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL FINANCIADO. OBRIGAÇÕES ENTRE CEDENTE E CESSIONÁRIO. INADIMPLÊNCIA DO CESSIONÁRIO. CONSTATADO. RESOLUÇÃO DA AVENÇA. POSSIBILIDADE. PERDAS E DANOS. DEVIDO. DANO MORAL. INSCRIÇÃO INDEVIDA NA DÍVIDA ATIVA. 1. O contrato cuja rescisão é pleiteada pela parte autora (apelada) trata-se, na essência, de cessão de posição contratual, que, na hipótese, melhor se qualifica como simples contrato de gaveta, já que não houve anuência da instituição financeira cedida, responsável pelo financiamento do bem. 2. Como bem destacado na origem, o caso dos autos limita-se à análise dos efeitos do contrato de cessão havido entre a autora e a parte ré, cujas implicações não alcançam o cedido (Caixa Econômica Federal), já que este não anuiu com a alteração da posição contratual. 3. O contrato firmado entre as partes tem por pressupostos obrigações recíprocas, consistentes, por parte do cedente, na entrega do imóvel, e, por parte do cessionário, no adimplemento das despesas concernentes ao bem, dentre elas o financiamento imobiliário. 4. Como é sabido, não é apenas o objeto de um negócio jurídico precedente (no caso, o instrumento particular de compra e venda) que foi transferido por ocasião de cessão entabulada entre as partes, mas especialmente os deveres anexos, laterais, decorrentes do princípio da boa-fé (art. 422 do Código Civil). 5. A alegação de que a inadimplência da apelante (cessionária) decorreu de culpa exclusiva da apelada (cedente) consubstancia fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora, e, portanto, a sua prova incumbia à parte ré, ora recorrente, nos termos do art. 373, inciso II, do Código de Processo Civil. 6. Ocorre que, em que pese a argumentação da apelante, esta não logrou êxito em demonstrar a recusa da instituição financeira em continuar emitindo os boletos de pagamento, assim como ocorreu nos anos anteriores a 2009, tampouco comprovou ter solicitado à apelada a emissão de nova procuração, e muito menos demonstrou que a apelada tenha se negado, injustificadamente, a atender o pedido. 7. Não há nos autos, assim, prova de que a apelante, de maneira leal e cooperativa, tenha agido no sentido de efetivamente adimplir com a relação obrigacional inserida no contrato objeto dos autos. 8. Ante o inadimplemento da parte recorrente (cessionária), a desconstituição do negócio jurídico pela resolução contratual da parte lesada, ora apelada, com fundamento no art. 475 do Código Civil, emerge como direito potestativo desta última, sujeitando, portanto, a apelante à deliberação unilateral da apelada, sem que aquela possa a isto se opor. 9. Não se olvida, na linha do que sustenta a apelante, que A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (art. 421, Código Civil). É dizer, o direito subjetivo do contratante resolver a avença encontra limites na sociedade, não podendo lesar as expectativas coletivas que lhe rodeiam. 10. No entanto, a mera alegação da apelante, de que demonstrara a sua intenção de manter a avença, não é o suficiente para fazer incidir na espécie a mitigação do direito potestativo da cedente (apelada) em ver o contrato desfeito. 11. Não é viável socorrer-se da teoria do adimplemento substancial, ou da inadimplência mínima, em favor da apelante, como forma de controle da boa-fé sobre a atuação dos direitos subjetivos (potestativo), seja porque sequer houve iniciativa dela própria nesse sentido, seja porque o acervo probatório produzido nos autos não autoriza tal conclusão. 12. O instrumento particular de compra e venda entabulado entre a autora (apelada) e a Caixa Econômica Federal previu a amortização do valor mutuado em 300 (trezentos) meses, ou seja, 25 (vinte e cinco) anos, tendo o 1º encargo vencido em 03/07/1994. 13. Dessa forma, considerando que a própria apelante reconhece que adimpliu com o pagamento das mensalidades do financiamento apenas até o ano de 2009, conclui-se que a sua inadimplência totaliza, no mínimo, o equivalente a 10 (dez) anos, isto é, 120 prestações de um total de 300, desautorizando, ainda que por hipótese, a adoção do entendimento, segundo o qual, privilegiar-se-ia a efetiva manutenção do contrato, em detrimento ao seu desfazimento. 14. Em outras palavras, não houve descumprimento insignificante da avença pela apelante, qualificando a sua conduta como grave, em permanecer inadimplente desde, pelo menos, 2009, usufruindo do imóvel cedido, sobretudo considerando que a cedente, sabidamente, não se encontrava residindo no país. 15. Nessa linha de ideias, tendo em vista o inequívoco desinteresse da parte autora (apelada) na manutenção do contrato havido com a parte ré (apelante), e considerando a inadimplência significativa e importante desta última, correta a r. sentença ao decretar a rescisão do contrato de cessão de direitos objeto da presente demanda, levando as partes ao status quo ante. 16. Quanto às perdas e danos, a apelante se limitou a repisar os argumentos utilizados para a manutenção do contrato, afirmando que há nos autos comprovantes de pagamentos do financiamento até o ano de 2009, sendo que as prestações posteriores somente não teriam sido adimplidas por culpa exclusiva da apelada. 17. A tese da recorrente não encontra respaldo no acervo probatório, não havendo qualquer empecilho para a desconstituição da avença, devendo a recorrente indenizar a recorrida pelo período que se beneficiou do imóvel, em valor equivalente ao importe do financiamento, e deduzindo-se, tal qual considerado na origem (procedência parcial do pedido reconvencional), os valores quitados pela apelante, evitando-se, assim, o enriquecimento sem causa da requerente/reconvinda (apelada). 18. Acerca dos danos morais, a irresignação recursal igualmente não procede, uma vez que não se trata na hipótese de mera inadimplência contratual, mas sim das graves implicações geradas pela conduta inadimplente da ré/apelante, que redundou na inscrição do nome da parte autora na Dívida Ativa pela falta de pagamento do IPTU (fls. 27/37), ponto sobre o qual a recorrente não se insurge especificamente. 19. Recurso conhecido e desprovido.
Data do Julgamento
:
01/02/2017
Data da Publicação
:
07/02/2017
Órgão Julgador
:
7ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
GISLENE PINHEIRO
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