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Jurisprudência


TJDF APC / Agravo Regimental no(a) Apelação Cível-20150111156245APC

Ementa
AGRAVO INTERNO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VAGA EM CRECHE PÚBLICA. EDUCAÇÃO INFANTIL INTEGRA A EDUCAÇÃO BÁSICA. NÚCLEO ESSENCIAL DO DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO. DEVER O ESTADO E DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO DA CRIANÇA. FILA DE ESPERA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DA VIOLAÇÃO DA ISONOMIA E DA RESERVA DO POSSÍVEL. AUSÊNCIA DE DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA NA IMPLEMENTAÇÃO DO NÚCLEO ESSENCIAL DE DIREITO FUNDAMENTAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Os direitos sociais, ao contrário das liberdades públicas que exigem como regra somente a abstenção do Estado na sua violação, impõem uma prestação positiva do Estado, o que se concretiza por meio de políticas públicas, pelas quais tais direitos vão sendo densificados gradualmente no âmbito social conforme o desenvolvimento econômico, social e cultural do território nos quais estão inseridos. Em decorrência de sua concretização gradual, muitos pensavam que os direitos sociais seriam apenas normas programáticas ou meros convites ao legislador ou ao administrador público, sem que tivessem nenhum caráter cogente. Contudo, essa posição não se mostra adequada, pois os direitos sociais, assim como todos os direitos fundamentais, constituem direitos subjetivos do cidadão frente ao Estado e à sociedade em geral. Ademais, em sua dimensão objetiva, irradiam efeitos sob todas as ordens - sociedade, Legislativo, Judiciário e Executivo -, bem como impõem a satisfação do dever de proteção (Schutzplicht) àqueles mesmos sujeitos. Nesse diapasão, os direitos sociais, em razão de sua gradualidade de concretização, exigem que ao menos o seu conteúdo essencial ou seu mínimo seja implementado desde logo sob pena de esvaziamento e de desrespeito aos comandos constitucionais. Além disso, com relação a eles, vigora o princípio da proibição do retrocesso social, de modo que o caminho de sua efetivação só se desenvolve em uma direção, mesmo que seja a passos curtos em decorrência de fatores econômicos, sociais e culturais que os condicionam. Destarte, a concretização do núcleo essencial do direito social e a proibição do retrocesso social limitam ou impedem a discricionariedade do administrador público na não efetivação daquele mínimo ou de implementação de políticas que retirem as conquistas da sociedade com relação ao direito social específico, por um lado, e, por outro, impõem ao Judiciário, quando demandado, a determinação para que sejam cumpridos à risca os ditames constitucionais e¤ou que se garanta ao menos o que até então vinha sendo assegurado ao cidadão. 2. Verifica-se que, tanto por força do texto constitucional como da legislação infraconstitucional (Estatuto da Criança e do Adolescente e Lei de Diretrizes e Bases da Educação), a educação infantil integra a educação básica, ostentando seus mesmos caracteres, notadamente a obrigatoriedade sob pena de se proceder a um retrocesso, haja vista que não se pode conceber que o precedente não seja obrigatório, mas só o procedente, quando ambos integram um mesmo processo. Logo, se educação a partir de 4 (quatro) anos é obrigatória por força da Constituição e da legislação infraconstitucional, também o é aquela que a precede, vale dizer, a educação infantil, sob pena de se configurar um retrocesso social, o que não é admissível em se tratando de direitos sociais. Não se podem esquecer os valores que regem a criança, quais sejam, a proteção integral e a prioridade absoluta, de modo que a educação nessa primeira fase da vida é de valiosa importância e deve ser assegurada obrigatoriamente pelo Estado. Assim, em razão da obrigatoriedade contida no texto constitucional, tem-se que a educação básica, na qual está a infantil, constitue o núcleo essencial do direito à educação no Brasil, razão pela qual é direito público subjetivo da criança e dever absoluto do Estado sob pena de responsabilidade da autoridade competente. Nesse particular, deve-se ressaltar o comando constitucional contido nos §§1º e 2º do artigo 208 do texto constitucional ante a sua ênfase, o que não se verifica em outras passagens do texto magno e isso decorre da relevantíssima importância que tem a educação para a concretização dos valores superiores de nossa nação como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza e a formação de uma sociedade justa, livre e solidária como se pode extrair do artigo 205 da Constituição. 3. Cabe ao Estado implementar a educação básica e infantil como prioridade absoluta e decorrência da ordem vinculante da Carta da República, o que afasta qualquer discricionariedade de sua parte e a alegação de falta de recursos ou a necessidade de se obedecer à reserva do possível. A propósito, em um Estado onde se construiu estádio de futebol de mais de 1 (um) bilhão de reais, sem que haja sequer de longe demanda para tanto, não pode falar em falta de recursos para implementar direitos essenciais do cidadão. Ademais, o referido estádio já vem sofrendo com a deterioração e com o abandono, como se observa pelas reportagens dos jornais, a denotar a total falta de visão e planejamento. Como sucedâneo daquela ordem vinculante do texto magno, não se pode tolerar as famosas filas de espera que se observa na prática no Distrito Federal, as quais, na realidade, apenas demonstram a total falta de respeito do administrador público às normas constitucionais, que ele jurou obedecer, impondo ao Judiciário a correção deste estado de coisas inconstitucional que avilta aos olhos. Assim, não se pode alegar que a decisão judicial que concede vaga em creche pública aos postulantes consistiria em violação à isonomia, pois não deveria haver fila de espera, de modo que, se há violação à isonomia, é por parte do Estado que descumpre descaradamente um direito assegurado há quase 30 (trinta) anos pela Constituição Federal e que deveria ter sido implementado na primeira hora. 4. Recurso conhecido e improvido.

Data do Julgamento : 02/05/2018
Data da Publicação : 09/05/2018
Órgão Julgador : 5ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : MARIA IVATÔNIA
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