main-banner

Jurisprudência


TJDF APC -Apelação Cível-20080110940710APC

Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. RAZÕES DA APELAÇÃO NÃO ASSINADAS. MERA IRREGULARIDADE QUE NÃO OBSTA O CONHECIMENTO DO RECURSO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE HAVIA DEFERIDO A REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO. PRELIMINAR REJEITADA. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS AJUIZADA PELO GENITOR. MORTE DE CRIANÇA POR DESCARGA ELÉTRICA EM DECORRÊNCIA DO MANUSEIO DE MODELADOR ELÉTRICO DE CABELOS (BABYLISS). FALHA NA MONTANGEM DO EQUIPAMENTO QUE POSSIBILITOU A FUGA DE ENERGIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO FABRICANTE PELO FATO DO PRODUTO. TEORIA DA QUALIDADE, BALIZADA PELO BINÔMIO ADEQUAÇÃO-SEGURANÇA, QUE DEVE PERMEAR OS SERVIÇOS E PRODUTOS OFERECIDOS NO MERCADO DE CONSUMO. CULPA EXLUSIVA, CONCORRENTE E IN VIGILANDO. IRRELEVÂNCIA. DANO MORAL CARACTERIZADO. PREJUÍZO PRESUMIDO EM RAZÃO DA PERDA DO ENTE FAMILIAR QUERIDO. QUANTUM COMPENSATÓRIO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. FUNÇÃO PREVENTIVO-PEDAGÓGICA-REPARADORA-PUNITIVA RESPEITADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.1. Conquanto das razões da apelação não conste assinatura do respectivo patrono, tal peculiaridade não obsta o conhecimento do recurso, constituindo mera irregularidade, notadamente porque assinada a petição de interposição do apelo. Mais a mais, em atendimento à determinação do Juízo a quo, fora juntada em momento ulterior a peça recursal devidamente assinada.2. O juiz é o destinatário da prova, cabendo-lhe decidir quais são os elementos suficientes para formar seu convencimento, para que possa decidir motivadamente a questão controvertida e da maneira mais célere possível, podendo, inclusive, obstar as diligências inúteis ou meramente protelatórias (CPC, arts. 125, II, 130 e 131). Nesse toar, não há falar em nulidade da sentença prolatada sem a realização de perícia anteriormente deferida pelo juiz, se os elementos constantes dos autos - especialmente do Laudo de Exame de Objeto elaborado pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal - são suficientes à demonstração dos fatos que seriam provados por meio daquela prova técnica. Em caso tais, não há falar em preclusão pro judicato, a qual não incide nos casos de instrução probatória, podendo o julgador, à luz da persuasão racional, inadmitir provas que foram anteriormente admitidas no processo, estando sempre aberta à parte prejudicada a possibilidade de recurso à Instância superior, peculiaridade esta que não fora exercida no caso concreto. Por esses motivos, rejeita-se a preliminar de nulidade do decisório a quo, bem assim indefere-se o pedido de baixa dos autos em diligência para a realização de perícia.3. O Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 6º, I e VI, 8º a 10, impõe um dever de qualidade dos produtos e serviços prestados pelos fornecedores (teoria da qualidade), tanto na adequação do produto ou serviço no mercado de consumo (responsabilidade por vício do produto ou serviço) como em aspectos de segurança (responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço), sob pena de reparação de eventuais danos causados à vítima. Protege-se, assim, a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado, tendo em vista a comercialização massificada e multiplicada. 4. Quanto aos vícios de segurança, à luz do art. 12 do CDC e, pelo diálogo das fontes, dos artigos 186 e 927 do CC, a responsabilidade dos fabricantes de produtos é objetiva, fundada no dever de qualidade dos serviços e produtos oferecidos, especialmente na idéia de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo. Não se faz necessário, portanto, perquirir acerca da existência de culpa, bastando, para fins de reparação civil, a comprovação do liame de causalidade entre o defeito decorrente da fabricação/montagem do produto e o evento danoso experimentado pelo consumidor.5. No caso dos autos, verifica-se que, em 10/4/2008, a filha do autor, à época com 13 anos de idade, ao se arrumar no banheiro de sua residência, fez o uso de escova modeladora de cabelos - Babyliss -, marca NKS, modelo Super Styler K989, de fabricação da empresa demanda (CBI INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.), vindo a receber uma descarga elétrica durante o manuseio, causa esta do seu óbito, consoante faz prova ocorrência policial e certidão de óbito. 6. Observou-se, também, que a respectiva escova modeladora (Babyliss), após os testes realizados pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal, cujo laudo de exame de objeto instruiu a petição inicial, apresentava falha na isolação interna, expondo risco de cheque elétrico em razão de fuga elétrica. Isso ocorreu porque algumas peças metálicas, quando montadas no interior do aparelho elétrico de modelagem para cabelos, realizaram pressão sobre o material de isolação da resistência e do fio, rompendo-os pontualmente, o que permitiu o contato elétrico da peça metálica com o condutor elétrico.7. Quedou aferida, ainda, pela perícia do Instituto de Criminalística que a falha que deu origem à fuga elétrica teve origem durante o processo de montagem deste elemento (conjunto resistência elétrica) no interior do tubo metálico do aparelho (falha de montagem), e que o problema se acentuou no decorrer do tempo de uso, terminando por proporcionar fuga elétrica, sendo capaz de produzir lesões graves, podendo inclusive levar a óbito, caso a pessoa toque eventualmente a parte metálica do aparelho.8. O risco narrado, por óbvio, foge à normalidade de uso do equipamento e ultrapassa qualquer expectativa da consumidora quanto à finalidade do produto, qual seja, a modelagem dos cabelos.9. Ainda que a empresa demandada tenha narrado a existência de reparos domésticos no aparelho modelador, os quais foram remotamente admitidos no Laudo Pericial do Instituto de Criminalística, verifica-se a presença desses vestígios tão somente no acionador da pinça do equipamento, não em relação às peças metálicas que realizavam pressão sobre o corpo da resistência, ensejadora de fuga de energia causadora do óbito.10. Em que pese à vítima seja menor e tenha utilizado do modelador elétrico de cabelos sozinha, descalça e no chão molhado do banheiro, vindo a receber a descarga elétrica motivadora do seu óbito em função dos contatos do dedo da mão com a parte metálica do aparelho, tal peculiaridade não é capaz de afastar a responsabilidade da empresa fabricante por culpa exclusiva (CDC, art. 12, § 3º, III) ou concorrente da vítima, tampouco por culpa in vigilando dos pais da criança. É que o produto já apresentava o defeito de fuga de energia desde a sua fabricação, problema este que se acentuou durante o tempo de utilização, razão pela qual essas excludentes de responsabilização somente ganhariam relevância concreta acaso não houvesse dúvidas sobre a falha de montagem do produto, o que não é o caso dos autos. É dizer: eventual discussão acerca de ato culposo por parte da vítima ou de seus responsáveis perde toda sua expressão quando demonstrado defeito de fabricação no produto determinante do evento danoso, não havendo como minorar a responsabilidade da parte ré. 11. As circunstâncias fáticas narradas são capazes de atentar contra direitos da personalidade, sendo evidente o dano moral experimentado pelo autor, pai da vítima, o qual é in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo (morte da filha). A morte de um ente querido, especialmente da filha menor, a toda evidência, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção, dispensada demonstração, notadamente em razão da imprevisibilidade do evento. É o que se chama de danos morais reflexos ou por ricochete. Ou seja, embora o evento danoso tenha afetado determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros (préjudice d'affection). 12. O quantum compensatório a título de dano moral deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Normativa da efetiva extensão do dano, por inteligência do art. 944 do CC. Não se pode olvidar, ainda, da incidência da função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva, para que se previna novas ocorrências, ensine-se aos sujeitos os cuidados devidos, sob pena de sujeitar-se as penalidades legais, reparação dos danos ao consumidor e punição pelos danos causados. No caso concreto, é de ser relevado, ainda, que o falecimento prematuro e imprevisível da filha do autor, com apenas 13 anos de idade, enseja profundo abalo em seu íntimo, inexistindo meios de recompor efetivamente a situação ao status quo ante, mormente em razão da condição irreversível que é a morte. Tamanha dor emocional não se atenua com o transcurso do tempo, ao revés, a saudade e a ausência são potencializadas com o passar dos anos. Desse modo, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem assim levando em conta a situação peculiar da perda de um ente familiar querido (filha), a dor, o preito de saudade e o conforto espiritual, tem-se por escorreito o montante dos danos morais fixado em Primeira Instância, no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o qual respeita às peculiaridades do caso concreto e às finalidades do instituto, não sendo excessivo a ponto de beirar o enriquecimento ilícito nem ínfimo, que não coíba novas práticas.13. Recurso conhecido; preliminar de nulidade da sentença rejeitada, pedido de conversão dos autos em diligência, para realização de perícia, indeferido; e, no mérito, desprovido.

Data do Julgamento : 02/05/2013
Data da Publicação : 08/05/2013
Órgão Julgador : 1ª Turma Cível
Relator(a) : ALFEU MACHADO
Mostrar discussão