TJDF APC -Apelação Cível-20090110348270APC
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO COMINATÓRIA. INTERNAÇÃO EM UTI DA REDE HOSPITALAR PÚBLICA OU EM REDE PARTICULAR. FALECIMENTO SUPERVENIENTE DO PACIENTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR INSTRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO MATERIAL POSTULADO (CPC, ART. 267, IX). ERROR IN JUDICANDUM. SENTENÇA CASSADA. CAUSA MADURA (CPC, ART. 515, § 3º). PEDIDO PROCEDENTE. INACOLHIDA A ALEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL.1. Paciente tabagista diário, hipertenso, deu entrada no Posto de Saúde com Pressão Arterial 200 x 140. Apresentou dispnéia associado à sudorese. Exames mostraram leucocitose e CKMB (83). Solicitada UTI neste dia; evoluiu com piora do padrão respiratório e rebaixamento do nível de consciência. Foi entubado, iniciado Rocefin, clexame, com estabilidade da PA, quando fez hipotensão. Permaneceu. Solicitada UTI devido à gravidade do caso. Risco iminente de morte.2. Não gera a perda de objeto da ação o falecimento do paciente no curso do processo, pois sua internação em leito de UTI de hospital da rede privada somente ocorreu por força de liminar, a qual carece de ser examinada por meio de provimento de natureza definitiva. A intransmissibilidade só alcança a internação, devendo ter um provimento jurisdicional de quem deve arcar com o ônus desta internação. Preliminares de desaparecimento do interesse de agir e de intransmissibilidade do direito de ação repelidas. Sentença cassada.3. O direito à vida e à saúde encontra-se tutelado como direito fundamental na Constituição Federal (art. 196) e na Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 204 a 216). O artigo 196 da Constituição Federal não só estabelece como dever do Estado a assistência à saúde, mas também garante o acesso universal e igualitário aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. É conferir: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Em verdade, trata-se de direito subjetivo que permite cobrança do Poder Público em Juízo ou fora dele. Assim, qualquer cidadão doente tem direito de pleitear os meios públicos para lhe assegurar o estado de saúde. Este direito aparece, inclusive, garantido no art. 6° do texto constitucional, como direito social. Portanto, por se tratar de direito fundamental do cidadão, não é norma programática. Não encerra somente uma promessa de atuação estatal, mas tem aplicação imediata. Ademais, o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário às assistências farmacêutica, médico e hospitalar. Desse modo, cabe ao Distrito Federal, por meio da rede pública de saúde, auxiliar todos aqueles que necessitam de tratamento, disponibilizando profissionais, equipamentos, hospitais e remédios. O direito à saúde, além de se qualificar como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Trata-se de direito de todos e dever do Estado, não havendo que ser classificada como norma-tarefa ou meramente programática cuja concretização fica a depender das forças do erário, conforme fazem alinhavar os simpatizantes da tese da reserva do financeiramente possível.4. A alocação de recursos públicos para a implementação desse e de outros direitos dessa ordem deve ser feita de forma a garantir, isso sim, um mínimo de atendimento aos mais necessitados. O foco é o paciente, o cidadão, e não o orçamento público. A aplicação do princípio da reserva do possível surge, nesse contexto, como verdadeiro subterfúgio a explicar a decisão política de ratear os recursos disponíveis com outros setores da Administração Pública. O argumento do Distrito Federal de que apenas pode agir dentro da reserva do possível não cabe para questões que envolvem o direito à saúde, o direito à vida, pois tratam de direitos humanos, progressivos, fundamentais e imediatos. Desse modo, não há como preponderar o princípio da reserva do possível, diante do mandamento constitucional (art. 196 da CF), uma vez que o bem jurídico tutelado, in casu, impõe que a preponderância das concepções políticas do Estado sofra limitações. Os direitos sociais exigem do Poder Público uma prestação efetiva, devendo valer-se da elaboração e implementação de políticas públicas idôneas, para a concreção do que prescreve a Carta Republicana, independentemente da situação econômica em que se encontre.5. Recurso conhecido e provido para cassar a sentença recorrida e, de acordo com o teor do § 3º do art. 515 c/c 269, I, do CPC, julgar procedente o pedido inicial e confirmar a tutela antecipada para determinar que o Distrito Federal arque com os ônus da internação do autor.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO COMINATÓRIA. INTERNAÇÃO EM UTI DA REDE HOSPITALAR PÚBLICA OU EM REDE PARTICULAR. FALECIMENTO SUPERVENIENTE DO PACIENTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR INSTRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO MATERIAL POSTULADO (CPC, ART. 267, IX). ERROR IN JUDICANDUM. SENTENÇA CASSADA. CAUSA MADURA (CPC, ART. 515, § 3º). PEDIDO PROCEDENTE. INACOLHIDA A ALEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL.1. Paciente tabagista diário, hipertenso, deu entrada no Posto de Saúde com Pressão Arterial 200 x 140. Apresentou dispnéia associado à sudorese. Exames mostraram leucocitose e CKMB (83). Solicitada UTI neste dia; evoluiu com piora do padrão respiratório e rebaixamento do nível de consciência. Foi entubado, iniciado Rocefin, clexame, com estabilidade da PA, quando fez hipotensão. Permaneceu. Solicitada UTI devido à gravidade do caso. Risco iminente de morte.2. Não gera a perda de objeto da ação o falecimento do paciente no curso do processo, pois sua internação em leito de UTI de hospital da rede privada somente ocorreu por força de liminar, a qual carece de ser examinada por meio de provimento de natureza definitiva. A intransmissibilidade só alcança a internação, devendo ter um provimento jurisdicional de quem deve arcar com o ônus desta internação. Preliminares de desaparecimento do interesse de agir e de intransmissibilidade do direito de ação repelidas. Sentença cassada.3. O direito à vida e à saúde encontra-se tutelado como direito fundamental na Constituição Federal (art. 196) e na Lei Orgânica do Distrito Federal (arts. 204 a 216). O artigo 196 da Constituição Federal não só estabelece como dever do Estado a assistência à saúde, mas também garante o acesso universal e igualitário aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. É conferir: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Em verdade, trata-se de direito subjetivo que permite cobrança do Poder Público em Juízo ou fora dele. Assim, qualquer cidadão doente tem direito de pleitear os meios públicos para lhe assegurar o estado de saúde. Este direito aparece, inclusive, garantido no art. 6° do texto constitucional, como direito social. Portanto, por se tratar de direito fundamental do cidadão, não é norma programática. Não encerra somente uma promessa de atuação estatal, mas tem aplicação imediata. Ademais, o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular e implementar políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir aos cidadãos o acesso universal e igualitário às assistências farmacêutica, médico e hospitalar. Desse modo, cabe ao Distrito Federal, por meio da rede pública de saúde, auxiliar todos aqueles que necessitam de tratamento, disponibilizando profissionais, equipamentos, hospitais e remédios. O direito à saúde, além de se qualificar como direito fundamental que assiste a todas as pessoas, representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. Trata-se de direito de todos e dever do Estado, não havendo que ser classificada como norma-tarefa ou meramente programática cuja concretização fica a depender das forças do erário, conforme fazem alinhavar os simpatizantes da tese da reserva do financeiramente possível.4. A alocação de recursos públicos para a implementação desse e de outros direitos dessa ordem deve ser feita de forma a garantir, isso sim, um mínimo de atendimento aos mais necessitados. O foco é o paciente, o cidadão, e não o orçamento público. A aplicação do princípio da reserva do possível surge, nesse contexto, como verdadeiro subterfúgio a explicar a decisão política de ratear os recursos disponíveis com outros setores da Administração Pública. O argumento do Distrito Federal de que apenas pode agir dentro da reserva do possível não cabe para questões que envolvem o direito à saúde, o direito à vida, pois tratam de direitos humanos, progressivos, fundamentais e imediatos. Desse modo, não há como preponderar o princípio da reserva do possível, diante do mandamento constitucional (art. 196 da CF), uma vez que o bem jurídico tutelado, in casu, impõe que a preponderância das concepções políticas do Estado sofra limitações. Os direitos sociais exigem do Poder Público uma prestação efetiva, devendo valer-se da elaboração e implementação de políticas públicas idôneas, para a concreção do que prescreve a Carta Republicana, independentemente da situação econômica em que se encontre.5. Recurso conhecido e provido para cassar a sentença recorrida e, de acordo com o teor do § 3º do art. 515 c/c 269, I, do CPC, julgar procedente o pedido inicial e confirmar a tutela antecipada para determinar que o Distrito Federal arque com os ônus da internação do autor.
Data do Julgamento
:
12/08/2010
Data da Publicação
:
27/08/2010
Órgão Julgador
:
2ª Turma Cível
Relator(a)
:
WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR
Mostrar discussão