TJDF APC -Apelação Cível-20100710191619APC
DIREITO IMOBILIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COOPERATIVA HABITACIONAL. CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. COOPERATIVADO. INADIMPLEMENTO. OBRAS NÃO INICIADAS. ILÍCITO CONTRATUAL CONFIGURADO. RESOLUÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS PAGAMENTOS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO E CUSTOS OPERACIONAIS. DEDUÇÃO INDEVIDA. PERDAS E DANOS. LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. TEORIA ECLÉTICA DA AÇÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO. SENTENÇA MANTIDA.1.Aparelhada com fundamentação reputada hábil a lastrear o direito invocado e derivando o pedido logicamente da argumentação alinhada, a petição inicial reveste-se de aptidão técnica e pauta o objeto da ação, delimitando os parâmetros que devem governar sua resolução, resultando que, em tendo a sentença atinado para as premissas firmadas, acolhendo pedido efetivamente formulado e devidamente aparelhado, prestara a jurisdição nos parâmetros que estava autorizada, obstando sua qualificação como julgado extra petita. 2.Consubstancia verdadeiro truísmo que o legislador processual, na expressão do dogma constitucional da inafastabilidade da jurisdição, encampara a teoria eclética da ação, resultando que a impossibilidade jurídica do pedido somente se descortina quando a pretensão formulada é repugnada, no plano abstrato, por vedação explicitada pelo direito positivado, não se confundindo o direito subjetivo de ação com a subsistência do direito material invocado, pois sua resolução encarta matéria afetada exclusivamente ao mérito, não às condições da ação ou aos pressupostos processuais.3.A pretensão de ver decretara em Juízo a resolução do negócio jurídico que reclama a parte lesada pelo inadimplemento constitui pedido indubitavelmente compatível com a pretensão de ressarcimento das perdas e danos gerados pelo inadimplemento, inclusive os lucros cessantes, já que o acolhimento de um não prejudicará o outro, sendo certo que ambos se complementam, derivando a composição dos danos do inadimplemento motivado do negócio, no momento da crise estabelecida na relação contratual provocada pelo inadimplemento.4.A natureza jurídica da entidade cooperativista, que determina finalidade diversa do lucro, não é capaz de alforriá-la das responsabilidades contratuais que mantém com seus cooperativados, mormente quanto ao dever de reparar os danos causados aos adquirentes das unidades imobiliárias que seriam erigidas pela entidade cooperativa e tiveram frustradas suas legítimas expectativas quanto à entrega em data certa, legitimando que, em face do ilícito contratual, a par de ser resolvido o avençado mediante retorno das partes ao status quo ante, suporte os prejuízos derivados do inadimplemento, inclusive os lucros cessantes sofridos pelos associados afetados.5.Os lucros cessantes a que faz jus o cooperativado em decorrência da resolução do contrato por inadimplemento da entidade cooperativa que lhe prometera a entrega do bem imóvel em data certa, seguramente, não se afasta em razão da ausência de finalidade lucrativa que é própria do sistema cooperativista, pois, a despeito de seu desiderato institucional, não está legitimada a se alforriar das responsabilidades contratuais e legais que emergem do negócio jurídico firmado, notadamente porque suas finalidades não se confundem com os objetivos de vida dos cooperativados e com a inexorável apreensão de que o imóvel prometido necessariamente seria revertido a proveito econômico, seja mediante fruição própria do adquirente ou mediante sua destinação a locação.6.Apurado o ilícito contratual derivado do inadimplemento da entidade cooperativa, caracterizado pela não entrega do bem imóvel comercial objeto do contrato de construção, deve suportar os consectários da responsabilidade que lhe é imputada, de modo a propiciar a reparação integral dos prejuízos daí decorrentes e injustamente experimentados pelo apelado, pois se a indenização mede-se pela extensão do dano (CC, art. 944), os lucros cessantes não lhe devem ser negados.7.Conquanto a legislação cooperativista refute a finalidade lucrativa da entidade, o mesmo não se poder dizer quanto aos cooperativados que, ao firmar contrato de construção de imóvel com participação em cooperativa habitacional, guardam a lícita reserva mental de auferir lucro sobre o produto da cooperação, e isso porque, se a incorporação imobiliária por cooperativa habitacional não visa o lucro na edificação, isto não significa dizer que os adquirentes das unidades imobiliárias negociadas não possam retirar dele algum proveito econômico como, v.g., através de locação, mormente em se cuidando de imóvel comercial. 8.Inexistindo previsão na norma estatutária que legitime a retenção de qualquer quantia devida ao cooperativado lesado por ilícito contratual decorrente do inadimplemento culposo, hipótese que não se confunde com a desistência, eliminação ou exclusão, não há se falar em dedução da taxa de administração ou dos custos operacionais do contrato, ensejando que, resolvido o contrato por inadimplemento culposo da cooperativa habitacional, as partes devem ser restituídas ao estado anterior, cabendo à apelante devolver ao apelado os valores pagos, de uma só vez, sem direito à retenção de qualquer percentual.9.A pessoa jurídica não volvida à exploração de atividades pias, filantrópicas ou beneficentes, conquanto seja passível de ser contemplada com a gratuidade de justiça e ao contrário do que sucede com as pessoas naturais, somente pode ser legitimamente agraciada com esse benefício se comprovar que sua situação financeira não a municia com estofo para suportar os emolumentos gerados pela ação em que está inserida, porquanto não pode invocar como lastro para o deferimento desse beneplácito a simples alegação de que experimentaria prejuízo para sua mantença ou da sua família se não agraciada com a isenção almejada.10.Aferido que a sociedade cooperativa é volvida à exploração de atividade econômica, conquanto não volvida ao lucro, e não evidenciara sua situação financeira, restringindo-se a reclamar a gratuidade de justiça que invocara com lastro em argumentos desprovidos de sustentação material, não pode ser agraciada com o benefício que invocara, devendo, ao invés, ser contemplada com a negativa da sua concessão por não ter revestido de lastro seu deferimento.11.Apelo conhecido e improvido. Unânime.
Ementa
DIREITO IMOBILIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COOPERATIVA HABITACIONAL. CONTRATO DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. COOPERATIVADO. INADIMPLEMENTO. OBRAS NÃO INICIADAS. ILÍCITO CONTRATUAL CONFIGURADO. RESOLUÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS PAGAMENTOS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO E CUSTOS OPERACIONAIS. DEDUÇÃO INDEVIDA. PERDAS E DANOS. LUCROS CESSANTES. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. TEORIA ECLÉTICA DA AÇÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO. SENTENÇA MANTIDA.1.Aparelhada com fundamentação reputada hábil a lastrear o direito invocado e derivando o pedido logicamente da argumentação alinhada, a petição inicial reveste-se de aptidão técnica e pauta o objeto da ação, delimitando os parâmetros que devem governar sua resolução, resultando que, em tendo a sentença atinado para as premissas firmadas, acolhendo pedido efetivamente formulado e devidamente aparelhado, prestara a jurisdição nos parâmetros que estava autorizada, obstando sua qualificação como julgado extra petita. 2.Consubstancia verdadeiro truísmo que o legislador processual, na expressão do dogma constitucional da inafastabilidade da jurisdição, encampara a teoria eclética da ação, resultando que a impossibilidade jurídica do pedido somente se descortina quando a pretensão formulada é repugnada, no plano abstrato, por vedação explicitada pelo direito positivado, não se confundindo o direito subjetivo de ação com a subsistência do direito material invocado, pois sua resolução encarta matéria afetada exclusivamente ao mérito, não às condições da ação ou aos pressupostos processuais.3.A pretensão de ver decretara em Juízo a resolução do negócio jurídico que reclama a parte lesada pelo inadimplemento constitui pedido indubitavelmente compatível com a pretensão de ressarcimento das perdas e danos gerados pelo inadimplemento, inclusive os lucros cessantes, já que o acolhimento de um não prejudicará o outro, sendo certo que ambos se complementam, derivando a composição dos danos do inadimplemento motivado do negócio, no momento da crise estabelecida na relação contratual provocada pelo inadimplemento.4.A natureza jurídica da entidade cooperativista, que determina finalidade diversa do lucro, não é capaz de alforriá-la das responsabilidades contratuais que mantém com seus cooperativados, mormente quanto ao dever de reparar os danos causados aos adquirentes das unidades imobiliárias que seriam erigidas pela entidade cooperativa e tiveram frustradas suas legítimas expectativas quanto à entrega em data certa, legitimando que, em face do ilícito contratual, a par de ser resolvido o avençado mediante retorno das partes ao status quo ante, suporte os prejuízos derivados do inadimplemento, inclusive os lucros cessantes sofridos pelos associados afetados.5.Os lucros cessantes a que faz jus o cooperativado em decorrência da resolução do contrato por inadimplemento da entidade cooperativa que lhe prometera a entrega do bem imóvel em data certa, seguramente, não se afasta em razão da ausência de finalidade lucrativa que é própria do sistema cooperativista, pois, a despeito de seu desiderato institucional, não está legitimada a se alforriar das responsabilidades contratuais e legais que emergem do negócio jurídico firmado, notadamente porque suas finalidades não se confundem com os objetivos de vida dos cooperativados e com a inexorável apreensão de que o imóvel prometido necessariamente seria revertido a proveito econômico, seja mediante fruição própria do adquirente ou mediante sua destinação a locação.6.Apurado o ilícito contratual derivado do inadimplemento da entidade cooperativa, caracterizado pela não entrega do bem imóvel comercial objeto do contrato de construção, deve suportar os consectários da responsabilidade que lhe é imputada, de modo a propiciar a reparação integral dos prejuízos daí decorrentes e injustamente experimentados pelo apelado, pois se a indenização mede-se pela extensão do dano (CC, art. 944), os lucros cessantes não lhe devem ser negados.7.Conquanto a legislação cooperativista refute a finalidade lucrativa da entidade, o mesmo não se poder dizer quanto aos cooperativados que, ao firmar contrato de construção de imóvel com participação em cooperativa habitacional, guardam a lícita reserva mental de auferir lucro sobre o produto da cooperação, e isso porque, se a incorporação imobiliária por cooperativa habitacional não visa o lucro na edificação, isto não significa dizer que os adquirentes das unidades imobiliárias negociadas não possam retirar dele algum proveito econômico como, v.g., através de locação, mormente em se cuidando de imóvel comercial. 8.Inexistindo previsão na norma estatutária que legitime a retenção de qualquer quantia devida ao cooperativado lesado por ilícito contratual decorrente do inadimplemento culposo, hipótese que não se confunde com a desistência, eliminação ou exclusão, não há se falar em dedução da taxa de administração ou dos custos operacionais do contrato, ensejando que, resolvido o contrato por inadimplemento culposo da cooperativa habitacional, as partes devem ser restituídas ao estado anterior, cabendo à apelante devolver ao apelado os valores pagos, de uma só vez, sem direito à retenção de qualquer percentual.9.A pessoa jurídica não volvida à exploração de atividades pias, filantrópicas ou beneficentes, conquanto seja passível de ser contemplada com a gratuidade de justiça e ao contrário do que sucede com as pessoas naturais, somente pode ser legitimamente agraciada com esse benefício se comprovar que sua situação financeira não a municia com estofo para suportar os emolumentos gerados pela ação em que está inserida, porquanto não pode invocar como lastro para o deferimento desse beneplácito a simples alegação de que experimentaria prejuízo para sua mantença ou da sua família se não agraciada com a isenção almejada.10.Aferido que a sociedade cooperativa é volvida à exploração de atividade econômica, conquanto não volvida ao lucro, e não evidenciara sua situação financeira, restringindo-se a reclamar a gratuidade de justiça que invocara com lastro em argumentos desprovidos de sustentação material, não pode ser agraciada com o benefício que invocara, devendo, ao invés, ser contemplada com a negativa da sua concessão por não ter revestido de lastro seu deferimento.11.Apelo conhecido e improvido. Unânime.
Data do Julgamento
:
25/09/2013
Data da Publicação
:
07/10/2013
Órgão Julgador
:
1ª Turma Cível
Relator(a)
:
TEÓFILO CAETANO
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