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Jurisprudência


TJDF APC -Apelação Cível-20110112345115APC

Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. DIREÇÃO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. FATOR PREPONDERANTE. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA, COM VEÍCULO INOPERANTE POR FALTA DE COMBUSTÍVEL, PARADO EM LOCAL INAPROPRIADO E SEM A DEVIDA SINALIZAÇÃO. REVELIA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS. RESPONSABILIDADE CIVIL AQUILIANA. CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. MORTE DE ENTE FAMILIAR. PREJUÍZO PRESUMIDO. QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. CONCORRÊNCIA DE CULPAS. NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. CC, ART. 944. DANO MATERIAL. RESTITUIÇÃO DE DESPESAS COM FUNERAL/SEPULTAMENTO DEVIDA. CC, ART. 948, I. PENSÃO AOS FILHOS MENORES. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE. CC, ART. 948, II. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. JUROS DE MORA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. TERMO INICIAL. EVENTO DANOSO. SENTENÇA, EM PARTE, REFORMADA.1. A responsabilidade civil aquiliana advém da prática de evento danoso, cuja reparação exige a presença: do ato ilícito; da culpa em seu sentido lato sensu (que engloba o ato doloso e o culposo em sentido estrito); do nexo causal que une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pelo ofendido; e do dano, este como elemento preponderante da responsabilidade civil, sem o qual não há o que reparar (CC, arts. 186 e 927). Presentes esses pressupostos, impõe-se o dever de indenizar.2. A dinâmica do acidente de trânsito descrita nos autos pelos autores, reforçada pela prova documental juntada e pela revelia (CPC, art. 319), demonstra a falta de dever de cuidado objetivo do réu que, dirigindo veículo irregular, sob influência do álcool e com a CNH cassada, atinge o motorista e o veículo parados no túnel do Eixo Rodoviário de Brasília (DF-002), conhecido como Buraco do Tatu, com o pisca alerta ligado, ensejando o seu óbito.3. Embora tenha se recusado a realizar o exame de alcoolemia (bafômetro), o réu foi submetido ao exame de corpo de delito, cujo laudo, devidamente assinado por perito médico-legista, atestou a presença de sinais clínicos de embriaguez, tendo em vista o equilíbrio estático e a coordenação motora alterados, o hálito etílico e as conjuntivas avermelhadas.4. Não obstante a vítima também tenha contribuído para o resultado danoso, ao permanecer em local perigoso, sem a sinalização devida, e ocupando o centro da pista, ante a inoperância do veículo por falta de combustível, infrações de trânsito estas previstas nos arts. 46, 48 e 180 do CTB, observa-se que a causa preponderante da colisão foi a ausência de reação do condutor réu, que trafegava sobre linha contínua dupla, cujos reflexos pela ingestão de bebida alcoólica estavam comprometidos, em relação à vítima e ao seu carro. Tal circunstância não afastar o nexo causal, mas sim enseja a redução da verba indenizatória, na medida de participação da vítima (CC, art. 945).5. Presentes os elementos balizadores da responsabilidade civil subjetiva, consistentes na condução de veículo automotor irregular, sob o efeito de álcool e com a CNH cassada - o que denota inequívoca imprudência e violação ao dever de cuidado objetivo - e no óbito da vítima, deve o réu responder pelos danos morais e materiais sofridos pelos filhos e pela viúva, observada a necessidade de arrefecimento do quantum indenizatório, diante da culpa em menor escala do de cujus. 6. O dano moral relaciona-se diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade. A violação de quaisquer dessas prerrogativas, afetas diretamente à dignidade do indivíduo, constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação por danos morais.6.1. As circunstâncias fáticas narradas são capazes de atentar contra direitos da personalidade, sendo evidente o dano moral in re ipsa experimentado pelos parentes da vítima. A morte de um ente familiar querido, na qualidade de marido e pai dos autores, a toda evidência, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção, dispensada demonstração, notadamente em razão da imprevisibilidade do evento. É o que se chama de danos morais reflexos ou por ricochete. Ou seja, embora o evento danoso tenha afetado determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros (préjudice d'affection). 6.2. O quantum dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de reparação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor, a condição do ofendido e a prevenção de comportamentos futuros análogos. O valor pecuniário não pode ser fonte de obtenção de vantagem indevida, mas também não pode ser irrisório, para não fomentar comportamentos irresponsáveis. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Não se pode esquecer, ainda, da parcela de culpa da vítima para o evento danoso, ainda que não determinante, cujo patamar de contribuição quedou bem sopesado em 1º grau, em 1/3 (um terço). Nessa ótica, escorreita a fixação dos danos morais em R$ 90.000,00 (noventa mil reais) e a condenação do réu ao pagamento de 2/3 (dois terços) desse valor (R$ 60.000,00 - sessenta mil reais), dada a maior influência dos seus atos na produção do resultado.7. Por se tratar de caso de homicídio, o dano material engloba as despesas com o funeral/sepultamento (CC, art. 948, I), cuja restituição deve ser limitada a 2/3 (dois terços) dos gastos despendidos pelos autores, em razão da culpa concorrente da vítima.8. Conforme art. 948, II, do CC, é devida reparação material aos filhos menores de idade pela morte do seu genitor, porquanto há presunção jurídica de dependência econômica decorrente da relação parental, no patamar equivalente a 1/3 (um terço) da remuneração percebida pelo falecido, já ponderada sua parcela de culpa, desde o evento danoso até contraírem matrimônio ou completarem 25 (vinte e cinco) anos, pois nesta idade presume-se que seriam economicamente independentes e deixariam o lar para constituir família própria. Precedentes STJ.8.1. Admite-se a cumulação de benefício previdenciário com pensão decorrente de ilícito civil, porquanto ambos têm origens distintas.8.2. Para garantir o cumprimento pleno da obrigação de indenizar representada por prestação de alimentos, necessária a constituição do capital para garantir o pagamento da pensão mensal, conforme art. 475-Q do CPC e da Súmula n. 313/STJ.9. Por se tratar de matéria de ordem pública, que permite ser conhecida de ofício pela Instância revisora, o termo inicial dos juros de mora pode ser apreciado e alterado de ofício, sem que se incorra em reformatio in pejus ou julgamento ultra/extra petita.9.1. Tratando-se de responsabilidade civil extracontratual, os juros legais devem ser contabilizados a partir da data do evento danoso, consoante orientação da Súmula n. 54/STJ e do art. 398 do CC.10. Recurso dos autores provido, em parte, para admitir o pensionamento em prol dos filhos menores. Recurso do réu parcialmente provido para limitar a restituição dos gastos com funeral/sepultamento ao patamar de 2/3 (dois terços). De ofício, determinou-se a incidência dos juros de mora dos danos morais e das despesas com funeral/sepultamento a partir do evento danoso. Demais termos da sentença mantidos.

Data do Julgamento : 23/04/2014
Data da Publicação : 29/04/2014
Órgão Julgador : 1ª Turma Cível
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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