TJDF APC -Apelação Cível-20121310034644APC
CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. EX-CÔNJUGES DIVORCIADOS. ASSINATURA DE CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL APÓS O DIVÓRCIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA. DESCARACTERIZAÇÃO DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL. AFRONTA À LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA. CONTRATO NULO. DESCONSIDERAÇÃO. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR FIXADA EM FAVOR DO EX-MARIDO POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO. ART. 1.699 DO CC. NECESSIDADE DE DEMONSTRAR QUE HOUVE ALTERAÇÃO NAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE LEVARAM A FIXAÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR ORIGINÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PESSOA IDOSA E APOSENTADA COM O VALOR MÍNIMO DO BENEFÍCIO. DIFICULDADE DE REENTRAR NO MERCADO DE TRABALHO. MANTENÇA DA CONDIÇÃO SOCIAL DO PERÍODO DO CASAMENTO. ART. 1.694 DO CC. POSSIBILIDADE. CASAMENTO DURADOURO DE 47 ANOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO MARIDO EM RELAÇÃO À ESPOSA DURANTE O CONVÍVIO. RECONHECIMENTO DESSE FATO NO MOMENTO DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. PERMANÊNCIA DAS CONDIÇÕES QUE LEVARAM AS PARTES A ESTIPULAREM LIVREMENTE SOBRE OS ALIMENTOS. EXTINÇÃO DO DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA ADIADO. LIMITAÇÃO TEMPORAL. NÃO CABIMENTO. NECESSIDADE DURADOURA E AINDA PRESENTE. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA INALTERADA. MODIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.1. Impera no ordenamento jurídico pátrio que as relações contratuais devem ser lastreadas pelo Princípio da Boa-fé Objetiva (art. 421 do CC), corolário do Princípio da Eticidade, os quais informam que os contratantes, tanto ao celebrarem um contrato como durante o seu prazo de vigência, devem observar os chamados deveres anexos, entre eles, o de lealdade e probidade e o de agir conforme a razoabilidade.2. Por conseguinte, tendo vista os fatos narrados pelas partes nos autos, constando inclusive que a própria autora informou que a única finalidade da referida avença seria inscrever o seu ex-esposo como seu dependente no plano de saúde funcional dela, em manifesta afronta aos dispositivos legais pertinentes (arts. 1.723 e seguintes c/c 1.694, todos do CC e c/c a Lei nº 9.278/96), fato não impugnado pelo réu, sobressai que as partes não vivem, nem viveram, em união estável após o divórcio, de sorte que o referido contrato de união estável deve ser considerado nulo, sem qualquer efeito para o caso em tela.3. Nos termos do art. 1.699 do Código Civil, fixados os alimentos e sobrevindo mudança na situação financeira de quem os supre ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.4. A obrigação alimentar ora analisada resulta do dever de mútua assistência e da solidariedade familiar que deve pautar a vida afetiva dos familiares, no caso, de ex-consortes divorciados que, por ocasião da extinção da entidade familiar, entenderam por bem fixar uma verba alimentar em favor de um dos divorciandos, certamente, por entenderem naquele momento que um necessitava da assistência do outro (art. 1.566, III, c/c o art. 1.708, caput, ambos do CC), seja para manter o padrão social que preservavam durante o casamento, seja porque observaram que um deles necessitaria do auxílio material do outro, que tinha melhores condições financeiras e, evidentemente, destinava maior renda ao sustento da família.5. O término do casamento não implica necessariamente na extinção do dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges. Embora esse tipo de encargo seja tido como medida excepcional, exigindo comprovação da necessidade de quem os pleiteia, in casu, essa necessidade foi verificada pelas próprias partes na ocasião do divórcio, estando representada pelo fato da ex-esposa, em razão de auferir uma vultosa remuneração, ser quem mantinha o alto padrão de vida do ex-casal durante o período da convivência.6. Quando ao ex-consorte, no momento do divórcio, foi destinada uma assistência alimentar pela ex-esposa-provedora, tem-se que o dever de mútua assistência não restou extinto com a dissolução do vínculo conjugal, uma vez que ele dependia e ainda depende da ajuda da ex-companheira para se manter com dignidade e de acordo com a condição social que o casamento lhe proporcionava.7. A obrigação de prestar alimentos transitórios - a tempo certo - é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante - outrora provedor do lar -, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente. (REsp 1025769/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 01/09/2010)8. Verificado que o apelante viveu por cerca de 47 anos com a apelada, construindo um ambiente familiar duradouro, com os sacrifícios inerentes a qualquer relacionamento conjugal, com surgimento de amizades, em condições de saúde e intelectuais de acordo com a renda que a família usufruía, não seria justo, neste momento, deixá-lo, de maneira abrupta e por motivos mesquinhos, desamparado, sem condições de viver dignamente e de acordo com o que a autora lhe proporcionava durante o relacionamento.9. Sopesadas as necessidades do credor, incluindo o atual estágio em que sua vida está, e a capacidade contributiva da devedora de alimentos, neste momento, data vênia, inviável a exoneração da obrigação alimentar outrora fixada em favor do apelante, ressalvando que o valor que fora arbitrado originariamente ainda atende aos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, que por certo lastrearam a estipulação do referido encargo, e ao binômio necessidade-possibilidade, no caso concreto.10. Recurso conhecido. Apelação provida. Sentença reformada.
Ementa
CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. EX-CÔNJUGES DIVORCIADOS. ASSINATURA DE CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL APÓS O DIVÓRCIO. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA. DESCARACTERIZAÇÃO DO INSTITUTO DA UNIÃO ESTÁVEL. AFRONTA À LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA. CONTRATO NULO. DESCONSIDERAÇÃO. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR FIXADA EM FAVOR DO EX-MARIDO POR OCASIÃO DO DIVÓRCIO. ART. 1.699 DO CC. NECESSIDADE DE DEMONSTRAR QUE HOUVE ALTERAÇÃO NAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE LEVARAM A FIXAÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR ORIGINÁRIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PESSOA IDOSA E APOSENTADA COM O VALOR MÍNIMO DO BENEFÍCIO. DIFICULDADE DE REENTRAR NO MERCADO DE TRABALHO. MANTENÇA DA CONDIÇÃO SOCIAL DO PERÍODO DO CASAMENTO. ART. 1.694 DO CC. POSSIBILIDADE. CASAMENTO DURADOURO DE 47 ANOS. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DO MARIDO EM RELAÇÃO À ESPOSA DURANTE O CONVÍVIO. RECONHECIMENTO DESSE FATO NO MOMENTO DA DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. PERMANÊNCIA DAS CONDIÇÕES QUE LEVARAM AS PARTES A ESTIPULAREM LIVREMENTE SOBRE OS ALIMENTOS. EXTINÇÃO DO DEVER DE MÚTUA ASSISTÊNCIA ADIADO. LIMITAÇÃO TEMPORAL. NÃO CABIMENTO. NECESSIDADE DURADOURA E AINDA PRESENTE. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA INALTERADA. MODIFICAÇÃO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.1. Impera no ordenamento jurídico pátrio que as relações contratuais devem ser lastreadas pelo Princípio da Boa-fé Objetiva (art. 421 do CC), corolário do Princípio da Eticidade, os quais informam que os contratantes, tanto ao celebrarem um contrato como durante o seu prazo de vigência, devem observar os chamados deveres anexos, entre eles, o de lealdade e probidade e o de agir conforme a razoabilidade.2. Por conseguinte, tendo vista os fatos narrados pelas partes nos autos, constando inclusive que a própria autora informou que a única finalidade da referida avença seria inscrever o seu ex-esposo como seu dependente no plano de saúde funcional dela, em manifesta afronta aos dispositivos legais pertinentes (arts. 1.723 e seguintes c/c 1.694, todos do CC e c/c a Lei nº 9.278/96), fato não impugnado pelo réu, sobressai que as partes não vivem, nem viveram, em união estável após o divórcio, de sorte que o referido contrato de união estável deve ser considerado nulo, sem qualquer efeito para o caso em tela.3. Nos termos do art. 1.699 do Código Civil, fixados os alimentos e sobrevindo mudança na situação financeira de quem os supre ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.4. A obrigação alimentar ora analisada resulta do dever de mútua assistência e da solidariedade familiar que deve pautar a vida afetiva dos familiares, no caso, de ex-consortes divorciados que, por ocasião da extinção da entidade familiar, entenderam por bem fixar uma verba alimentar em favor de um dos divorciandos, certamente, por entenderem naquele momento que um necessitava da assistência do outro (art. 1.566, III, c/c o art. 1.708, caput, ambos do CC), seja para manter o padrão social que preservavam durante o casamento, seja porque observaram que um deles necessitaria do auxílio material do outro, que tinha melhores condições financeiras e, evidentemente, destinava maior renda ao sustento da família.5. O término do casamento não implica necessariamente na extinção do dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges. Embora esse tipo de encargo seja tido como medida excepcional, exigindo comprovação da necessidade de quem os pleiteia, in casu, essa necessidade foi verificada pelas próprias partes na ocasião do divórcio, estando representada pelo fato da ex-esposa, em razão de auferir uma vultosa remuneração, ser quem mantinha o alto padrão de vida do ex-casal durante o período da convivência.6. Quando ao ex-consorte, no momento do divórcio, foi destinada uma assistência alimentar pela ex-esposa-provedora, tem-se que o dever de mútua assistência não restou extinto com a dissolução do vínculo conjugal, uma vez que ele dependia e ainda depende da ajuda da ex-companheira para se manter com dignidade e de acordo com a condição social que o casamento lhe proporcionava.7. A obrigação de prestar alimentos transitórios - a tempo certo - é cabível, em regra, quando o alimentando é pessoa com idade, condições e formação profissional compatíveis com uma provável inserção no mercado de trabalho, necessitando dos alimentos apenas até que atinja sua autonomia financeira, momento em que se emancipará da tutela do alimentante - outrora provedor do lar -, que será então liberado da obrigação, a qual se extinguirá automaticamente. (REsp 1025769/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 01/09/2010)8. Verificado que o apelante viveu por cerca de 47 anos com a apelada, construindo um ambiente familiar duradouro, com os sacrifícios inerentes a qualquer relacionamento conjugal, com surgimento de amizades, em condições de saúde e intelectuais de acordo com a renda que a família usufruía, não seria justo, neste momento, deixá-lo, de maneira abrupta e por motivos mesquinhos, desamparado, sem condições de viver dignamente e de acordo com o que a autora lhe proporcionava durante o relacionamento.9. Sopesadas as necessidades do credor, incluindo o atual estágio em que sua vida está, e a capacidade contributiva da devedora de alimentos, neste momento, data vênia, inviável a exoneração da obrigação alimentar outrora fixada em favor do apelante, ressalvando que o valor que fora arbitrado originariamente ainda atende aos critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, que por certo lastrearam a estipulação do referido encargo, e ao binômio necessidade-possibilidade, no caso concreto.10. Recurso conhecido. Apelação provida. Sentença reformada.
Data do Julgamento
:
24/04/2013
Data da Publicação
:
29/04/2013
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
1ª Turma Cível
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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