TJDF APC -Apelação Cível-20130110023596APC
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS. REJEIÇÃO. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. PROBLEMAS COM A DOCUMENTAÇÃO. ÓBICE À TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DO BEM À ADQUIRENTE. DEVER DE INFORMAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO. RESCISÃO DA AVENÇA. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS ATÉ ENTÃO PAGAS. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DE MEIO ARDIL PELO VENDEDOR PARA REAVER O BEM, INDUZINDO EM ERRO A FILHA DA ADQUIRENTE. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADOS. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. SENTENÇA MANTIDA.1. As razões recursais devem tratar dos fundamentos decididos na sentença, devolvendo ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, sob pena de inépcia do apelo, à luz do princípio da dialeticidade (CPC, art. 514). Não estando as razões recursais expostas pela parte ré dissociadas dos fundamentos da decisão monocrática, não há falar em ausência de pressuposto de regularidade formal. Preliminar rejeitada.2. A relação obrigacional é pautada pela vontade e integrada pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de conduta a ambos os contratantes (CC, art. 422). A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira.3. A conduta do vendedor, ao negociar a venda de automóvel usado, supondo que ele estava com toda a documentação regular, quando na verdade possuía impasses que obstariam ulterior transferência da propriedade à adquirente, é violadora dos deveres de lealdade e de informação, corolários da boa-fé contratual.4. A impossibilidade de transferência do veículo perante o órgão de trânsito responsável, por problemas na documentação, autoriza a rescisão do contrato de compra e venda de veículo usado e a devolução das parcelas até então pagas pela compradora, retornando as partes ao status quo ante, haja vista a existência de mácula ao dever de informação, por parte do vendedor que detinha plena ciência daquele embaraço.5. A responsabilidade civil aquiliana advém da prática de evento danoso, cuja reparação exige a presença: a) do ato ilícito; b) da culpa em seu sentido lato sensu (que engloba o ato doloso e o culposo em sentido estrito); c) do nexo causal que une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pelo ofendido; e d) do dano, este como elemento preponderante da responsabilidade civil, sem o qual não há o que reparar (CC, arts. 186, 187 e 927). Presentes esses pressupostos, impõe-se o dever de indenizar.6. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade (v.g. à honra, à imagem, à integridade física e psicológica, à liberdade etc.). Daí porque a violação de quaisquer dessas prerrogativas, afetas diretamente à dignidade do indivíduo, constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória por danos morais.6.1. A inobservância de cláusulas contratuais gera frustrações para a parte inocente, mas não se apresenta, em regra, como suficiente para produzir dano na esfera íntima do indivíduo, pois o descumprimento das obrigações contratuais não é de todo imprevisível. 6.2. O caso concreto, todavia, foge da esfera de mero descumprimento contratual, ensejando abalo a direitos da personalidade. O réu, na qualidade de vendedor, criou uma situação ardil para reaver a posse do veículo objeto do contrato, causando grande angústia e aflição à filha da adquirente do bem. Para tanto, induzindo-a em erro, mesmo ciente dos problemas psicológicos enfrentados por ela, argumentou que o automóvel deveria passar por vistoria, a fim de regularizar sua documentação, para, então, aproveitando-se da situação vulnerável da parte, e utilizando-se de chave reserva, retirar o bem do local em que se encontrava estacionado, deixando-a sem meio de locomoção.7. O quantum dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de reparação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor, a condição do ofendido e a prevenção de comportamentos futuros análogos. O valor pecuniário não pode ser fonte de obtenção de vantagem indevida, mas também não pode ser irrisório, para não fomentar comportamentos irresponsáveis. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 7.1. Cabe ao Poder Judiciário adotar medidas severas e comprometidas hábeis a desestimular eventuais infrações contratuais ao postulado da boa-fé objetiva, por meio do arbitramento de quantia que cumpra o perfil de advertência à parte responsável pelo descumprimento da obrigação, sob pena de incentivo à impunidade e de desrespeito às normas éticas delimitadoras do negócio jurídico.7.2. Nesse passo, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) fixado na sentença atende às peculiaridades do caso concreto e às finalidades do instituto do dano moral, no necessário efeito pedagógico de evitar futuros e análogos fatos e sem representar fonte de renda indevida.8. Preliminar de razões dissociadas rejeitada. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.
Ementa
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS. REJEIÇÃO. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. PROBLEMAS COM A DOCUMENTAÇÃO. ÓBICE À TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DO BEM À ADQUIRENTE. DEVER DE INFORMAÇÃO. BOA-FÉ OBJETIVA. VIOLAÇÃO. RESCISÃO DA AVENÇA. RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS ATÉ ENTÃO PAGAS. POSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO DE MEIO ARDIL PELO VENDEDOR PARA REAVER O BEM, INDUZINDO EM ERRO A FILHA DA ADQUIRENTE. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADOS. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. SENTENÇA MANTIDA.1. As razões recursais devem tratar dos fundamentos decididos na sentença, devolvendo ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada, sob pena de inépcia do apelo, à luz do princípio da dialeticidade (CPC, art. 514). Não estando as razões recursais expostas pela parte ré dissociadas dos fundamentos da decisão monocrática, não há falar em ausência de pressuposto de regularidade formal. Preliminar rejeitada.2. A relação obrigacional é pautada pela vontade e integrada pela boa-fé, resguardando o fiel processamento da relação jurídica entabulada mediante a imposição de deveres de conduta a ambos os contratantes (CC, art. 422). A quebra da boa-fé, pela ruptura das obrigações estabelecidas, vulnera a confiança daquele que foi induzido a legítimas expectativas de que o contrato seria realizado de determinada maneira.3. A conduta do vendedor, ao negociar a venda de automóvel usado, supondo que ele estava com toda a documentação regular, quando na verdade possuía impasses que obstariam ulterior transferência da propriedade à adquirente, é violadora dos deveres de lealdade e de informação, corolários da boa-fé contratual.4. A impossibilidade de transferência do veículo perante o órgão de trânsito responsável, por problemas na documentação, autoriza a rescisão do contrato de compra e venda de veículo usado e a devolução das parcelas até então pagas pela compradora, retornando as partes ao status quo ante, haja vista a existência de mácula ao dever de informação, por parte do vendedor que detinha plena ciência daquele embaraço.5. A responsabilidade civil aquiliana advém da prática de evento danoso, cuja reparação exige a presença: a) do ato ilícito; b) da culpa em seu sentido lato sensu (que engloba o ato doloso e o culposo em sentido estrito); c) do nexo causal que une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pelo ofendido; e d) do dano, este como elemento preponderante da responsabilidade civil, sem o qual não há o que reparar (CC, arts. 186, 187 e 927). Presentes esses pressupostos, impõe-se o dever de indenizar.6. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade (v.g. à honra, à imagem, à integridade física e psicológica, à liberdade etc.). Daí porque a violação de quaisquer dessas prerrogativas, afetas diretamente à dignidade do indivíduo, constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória por danos morais.6.1. A inobservância de cláusulas contratuais gera frustrações para a parte inocente, mas não se apresenta, em regra, como suficiente para produzir dano na esfera íntima do indivíduo, pois o descumprimento das obrigações contratuais não é de todo imprevisível. 6.2. O caso concreto, todavia, foge da esfera de mero descumprimento contratual, ensejando abalo a direitos da personalidade. O réu, na qualidade de vendedor, criou uma situação ardil para reaver a posse do veículo objeto do contrato, causando grande angústia e aflição à filha da adquirente do bem. Para tanto, induzindo-a em erro, mesmo ciente dos problemas psicológicos enfrentados por ela, argumentou que o automóvel deveria passar por vistoria, a fim de regularizar sua documentação, para, então, aproveitando-se da situação vulnerável da parte, e utilizando-se de chave reserva, retirar o bem do local em que se encontrava estacionado, deixando-a sem meio de locomoção.7. O quantum dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de reparação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor, a condição do ofendido e a prevenção de comportamentos futuros análogos. O valor pecuniário não pode ser fonte de obtenção de vantagem indevida, mas também não pode ser irrisório, para não fomentar comportamentos irresponsáveis. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 7.1. Cabe ao Poder Judiciário adotar medidas severas e comprometidas hábeis a desestimular eventuais infrações contratuais ao postulado da boa-fé objetiva, por meio do arbitramento de quantia que cumpra o perfil de advertência à parte responsável pelo descumprimento da obrigação, sob pena de incentivo à impunidade e de desrespeito às normas éticas delimitadoras do negócio jurídico.7.2. Nesse passo, o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) fixado na sentença atende às peculiaridades do caso concreto e às finalidades do instituto do dano moral, no necessário efeito pedagógico de evitar futuros e análogos fatos e sem representar fonte de renda indevida.8. Preliminar de razões dissociadas rejeitada. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida.
Data do Julgamento
:
23/04/2014
Data da Publicação
:
29/04/2014
Órgão Julgador
:
1ª Turma Cível
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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