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Jurisprudência


TJDF APO - 899530-20090110179496APO

Ementa
ADMINISTRATIVO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FINAL DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE FUTEBOL DE 2008. TUMULTO ENVOLVENDO TORCIDAS ORGANIZADAS DO SÃO PAULO E DO GOIÁS. PRELIMINARES: AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. MÉRITO: ABORDAGEM POLICIAL DE TORCEDOR DO TIME PAULISTA. VÍTIMA QUE JÁ APRESENTAVA SINAL DE RENDIÇÃO. DISPARO ACIDENTAL DE ARMA DE FOGO, APÓS GOLPE DE CORONHADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. PRESSUPOSTOS PRESENTES. CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DA VÍTIMA NÃO EVIDENCIADA. LEGÍTIMA DEFESA E CASO FORTUITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PENSIONAMENTO. FILHO MENOR. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. CABIMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. PREJUÍZO PRESUMIDO. QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. CONCLUSÃO DO JULGAMENTO DAS ADIS N. 4.357/DF E N. 4.425/DF. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL LIMITADA À ATUALIZAÇÃO DOS CRÉDITOS JÁ INSCRITOS EM PRECATÓRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MONTANTE RAZOÁVEL. APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO PARCIALMENTE PROVIDOS. 1.Não se conhece do agravo retido manejado pelo Distrito Federal contra a decisão que indeferiu o pedido de denunciação à lide do servidor responsável pelo evento danoso (disparo de arma de fogo), uma vez que não reiterado o pedido de julgamento daquele recurso no apelo interposto, requisito indispensável para a sua apreciação (CPC, art. 523, caput e § 1º). 2.Não há falar em nulidade da sentença pelo fato de a denunciação à lide ter sido indeferida. Além de configurada a preclusão, ante a não reiteração do agravo retido manejado com esse intuito, a denunciação à lide, fundada no art. 70, III, do CPC, não é obrigatória, cujo indeferimento, além de velar pela celeridade processual, não enseja prejuízo ao Distrito Federal, que detém ação regressiva contra o servidor. Preliminar rejeitada. 3.A teoria do risco administrativo constitui fundamento do art. 37, § 6º, da Constituição Federal (reforçado pelos no arts. 43, 186 e 927 do CC), o qual disciplina a responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, ressalvado o direito de regresso contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Basta, assim, a prova do fato lesivo, da ocorrência dano e do nexo causal entre eles, para fins de responsabilização estatal, sendo desnecessário perquirir acerca da existência de culpa. 4.A situação dos autos evidencia que, no dia 7/12/2008, pouco antes do jogo da final do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2008, entre os times do Goiás e do São Paulo, no Estádio Bezerrão, situado na cidade satélite do Gama/DF, durante um tumulto envolvendo torcidas organizadas, o torcedor Nilton César de Jesus, pai do autor, fora rendido em uma ação policial, vindo a ser atingido por disparo de arma de fogo, ocasionado pela atuação de policial militar, escalado como motociclista para patrulhar a localidade, o que ocasionou sua morte, em 11/12/2008. 5.A dinâmica do incidente demonstra a atuação equivocada do agente público que, sem observar as normas de abordagem e segurança, aproximou-se da vítima - que estava de costas, com as mãos levantadas na altura do ombro e ligeiramente curvada à frente, em posição de total submissão -, ocasião em que, ao desferir uma coronhada de arma de fogo nas costas daquela, seguiu-se um disparo acidental, pelo fato de não estar devidamente travada, que transfixou a cabeça do torcedor, ocasionando o seu óbito. Nessa toada, não há como isentar o Distrito Federal da responsabilidade civil decorrente desse evento, porquanto o dano proveio do desempenho do seu agente, no exercício das suas funções. 6.O fato de o torcedor vitimado, quando da abordagem policial, ser apontado como uma das pessoas responsáveis pela prática dos atos de vandalismo e de violência aos torcedores do time adversário não justifica a atuação equivocada do policial militar, tampouco caracteriza culpa exclusiva ou concorrente da vítima, para fins de extinção/minoração do direito postulado, por ausência de nexo causal. Também não há falar em legítima defesa própria ou de outrem (CC, art. 188, I), porquanto, no momento da rendição do torcedor, que já não apresentava nenhuma resistência, o policial militar não estava diante de uma agressão injusta, atual e iminente, o que, por óbvio, torna inaplicável essa excludente de responsabilidade. 7.É devida pensão mensal (CC, art. 948, II) ao filho menor, pela morte de genitor, no patamar de 2/3 do salário mínimo quando não comprovada a renda, até que o beneficiário complete 24 anos, término comum da vida universitária, pois nesta idade presume-se que seria economicamente independente e deixaria o lar para constituir família própria. 8.As circunstâncias fáticas narradas são capazes de atentar contra direitos da personalidade, sendo evidente o dano moral experimentado pelo filho da vítima, o qual é in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo (morte do filho). A morte de um ente querido, especialmente do genitor, a toda evidência, desencadeia uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção, dispensada demonstração, notadamente em razão da imprevisibilidade do evento e da própria covardia do ato. É o que se chama de danos morais reflexos ou por ricochete. Ou seja, embora o evento danoso tenha afetado determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros (préjudice d'affection). Nesse prisma, é de se reconhecer o direito à compensação por danos morais, cujo montante servirá apenas para abrandar a aflição do filho menor que conviverá com a ausência do pai. 9.O quantum compensatório a título de dano moral deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo se atentar para a extensão da dor, do sentimento, das marcas deixadas pelo evento danoso e ainda as condições sociais e econômicas da vítima e da pessoa obrigada, sem falar na prevenção de comportamentos futuros análogos. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). 9.1.No caso concreto, a brutal dinâmica fática, que culminou com o falecimento imprevisível do pai do autor, enseja profundo abalo em seu íntimo, inexistindo meios de recompor efetivamente a situação ao status quo ante, mormente em razão da condição irreversível que é a morte. Tamanha dor emocional não se atenua com o transcurso do tempo, ao revés, a saudade e a ausência são potencializadas com o passar dos anos. 9.2. Nesse prisma, mantém-se o valor dos danos morais fixado em Primeira Instância, no importe de R$ 180.000,00. 10. A declaração de inconstitucionalidade da utilização da TR como fator de correção dos débitos da Fazenda Pública, no bojo das ADIs n. 4.357/DF e n. 4.425/DF, atingiu apenas o período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Ou seja, no que toca aos débitos postulados em juízo e até o momento anterior à sua inscrição em precatório, a regra legal estabelecida pelo art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09, permanece inalterada. 11.Cuidando-se de condenação imposta à Fazenda Pública, o § 4º do art. 20 do CPC estabelece que os honorários advocatícios devem ser fixados de acordo com a apreciação equitativa do julgador, valendo-se, para tanto, dos parâmetros insertos no § 3º do mesmo preceptivo legal (grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço). Na espécie, razoável o montante de R$ 3.000,00. 12. Agravo retido não conhecido. Preliminar de nulidade da sentença rejeitada. Remessa necessária e recurso de apelação conhecidos e parcialmente providos.

Data do Julgamento : 30/09/2015
Data da Publicação : 22/10/2015
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
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