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Jurisprudência


TJDF APO -Apelação/Reexame necessário-20090110111059APO

Ementa
ADMINISTRATIVO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. NÃO CONHECIMENTO. SOBRESTAMENTO DO FEITO. DESNECESSIDADE. AÇÃO REPARATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS AJUIZADA PELA GENITORA. TUMULTO ENVOLVENDO TORCIDAS ORGANIZADAS NA FINAL DO CAMPEONATO BRASILEIRO DE FUTEBOL DE 2008, ENTRE SÃO PAULO E GOIÁS. ABORDAGEM POLICIAL DE TORCEDOR DO TIME PAULISTA. VÍTIMA QUE JÁ APRESENTAVA SINAL DE RENDIÇÃO. DISPARO ACIDENTAL DE ARMA DE FOGO, POR NÃO ESTAR DEVIDAMENTE TRAVADA, APÓS GOLPE DE CORONHADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO (CF, ART. 37, § 6º). TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃO EVIDENCIADA. LEGÍTIMA DEFESA E CASO FORTUITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRESENÇA DOS ELEMENTOS BALIZADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL CONFIGURADO. PREJUÍZO PRESUMIDO EM RAZÃO DA PERDA DO ENTE FAMILIAR QUERIDO. QUANTUM COMPENSATÓRIO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. PENSIONAMENTO. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO EM VALOR BAIXO. MAJORAÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.1. Não se conhece do agravo retido interposto pelo Distrito Federal em Audiência de Instrução e Julgamento contra a decisão que indeferiu o pedido de denunciação à lide do servidor responsável pelo evento danoso descrito na petição inicial (disparo de arma de fogo), uma vez que não reiterado o pedido de julgamento daquele recurso no apelo interposto, tampouco foram apresentadas contrarrazões, requisito indispensável para a sua apreciação, conforme art. 523, caput e § 1º, do CPC. Ainda que assim não fosse, o indeferimento desse pleito, além de velar pela celeridade processual, não enseja prejuízo ao ente distrital, que detém ação regressiva contra o agente causador do dano.2. É desnecessário o sobrestamento do feito reparatório por ato ilícito quando a ação penal correlata (Processo n. 2008.01.1.159291-5), a qual respondia o agente público causador do dano, já quedou devidamente encerrada, cujo trânsito em julgado data de 21/9/2012.3. A teoria do risco administrativo constitui fundamento do art. 37, § 6º, da Constituição Federal (reforçado pelos no arts. 43, 186 e 927 do CC), o qual disciplina a responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, ressalvado direito de regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. Basta, assim, a prova do fato lesivo, da ocorrência dano e do nexo causal entre eles, para fins de responsabilização, sendo desnecessário perquirir acerca da existência de culpa para configurar o dever de indenizar do Estado. A mens legis é justamente sopesar a inferioridade técnica-econômica dos administrados em relação ao Poder Público. É dizer: O Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegidos por inúmeras normas do ordenamento jurídico (CARVALHO FILHO, José dos Santos., Manual de direito administrativo, 2012, p. 546).4. A situação dos autos evidencia que, no dia 7/12/2008, pouco antes do jogo da final do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2008, entre os times do Goiás e do São Paulo, no Estádio Bezerrão, situado na cidade satélite do Gama/DF, durante um tumulto envolvendo torcidas organizadas, o torcedor Nilton César de Jesus, filho da autora, fora rendido em uma ação policial, vindo a ser atingido por disparo de arma de fogo, ocasionado pela atuação de policial militar, escalado como motociclista para patrulhar a localidade, o que ocasionou sua morte, em 11/12/2008, consoante fazem prova a Certidão de Óbito a o Exame de Corpo de Delito. 5. A dinâmica do incidente, embasada em depoimentos testemunhais, noticiário e filmagem do fato, demonstra a atuação equivocada do agente público que, sem observar as normas de abordagem e segurança, aproximou-se da vítima - que estava de costas, com as mãos levantadas na altura do ombro e ligeiramente curvada à frente, em posição de total submissão -, ocasião em que, ao desferir uma coronhada de arma de fogo nas costas daquela, seguiu-se um disparo acidental, pelo fato de não estar devidamente travada, que transfixou a cabeça do torcedor, ocasionando o seu óbito. Nessa toada, não há como isentar o Distrito Federal da responsabilidade civil decorrente desse evento, porquanto o dano proveio do desempenho do seu agente, no exercício das suas funções.6. O fato de o torcedor vitimado, quando da abordagem policial, ser apontado como uma das pessoas responsáveis pela prática dos atos de vandalismo e de violência aos torcedores do time adversário não justifica a atuação equivocada do policial militar, tampouco caracteriza culpa exclusiva da vítima, para fins de extinção do direito postulado, por ausência de nexo causal. Também não há falar em legítima defesa própria ou de outrem (CC, art. 188, I), porquanto, no momento da rendição do torcedor, que já não apresentava nenhuma resistência, o policial militar não estava diante de uma agressão injusta, atual e iminente, o que, por óbvio, torna inaplicável essa excludente de responsabilidade. Embora o caso fortuito tenha o condão de liberar o responsável do dever de indenizar, o caso dos autos não se amolda ao instituto invocado, porquanto a previsibilidade do disparo acidental não foge à capacidade de percepção do homem, sendo que as consequências poderiam ser evitadas com um dever maior de diligência do agente público.7. Ao fim e ao cabo, deveria a autoridade policial estar preparada para conter e enfrentar a violência das torcidas envolvidas, que exige muito mais cautela diante da quantidade de pessoas presentes, e não praticar violência ainda maior do que a necessária ao combate dos atos dessa natureza. O despreparo do policial choca pela brutalidade do resultado, notadamente por se tratar de agente com vários anos de caserna.8. Não se pode olvidar que o policial responsável pelo disparo acidental de arma de fogo quedou condenado na esfera penal em razão do fato debatido nos autos, cujo conteúdo decisório emitido, baseado em exame realizado pelo IML/DF, corrobora a dinâmica fática já exposta, bem assim a compatibilidade do projétil utilizado pelo agente e aquele que transfixou a cabeça da vítima, tornando-a incontroversa.9. As circunstâncias fáticas narradas são capazes de atentar contra direitos da personalidade, sendo evidente o dano moral experimentado pela autora, mãe da vítima, o qual é in re ipsa, ou seja, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo (morte do filho). A morte de um ente querido, especialmente do filho, a toda evidência, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção, dispensada demonstração, notadamente em razão da imprevisibilidade do evento e da própria covardia do ato. É o que se chama de danos morais reflexos ou por ricochete. Ou seja, embora o evento danoso tenha afetado determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros (préjudice d'affection). Nesse prisma, é de se reconhecer o direito à compensação por danos morais, cujo montante servirá apenas para abrandar a aflição da genitora que convive com a ausência do filho. 10. O quantum compensatório a título de dano moral deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, devendo se atentar para a extensão da dor, do sentimento, das marcas deixadas pelo evento danoso e ainda as condições sociais e econômicas da vítima e da pessoa obrigada, sem falar na prevenção de comportamentos futuros análogos. Essa compensação não pode ser fonte de enriquecimento sem causa da vítima e nem de empobrecimento do devedor. Normativa da efetiva extensão do dano, por inteligência do art. 944 do CC. No caso concreto, é de ser relevado que a brutal dinâmica fática, que culminou com o falecimento imprevisível do filho da autora, enseja profundo abalo em seu íntimo, inexistindo meios de recompor efetivamente a situação ao status quo ante, mormente em razão da condição irreversível que é a morte. Tamanha dor emocional não se atenua com o transcurso do tempo, ao revés, a saudade e a ausência são potencializadas com o passar dos anos. Desse modo, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem assim levando em conta a situação peculiar da perda de um ente familiar querido (filho), a dor, o preito de saudade e o conforto espiritual, tem-se por escorreito o montante dos danos morais fixado em Primeira Instância, no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), o qual respeita às peculiaridades do caso concreto e às finalidades do instituto, não sendo excessivo a ponto de beirar o enriquecimento ilícito nem ínfimo, que não coíba novas práticas, sendo, ainda, o justo para a autora pelo inestimável sofrimento com a morte do filho.11. Quanto aos danos materiais, consistente na fixação de pensionamento, deve a parte demonstrar que a vítima exercia atividade econômica, bem como o auxílio material desta no sustento da casa (CC, art. 948, II). No caso vertente, os elementos de prova colacionados aos autos (contas de luz, água e de telefone; declaração de testemunha e de informante) evidenciam a dependência econômica da genitora, pessoa humilde, do lar e desprovida de rendas, em relação ao filho falecido. Ainda que não existam provas cabais do valor das contribuições realizadas pelo de cujus na mantença da casa, tal peculiaridade não é causa para o não acolhimento dessa pretensão, haja vista que a dependência econômica entre os membros de família de baixa renda é presumida. Nesse passo, à míngua de elementos concretos, tem-se por razoável a fixação do pensionamento em 1 (um) salário mínimo. Conquanto a sentença tenha sido omissa quanto ao termo final da pensão decorrente do ato ilícito noticiado, segundo a jurisprudência, deve-se levar em consideração a estimativa de sobrevida do falecido, extraído da tabela de expectativa de vida do IBGE para fins previdenciários, atualmente em 74 anos, ou a data de falecimento da beneficiária, o que ocorrer em primeiro lugar.12. Cuidando-se de condenação imposta à Fazenda Pública, o § 4º do artigo 20 do CPC estabelece que os honorários advocatícios devem ser fixados de acordo com a apreciação equitativa do julgador, valendo-se, para tanto, dos parâmetros insertos no § 3º do mesmo preceptivo legal (grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço). Deve o montante ser razoável e prezar pelo equilíbrio entre o tempo despendido e o esforço desempenhado pelo advogado. Nesse propósito, pode o julgador tanto utilizar-se dos percentuais mínimo de 10% e máximo de 20% - seja sobre o montante da causa, seja sobre o montante condenatório - como estabelecer um valor fixo. Na espécie, à luz dos critérios acima expostos, especialmente do grau de complexidade da ação, das provas produzidas e do trabalho desempenhado pelo patrono, e dado os liames da questão posta, entendo que o valor fixado na sentença, de R$ 1.000,00 (um mil reais), merece ser majorado para o patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, o qual é razoável e melhor remunera o trabalho desenvolvido pelo patrono da autora.proferir a seguinte decisão: RECURSOS CONHECIDOS; AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO; IMPROVIDOS O APELO DO DISTRITO FEDERAL E A REMESSA NECESSÁRIA, UNÂNIME. PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DA AUTORA; VENCIDO EM PARTE O VOGAL13. Remessa necessária conhecida e desprovida. Recurso do Distrito Federal conhecido; agravo retido não conhecido; e, no mérito, desprovido. Recurso da autora conhecido e parcialmente provido tão somente para majorar a verba honorária para 10% sobre o valor da condenação.

Data do Julgamento : 22/05/2013
Data da Publicação : 07/06/2013
Órgão Julgador : 1ª Turma Cível
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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