TJDF APR - 900476-20090310284269APR
RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO II, ARTIGO 11, CAPUT E ARTIGO 12, INCISO I, TODOS DA LEI N.º 8.137/1990. SUPRESSÃO DE ICMS DOS COFRES PÚBLICOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DAS DEFESAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DO INTERESSE DE AGIR E COISA JULGADA. REJEIÇÃO DE TODAS AS PRELIMINARES. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOLO COMPROVADO. PENA-BASE. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS. BIS IN IDEM. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. CONFIGURAÇÃO. RECURSO MINISTERIAL. AGRAVANTES.CABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS DAS DEFESAS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. A peça acusatória descreveu a situação fática que ensejou o evento criminoso, com todas as circunstâncias que o envolveram e com a indicação dos réus como os autores do fato, além dos tipos penais em que se inserem as condutas praticadas, de modo que não há que se falar em inépcia da denúncia. 2. A existência de justa causa está principalmente conectada à existência de lastro mínimo probatório para que o Juiz receba a peça acusatória. Na espécie, verifica-se haver elementos suficientes para o recebimento da peça acusatória, pois o inquérito policial trouxe farto lastro probatório a subsidiar a instauração da ação penal. Além disso, se o feito já foi instruído e sentenciado, evidente que a matéria encontra-se preclusa, não se mostrando viável reconhecer a inépcia da denúncia no presente momento processual. 3. Entende-se por sem motivação a decisão despida dos argumentos e elementos que culminaram na decisão final ou que não tenha refutado ao menos genericamente as teses defensivas. A Magistrada sentenciante fundamentou a sua decisão na ocorrência da preclusão, não havendo que se confundir ausência de motivação com fundamentação sucinta. Se as preliminares arguidas pelas defesas já foram refutadas em momentos pretéritos do processo, não tendo sido contestadas no momento oportuno, ocorreu a preclusão do direito de exame da matéria. 4. Segundo preceitua o artigo 400, § 1º, do Código de Processo Penal, o Juiz pode indeferir a produção de provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, fundamentando, evidentemente, o indeferimento. O Magistrado tem o dever de zelar pela escorreita condução do processo, recusando-se à colheita de provas inúteis que, inequivocamente, não interessam ao deslinde da ação, obstando a produção de provas de caráter procrastinatório, que não terão qualquer utilidade para o alcance da verdade real. Além disso, não configura cerceamento do direito de defesa o indeferimento da juntada da cópia integral de outros autos, se tal providência poderia ser tomada pela Defesa. 5. Para que se possa falar na existência de falta do interesse de agir pela coisa julgada, necessária a existência de trânsito em julgado de ação penal idêntica. Na espécie, as ações indicadas pela Defesa como aptas a caracterizar coisa julgada referem-se a fatos distintos dos ora apurados. Dessa forma, não há que se falar na existência de coisa julgada. 6. A materialidade e a autoria dos crimes de sonegação de tributos do artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 restaram devidamente comprovadas, pois, de acordo com os elementos probatórios, a empresa, gerida e administrada pelo terceiro apelante, e que possuía o segundo apelante como contador, fraudou a fiscalização tributária, mediante omissão de operações e inserção de elementos inexatos em livros exigidos pela lei fiscal, omitindo, assim, informações às autoridades fazendárias, deixando de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devido aos cofres da Fazenda Pública do Distrito Federal. 7. Para a configuração do crime de sonegação fiscal, a jurisprudência dispensa a comprovação do dolo específico, contentando-se com o dolo genérico. Dessa forma, basta que o agente omita operações ou insira elementos inexatos em livros exigidos pela lei fiscal com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, não sendo necessário demonstrar o ânimo de se obter benefício indevido, ou seja, não é necessário provar um especial fim de agir. 8. Muito embora se reconheça a alta carga tributária presente no país, esta não pode servir de justificativa para a sonegação de impostos sob o pálio da inexigibilidade de conduta diversa. 9. A prática de variados procedimentos fraudulentos por extenso lapso de tempo serviu de justificativa para aplicar-se a fração máxima de aumento em decorrência da continuidade delitiva, não podendo ser considerada, então, na primeira fase da dosimetria, sob pena de incorrer em bis in idem. 10. A justificativa para considerar negativa a circunstância judicial das consequências do crime foi a mesma utilizada para majorar a pena em decorrência da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, consistente na supressão de enorme importância, de modo que aproveitar-se do mesmo argumento para aumentar também a pena-base acarretaria em indevido bis in idem. 11. Incide a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal se o réu organiza e dirige a atividade dos demais agentes. 12. O Código de Ética Profissional do Contador veda a prática de crimes por parte do referido profissional, de modo que incide a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, pois o ato ilícito praticado pelo réu, além de configurar delito tributário, viola expressamente dever inerente à sua profissão. 13. A causa especial de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/1990 - ocasionar grave dano à coletividade, trata-se de um tipo aberto, cabendo ao Julgador, através de sua discricionariedade, determinar quais as situações de efetivo dano ou prejuízo à coletividade em que incidirá a referida causa de aumento. 14.De acordo com a jurisprudência, deve-se considerar para fins de incidência ou não da majorante em exame, apenas o valor originalmente sonegado, sem os acréscimos legais (multa, juros e correção monetária). 15. No caso em espécie, considerando que o valor sonegado por um apelante, sem os acréscimos legais, é de R$ 932.991,57 (novecentos e trinta e dois mil, novecentos e noventa e um reais e cinquenta e sete centavos), e pelo outro apelante, também sem os acréscimos legais, é de R$ 12.643.893,70 (doze milhões, seiscentos e quarenta e três mil, oitocentos e noventa e três reais e setenta centavos), resta configurado o grave dano à coletividade, devendo incidir a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, à razão de 1/3 (um terço) para o primeiro e de 1/2 (metade) para o segundo réu. 16. A Lei nº 8.137/1990, em seu artigo 8º, parágrafo único, estabeleceu o valor do dia-multaem BTN - Bônus do Tesouro Nacional. Diante da extinção do BTN pela Lei nº 8.177/1991, não é possível substituir o índice por outro, nem mesmo pela Taxa Referencial - TR, sob pena de ofensa aos princípios da anterioridade e da taxatividade da norma penal, de modo que a pena pecuniária deve ser afastada. 17. Recursos conhecidos. Preliminares rejeitadas. Providos parcialmente os recursos das Defesas para, mantidas as condenações do segundo apelante nas sanções do artigo 1º, inciso II, combinado com o artigo 11, caput, e com o artigo 12, inciso I, todos da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, e do terceiro apelante nas sanções do artigo1º, inciso II, combinado com o artigo 12, inciso I, ambos da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, excluir a análise negativa das consequências do crime e as penas de multa impostas. Provido parcialmente o recurso do Ministério Público para aplicar à pena do segundo apelante a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, bem como para aplicar à pena do terceiro apelante a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal e majorar a fração aplicada em decorrência da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 (grave dano à coletividade) para o máximo de 1/2 (metade), restando a pena do segundo apelante reduzida de 06 (seis) anos e 03 (três) meses para 05 (cinco) anos, 11 (onze) meses e 03 (três) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e a do terceiro apelante ampliada de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses para 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto de cumprimento de pena.
Ementa
RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO II, ARTIGO 11, CAPUT E ARTIGO 12, INCISO I, TODOS DA LEI N.º 8.137/1990. SUPRESSÃO DE ICMS DOS COFRES PÚBLICOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DAS DEFESAS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO NA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DO INTERESSE DE AGIR E COISA JULGADA. REJEIÇÃO DE TODAS AS PRELIMINARES. PEDIDOS DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOLO COMPROVADO. PENA-BASE. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS. BIS IN IDEM. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. CONFIGURAÇÃO. RECURSO MINISTERIAL. AGRAVANTES.CABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS DAS DEFESAS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. A peça acusatória descreveu a situação fática que ensejou o evento criminoso, com todas as circunstâncias que o envolveram e com a indicação dos réus como os autores do fato, além dos tipos penais em que se inserem as condutas praticadas, de modo que não há que se falar em inépcia da denúncia. 2. A existência de justa causa está principalmente conectada à existência de lastro mínimo probatório para que o Juiz receba a peça acusatória. Na espécie, verifica-se haver elementos suficientes para o recebimento da peça acusatória, pois o inquérito policial trouxe farto lastro probatório a subsidiar a instauração da ação penal. Além disso, se o feito já foi instruído e sentenciado, evidente que a matéria encontra-se preclusa, não se mostrando viável reconhecer a inépcia da denúncia no presente momento processual. 3. Entende-se por sem motivação a decisão despida dos argumentos e elementos que culminaram na decisão final ou que não tenha refutado ao menos genericamente as teses defensivas. A Magistrada sentenciante fundamentou a sua decisão na ocorrência da preclusão, não havendo que se confundir ausência de motivação com fundamentação sucinta. Se as preliminares arguidas pelas defesas já foram refutadas em momentos pretéritos do processo, não tendo sido contestadas no momento oportuno, ocorreu a preclusão do direito de exame da matéria. 4. Segundo preceitua o artigo 400, § 1º, do Código de Processo Penal, o Juiz pode indeferir a produção de provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, fundamentando, evidentemente, o indeferimento. O Magistrado tem o dever de zelar pela escorreita condução do processo, recusando-se à colheita de provas inúteis que, inequivocamente, não interessam ao deslinde da ação, obstando a produção de provas de caráter procrastinatório, que não terão qualquer utilidade para o alcance da verdade real. Além disso, não configura cerceamento do direito de defesa o indeferimento da juntada da cópia integral de outros autos, se tal providência poderia ser tomada pela Defesa. 5. Para que se possa falar na existência de falta do interesse de agir pela coisa julgada, necessária a existência de trânsito em julgado de ação penal idêntica. Na espécie, as ações indicadas pela Defesa como aptas a caracterizar coisa julgada referem-se a fatos distintos dos ora apurados. Dessa forma, não há que se falar na existência de coisa julgada. 6. A materialidade e a autoria dos crimes de sonegação de tributos do artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 restaram devidamente comprovadas, pois, de acordo com os elementos probatórios, a empresa, gerida e administrada pelo terceiro apelante, e que possuía o segundo apelante como contador, fraudou a fiscalização tributária, mediante omissão de operações e inserção de elementos inexatos em livros exigidos pela lei fiscal, omitindo, assim, informações às autoridades fazendárias, deixando de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) devido aos cofres da Fazenda Pública do Distrito Federal. 7. Para a configuração do crime de sonegação fiscal, a jurisprudência dispensa a comprovação do dolo específico, contentando-se com o dolo genérico. Dessa forma, basta que o agente omita operações ou insira elementos inexatos em livros exigidos pela lei fiscal com a finalidade de suprimir ou reduzir tributo, não sendo necessário demonstrar o ânimo de se obter benefício indevido, ou seja, não é necessário provar um especial fim de agir. 8. Muito embora se reconheça a alta carga tributária presente no país, esta não pode servir de justificativa para a sonegação de impostos sob o pálio da inexigibilidade de conduta diversa. 9. A prática de variados procedimentos fraudulentos por extenso lapso de tempo serviu de justificativa para aplicar-se a fração máxima de aumento em decorrência da continuidade delitiva, não podendo ser considerada, então, na primeira fase da dosimetria, sob pena de incorrer em bis in idem. 10. A justificativa para considerar negativa a circunstância judicial das consequências do crime foi a mesma utilizada para majorar a pena em decorrência da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, consistente na supressão de enorme importância, de modo que aproveitar-se do mesmo argumento para aumentar também a pena-base acarretaria em indevido bis in idem. 11. Incide a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal se o réu organiza e dirige a atividade dos demais agentes. 12. O Código de Ética Profissional do Contador veda a prática de crimes por parte do referido profissional, de modo que incide a agravante genérica prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, pois o ato ilícito praticado pelo réu, além de configurar delito tributário, viola expressamente dever inerente à sua profissão. 13. A causa especial de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/1990 - ocasionar grave dano à coletividade, trata-se de um tipo aberto, cabendo ao Julgador, através de sua discricionariedade, determinar quais as situações de efetivo dano ou prejuízo à coletividade em que incidirá a referida causa de aumento. 14.De acordo com a jurisprudência, deve-se considerar para fins de incidência ou não da majorante em exame, apenas o valor originalmente sonegado, sem os acréscimos legais (multa, juros e correção monetária). 15. No caso em espécie, considerando que o valor sonegado por um apelante, sem os acréscimos legais, é de R$ 932.991,57 (novecentos e trinta e dois mil, novecentos e noventa e um reais e cinquenta e sete centavos), e pelo outro apelante, também sem os acréscimos legais, é de R$ 12.643.893,70 (doze milhões, seiscentos e quarenta e três mil, oitocentos e noventa e três reais e setenta centavos), resta configurado o grave dano à coletividade, devendo incidir a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, à razão de 1/3 (um terço) para o primeiro e de 1/2 (metade) para o segundo réu. 16. A Lei nº 8.137/1990, em seu artigo 8º, parágrafo único, estabeleceu o valor do dia-multaem BTN - Bônus do Tesouro Nacional. Diante da extinção do BTN pela Lei nº 8.177/1991, não é possível substituir o índice por outro, nem mesmo pela Taxa Referencial - TR, sob pena de ofensa aos princípios da anterioridade e da taxatividade da norma penal, de modo que a pena pecuniária deve ser afastada. 17. Recursos conhecidos. Preliminares rejeitadas. Providos parcialmente os recursos das Defesas para, mantidas as condenações do segundo apelante nas sanções do artigo 1º, inciso II, combinado com o artigo 11, caput, e com o artigo 12, inciso I, todos da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, e do terceiro apelante nas sanções do artigo1º, inciso II, combinado com o artigo 12, inciso I, ambos da Lei nº 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, excluir a análise negativa das consequências do crime e as penas de multa impostas. Provido parcialmente o recurso do Ministério Público para aplicar à pena do segundo apelante a agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, bem como para aplicar à pena do terceiro apelante a agravante prevista no artigo 62, inciso I, do Código Penal e majorar a fração aplicada em decorrência da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 (grave dano à coletividade) para o máximo de 1/2 (metade), restando a pena do segundo apelante reduzida de 06 (seis) anos e 03 (três) meses para 05 (cinco) anos, 11 (onze) meses e 03 (três) dias de reclusão, no regime inicial semiaberto, e a do terceiro apelante ampliada de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses para 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto de cumprimento de pena.
Data do Julgamento
:
01/10/2015
Data da Publicação
:
23/10/2015
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
2ª TURMA CRIMINAL
Relator(a)
:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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