TJDF APR -Apelação Criminal-20020310164096APR
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ANTERIOR À LEI 12.015/2009. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TESE ANALISADA EXPRESSAMENTE PELA DECISÃO RECORRIDA. REJEITADA. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INCAPACIDADE RELATIVA DA VÍTIMA. CONSENTIMENTO. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A FALTA DE CAPACIDADE PLENA DE AUTODETERMINAÇÃO. RESISTÊNCIA DA VÍTIMA. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. DOSIMETRIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REPAROS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há nulidade por negativa de prestação jurisdicional quando a sentença manifesta-se expressamente sobre as teses suscitadas pela parte. Preliminar rejeitada.2. Amplamente caracterizado o delito sexual com violência presumida, tendo em vista a prática de atos sexuais não consentidos com vítima portadora de debilidade mental (atestada em laudos, inclusive estigma de Síndrome de Down), condição esta devidamente conhecida pelo réu, tanto porque refletida nos seus traços físicos como porque eram vizinhos e amigos desde a infância.3. Não há falar em ato sexual consentido quando a vítima, após ser atraída até o local do crime, foi impedida de sair, tendo o apelante e o corréu praticado conjunção carnal e outros atos libidinosos com ela, que chorou durante o ato sexual, tentou fugir do local e tentou gritar mas a voz não saía, como relatou a vítima na fase inquisitorial e confirmou em juízo.4. Não é apenas a incapacidade absoluta que viabiliza a presunção de violência referida no artigo 224, alínea b, do Código Penal (com redação anterior à Lei 12.015/2009). A norma penal visa à proteção da pessoa indefesa ante sua debilidade mental, podendo estender seus efeitos àqueles que possuem debilidade mental em graus leves, medianos ou profundos.5. O fato de ser a vítima débil mental, antes, era considerado apenas como identificador da presunção de violência, incorrendo o sujeito nas mesmas penas do estupro ou atentado violento ao pudor. 6. A Lei nº 12.015/2009, ao alterar o capítulo do Código Penal que tratava dos crimes contra a liberdade sexual, passou a prever como tipo penal autônomo e com pena mais grave - de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão - o estupro praticado contra vítima portadora de doença mental (artigo 217-A, parágrafo 1º).7. Se considerada a pena anterior cominada aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, a mesma para ambos os delitos - 6 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão -, ainda que majorada pela continuidade delitiva de acordo com as regras do artigo 71 do Código Penal (aumentada em 1/6 - um sexto - porque praticados dois crimes), a aplicação do parágrafo 1º do artigo 217-A - que inseriu ambas as condutas em um único dispositivo, constituindo um tipo penal alternativo misto - ao caso dos autos seria mais prejudicial ao apelante porque prevê pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão. 8. Inviável combinar o vigente preceito primário do artigo 217-A, § 1º, do Código Penal (que considera os atos sexuais praticados pelo réu como crime único) com o preceito secundário dos artigos 213 e 214 do Código Penal, vigente ao tempo dos fatos (que previa pena de 6 a 10 anos de reclusão), pois tal medida configuraria combinação de leis, o que é vedado pelo sistema jurídico pátrio, notadamente por violar a orientação constitucional de independência e harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição Federal).9. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os comandos constitucionais da irretroatividade da lei penal prejudicial ao réu e retroatividade da lei penal mais benéfica, refutou a possibilidade de combinação de normas penais que sobrevenham no tempo, versando sobre o mesmo instituto ou figura de direito, estabelecendo que estes não podem ser regulados, em parte, pela regra benéfica mais nova, e também pela regra anterior, na parte em que mais benéfica. (RE 596152, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI)10. A culpabilidade do agente foi maculada porque o apelante tinha convívio com a família da vítima e agiu com abuso da confiança própria da relação de amizade que possuíam. Não obstante, o corréu também era vizinho e amigo da vítima e a pena dele não foi elevada sob tal fundamento. Em obediência ao princípio da isonomia, deve ser afastada a valoração negativa da culpabilidade.11. O trauma é consequência inerente aos crimes sexuais, principalmente quando praticados contra crianças e pessoas com debilidade mental e já foi considerado pelo legislador na cominação das penas mínima e máxima. Apenas um trauma de maior grau, o que não é o caso, poderia implicar na valoração negativa desta circunstância judicial.12. Preliminar rejeitada e, no mérito, recurso parcialmente provido.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ANTERIOR À LEI 12.015/2009. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TESE ANALISADA EXPRESSAMENTE PELA DECISÃO RECORRIDA. REJEITADA. ABSOLVIÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INCAPACIDADE RELATIVA DA VÍTIMA. CONSENTIMENTO. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A FALTA DE CAPACIDADE PLENA DE AUTODETERMINAÇÃO. RESISTÊNCIA DA VÍTIMA. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. NOVATIO LEGIS IN PEJUS. DOSIMETRIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REPAROS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há nulidade por negativa de prestação jurisdicional quando a sentença manifesta-se expressamente sobre as teses suscitadas pela parte. Preliminar rejeitada.2. Amplamente caracterizado o delito sexual com violência presumida, tendo em vista a prática de atos sexuais não consentidos com vítima portadora de debilidade mental (atestada em laudos, inclusive estigma de Síndrome de Down), condição esta devidamente conhecida pelo réu, tanto porque refletida nos seus traços físicos como porque eram vizinhos e amigos desde a infância.3. Não há falar em ato sexual consentido quando a vítima, após ser atraída até o local do crime, foi impedida de sair, tendo o apelante e o corréu praticado conjunção carnal e outros atos libidinosos com ela, que chorou durante o ato sexual, tentou fugir do local e tentou gritar mas a voz não saía, como relatou a vítima na fase inquisitorial e confirmou em juízo.4. Não é apenas a incapacidade absoluta que viabiliza a presunção de violência referida no artigo 224, alínea b, do Código Penal (com redação anterior à Lei 12.015/2009). A norma penal visa à proteção da pessoa indefesa ante sua debilidade mental, podendo estender seus efeitos àqueles que possuem debilidade mental em graus leves, medianos ou profundos.5. O fato de ser a vítima débil mental, antes, era considerado apenas como identificador da presunção de violência, incorrendo o sujeito nas mesmas penas do estupro ou atentado violento ao pudor. 6. A Lei nº 12.015/2009, ao alterar o capítulo do Código Penal que tratava dos crimes contra a liberdade sexual, passou a prever como tipo penal autônomo e com pena mais grave - de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão - o estupro praticado contra vítima portadora de doença mental (artigo 217-A, parágrafo 1º).7. Se considerada a pena anterior cominada aos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, a mesma para ambos os delitos - 6 (seis) a 10 (dez) anos de reclusão -, ainda que majorada pela continuidade delitiva de acordo com as regras do artigo 71 do Código Penal (aumentada em 1/6 - um sexto - porque praticados dois crimes), a aplicação do parágrafo 1º do artigo 217-A - que inseriu ambas as condutas em um único dispositivo, constituindo um tipo penal alternativo misto - ao caso dos autos seria mais prejudicial ao apelante porque prevê pena de 8 (oito) a 15 (quinze) anos de reclusão. 8. Inviável combinar o vigente preceito primário do artigo 217-A, § 1º, do Código Penal (que considera os atos sexuais praticados pelo réu como crime único) com o preceito secundário dos artigos 213 e 214 do Código Penal, vigente ao tempo dos fatos (que previa pena de 6 a 10 anos de reclusão), pois tal medida configuraria combinação de leis, o que é vedado pelo sistema jurídico pátrio, notadamente por violar a orientação constitucional de independência e harmonia entre os Poderes (artigo 2º da Constituição Federal).9. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os comandos constitucionais da irretroatividade da lei penal prejudicial ao réu e retroatividade da lei penal mais benéfica, refutou a possibilidade de combinação de normas penais que sobrevenham no tempo, versando sobre o mesmo instituto ou figura de direito, estabelecendo que estes não podem ser regulados, em parte, pela regra benéfica mais nova, e também pela regra anterior, na parte em que mais benéfica. (RE 596152, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI)10. A culpabilidade do agente foi maculada porque o apelante tinha convívio com a família da vítima e agiu com abuso da confiança própria da relação de amizade que possuíam. Não obstante, o corréu também era vizinho e amigo da vítima e a pena dele não foi elevada sob tal fundamento. Em obediência ao princípio da isonomia, deve ser afastada a valoração negativa da culpabilidade.11. O trauma é consequência inerente aos crimes sexuais, principalmente quando praticados contra crianças e pessoas com debilidade mental e já foi considerado pelo legislador na cominação das penas mínima e máxima. Apenas um trauma de maior grau, o que não é o caso, poderia implicar na valoração negativa desta circunstância judicial.12. Preliminar rejeitada e, no mérito, recurso parcialmente provido.
Data do Julgamento
:
11/07/2013
Data da Publicação
:
16/07/2013
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS
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