TJDF APR -Apelação Criminal-20050110096762APR
RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE MEIO CRUEL, PELA DISSIMULAÇÃO E PARA ASSEGURAR A OCULTAÇÃO DE OUTROS CRIMES, ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE. RECURSO DA DEFESA. TERMO RECURSAL. INDICAÇÃO DAS ALÍNEAS A, B, C E D DO ARTIGO 593, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RAZÕES QUE SÓ TRATAM DAS ALÍNEAS A E C. CONHECIMENTO AMPLO. NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONTRÁRIA A LEI OU À DECISÃO DOS JURADOS. ESTRITA OBSERVÂNCIA LEGAL. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. JURADOS QUE ACOLHEM TESE DA ACUSAÇÃO. SOBERANIA DO JÚRI. PENA. REDUÇÃO. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS, DA CONDUTA SOCIAL, DOS MOTIVOS DOS CRIMES E DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 12.015/2009. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ERRO OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA PENA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA PENA NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA UTILIZANDO-SE DUAS DAS TRÊS QUALIFICADORAS COMO AGRAVANTES GENÉRICAS. ACOLHIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.1. Considerando que é o termo que delimita os fundamentos do apelo, e tendo a Defesa do réu indicado as alíneas a, b, c e d do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal, reputa-se necessário conhecer do recurso de forma ampla, abordando todas as alíneas do referido dispositivo do Código Penal, considerando-se que é o termo e não as razões recursais que delimita os fundamentos do apelo.2. Não há que se falar em nulidade do julgamento por ofensa ao princípio da congruência quando a tese acusatória formulada pelo Ministério Público, em plenário, quanto à qualificadora do meio cruel, é a mesma que consta da denúncia - espancamento. Com efeito, ainda que tenha o Parquet feito menção em plenário, além do espancamento, ao emprego de asfixia para a prática dos crimes, os jurados, indagados quanto à aptidão para proferir decisão, responderam afirmativamente, o que afasta a alegação de que a manifestação do Ministério Público os confundiu. Além disso, o quesito que indagou os jurados acerca da qualificadora do emprego de meio cruel somente fez referência ao espancamento. Por outro lado, cumpre destacar que as nulidades no processo penal somente devem ser declaradas se acarretarem prejuízo para a acusação ou para a defesa, não sendo esta a hipótese presente.3. Se a sentença foi prolatada seguindo o disposto no artigo 492, inciso I, do Código de Processo Penal, em consonância com a decisão dos Jurados, nada há a reparar.4. Caso a decisão dos jurados se encontre dissociada de qualquer elemento probatório, deve-se anulá-la e submeter o réu a novo julgamento popular, porquanto a soberania do júri não se confunde com onipotência. Para que seja válida, a decisão dos jurados deve ter o mínimo respaldo nas provas dos autos. Na espécie, existem provas que sustentam a tese acolhida pelo Conselho de Sentença. Dessa forma, não há que se falar em decisão manifestamente contrária às provas dos autos.5. Inquéritos policiais, ações penais em curso e sentenças condenatórias ainda não transitadas em julgado não podem servir para aferição desfavorável dos antecedentes, para fins de exacerbação da pena-base, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Para a configuração de maus antecedentes, mister a comprovação de sentença penal condenatória com trânsito em julgado, por fato anterior ao que se examina, e cujo trânsito em julgado tenha ocorrido até a sentença condenatória objurgada. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (Verbete de Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça).6. Não havendo nos autos elementos para aferir a conduta social do réu, incabível a avaliação negativa desta circunstância judicial. Além disso, não pode a sentença valorar negativamente a conduta social em razão de crime posterior ao dos autos.7. Quanto aos motivos dos crimes, devem-se perquirir os precedentes que levam à ação criminosa. No caso em tela, a sentença não apresentou motivos que não aqueles inerentes aos tipos penais dos crimes de tentativa de homicídio e de estupro, os quais não servem para exasperar a pena-base.8. A circunstância judicial do comportamento da vítima somente apresenta relevância nos casos de a vítima incitar, facilitar ou induzir o réu a cometer o crime. Assim, tal circunstância deve ser considerada somente em favor do réu, não sendo esse o caso dos autos, já que a vítima em nada contribuiu para os fatos.9. Condenado o réu antes da vigência da Lei 12.015/2009 pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados contra menor de 14 (quatorze) anos, aplica-se retroativamente a nova legislação, tipificando-se a conduta no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável), excluindo-se o crime de atentado violento ao pudor. Todavia, a pena-base única deve sofrer reflexos em razão da prática de conjunção carnal e atos libidinosos diversos, devendo ser exasperada.10. A causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990 não incide no crime de estupro de vulnerável, em razão da inexistência de previsão legal.11. Havendo mais de uma circunstância qualificadora reconhecida pelos jurados, apenas uma deve formar o tipo qualificado, enquanto que as outras devem ser consideradas circunstâncias agravantes, quando expressamente previstas como tal, ou como circunstâncias judiciais desfavoráveis, de forma residual.12. Recursos conhecidos, apelo da Defesa parcialmente provido para excluir a avaliação negativa dos antecedentes criminais, da conduta social, dos motivos do crime e do comportamento da vítima, excluir a incidência da causa de aumento prevista no artigo 9º da Lei nº 8.072/1990, aplicar retroativamente a Lei nº 12.015/2009 - excluindo o crime de atentado violento ao pudor e aplicando apenas a pena do crime único de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) - e aumentar a fração de redução decorrente da tentativa do crime de homicídio; e apelo do Ministério Público provido para exasperar a pena na segunda fase da dosimetria. Assim, reduz-se a pena do réu para 24 (vinte e quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial fechado.
Ementa
RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL. JÚRI. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE MEIO CRUEL, PELA DISSIMULAÇÃO E PARA ASSEGURAR A OCULTAÇÃO DE OUTROS CRIMES, ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE. RECURSO DA DEFESA. TERMO RECURSAL. INDICAÇÃO DAS ALÍNEAS A, B, C E D DO ARTIGO 593, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RAZÕES QUE SÓ TRATAM DAS ALÍNEAS A E C. CONHECIMENTO AMPLO. NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA CONTRÁRIA A LEI OU À DECISÃO DOS JURADOS. ESTRITA OBSERVÂNCIA LEGAL. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. JURADOS QUE ACOLHEM TESE DA ACUSAÇÃO. SOBERANIA DO JÚRI. PENA. REDUÇÃO. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES CRIMINAIS, DA CONDUTA SOCIAL, DOS MOTIVOS DOS CRIMES E DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI Nº 12.015/2009. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ERRO OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA PENA. PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA PENA NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA UTILIZANDO-SE DUAS DAS TRÊS QUALIFICADORAS COMO AGRAVANTES GENÉRICAS. ACOLHIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO.1. Considerando que é o termo que delimita os fundamentos do apelo, e tendo a Defesa do réu indicado as alíneas a, b, c e d do inciso III do artigo 593 do Código de Processo Penal, reputa-se necessário conhecer do recurso de forma ampla, abordando todas as alíneas do referido dispositivo do Código Penal, considerando-se que é o termo e não as razões recursais que delimita os fundamentos do apelo.2. Não há que se falar em nulidade do julgamento por ofensa ao princípio da congruência quando a tese acusatória formulada pelo Ministério Público, em plenário, quanto à qualificadora do meio cruel, é a mesma que consta da denúncia - espancamento. Com efeito, ainda que tenha o Parquet feito menção em plenário, além do espancamento, ao emprego de asfixia para a prática dos crimes, os jurados, indagados quanto à aptidão para proferir decisão, responderam afirmativamente, o que afasta a alegação de que a manifestação do Ministério Público os confundiu. Além disso, o quesito que indagou os jurados acerca da qualificadora do emprego de meio cruel somente fez referência ao espancamento. Por outro lado, cumpre destacar que as nulidades no processo penal somente devem ser declaradas se acarretarem prejuízo para a acusação ou para a defesa, não sendo esta a hipótese presente.3. Se a sentença foi prolatada seguindo o disposto no artigo 492, inciso I, do Código de Processo Penal, em consonância com a decisão dos Jurados, nada há a reparar.4. Caso a decisão dos jurados se encontre dissociada de qualquer elemento probatório, deve-se anulá-la e submeter o réu a novo julgamento popular, porquanto a soberania do júri não se confunde com onipotência. Para que seja válida, a decisão dos jurados deve ter o mínimo respaldo nas provas dos autos. Na espécie, existem provas que sustentam a tese acolhida pelo Conselho de Sentença. Dessa forma, não há que se falar em decisão manifestamente contrária às provas dos autos.5. Inquéritos policiais, ações penais em curso e sentenças condenatórias ainda não transitadas em julgado não podem servir para aferição desfavorável dos antecedentes, para fins de exacerbação da pena-base, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Para a configuração de maus antecedentes, mister a comprovação de sentença penal condenatória com trânsito em julgado, por fato anterior ao que se examina, e cujo trânsito em julgado tenha ocorrido até a sentença condenatória objurgada. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. (Verbete de Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça).6. Não havendo nos autos elementos para aferir a conduta social do réu, incabível a avaliação negativa desta circunstância judicial. Além disso, não pode a sentença valorar negativamente a conduta social em razão de crime posterior ao dos autos.7. Quanto aos motivos dos crimes, devem-se perquirir os precedentes que levam à ação criminosa. No caso em tela, a sentença não apresentou motivos que não aqueles inerentes aos tipos penais dos crimes de tentativa de homicídio e de estupro, os quais não servem para exasperar a pena-base.8. A circunstância judicial do comportamento da vítima somente apresenta relevância nos casos de a vítima incitar, facilitar ou induzir o réu a cometer o crime. Assim, tal circunstância deve ser considerada somente em favor do réu, não sendo esse o caso dos autos, já que a vítima em nada contribuiu para os fatos.9. Condenado o réu antes da vigência da Lei 12.015/2009 pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados contra menor de 14 (quatorze) anos, aplica-se retroativamente a nova legislação, tipificando-se a conduta no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável), excluindo-se o crime de atentado violento ao pudor. Todavia, a pena-base única deve sofrer reflexos em razão da prática de conjunção carnal e atos libidinosos diversos, devendo ser exasperada.10. A causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990 não incide no crime de estupro de vulnerável, em razão da inexistência de previsão legal.11. Havendo mais de uma circunstância qualificadora reconhecida pelos jurados, apenas uma deve formar o tipo qualificado, enquanto que as outras devem ser consideradas circunstâncias agravantes, quando expressamente previstas como tal, ou como circunstâncias judiciais desfavoráveis, de forma residual.12. Recursos conhecidos, apelo da Defesa parcialmente provido para excluir a avaliação negativa dos antecedentes criminais, da conduta social, dos motivos do crime e do comportamento da vítima, excluir a incidência da causa de aumento prevista no artigo 9º da Lei nº 8.072/1990, aplicar retroativamente a Lei nº 12.015/2009 - excluindo o crime de atentado violento ao pudor e aplicando apenas a pena do crime único de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal) - e aumentar a fração de redução decorrente da tentativa do crime de homicídio; e apelo do Ministério Público provido para exasperar a pena na segunda fase da dosimetria. Assim, reduz-se a pena do réu para 24 (vinte e quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, no regime inicial fechado.
Data do Julgamento
:
24/03/2011
Data da Publicação
:
07/04/2011
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
Mostrar discussão