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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20050110641739APR

Ementa
RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTOS PELA DEFESA DOS TRÊS RÉUS E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 3º, INCISO II, DA LEI N.º 8.137/1990. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. IRRETROATIVIDADE DA LEI N.º 11.719/2008. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA E DE ILEGALIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE DOS CRIMES DEMONSTRADAS. PROVA DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. MANUTENAÇÃO DA CONDENAÇÃO. PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A CONDENAÇÃO DOS RÉUS TAMBÉM NO CRIME DO ARTIGO 3º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE O EXTRAVIO DOS DOCUMENTOS TENHA SIDO EFETUADO PELOS RÉUS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DO DANO. IMPOSSIBILIDADE DE RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. PERDA DO CARGO. DECRETAÇÃO. MULTA EM BTN. EXTINÇÃO DO ÍNDICE. MULTA AFASTADA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. SEMIABERTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO CABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.1. O princípio da identidade física do juiz estabelecido pelo parágrafo 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal, somente se aplica quando a audiência de instrução tiver sido realizada após a vigência da Lei nº 11.719/2008, nos moldes do artigo 400, caput, do mesmo Codex. Dessa forma, como a audiência foi concluída antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008, não há que se falar na aplicação do princípio da identidade física do juiz.2. Não há que se falar em nulidade das interceptações telefônicas, pois restou demonstrado que as decisões que decretaram a quebra de sigilo foram devidamente fundamentadas, assim como foram proporcionais e adequadas as prorrogações, além de que o Juízo a quo possibilitou aos réus amplo acesso aos autos das interceptações telefônicas, ainda que estes não tenham sido apensados aos autos da ação penal. Não se decreta nulidade se não for comprovada a ocorrência do prejuízo.3. As alegações de bis in idem e de cerceamento de defesa por indeferimento de prova pericial já foram examinadas e rechaçadas em habeas corpus julgados por esta Turma, cujos fundamentos ora se adotam.4. A prova documental e os depoimentos constantes dos autos comprovam que o primeiro e a segunda apelante, auditores tributários do Distrito Federal, valendo-se dos cargos públicos que ocupavam, e em unidade de desígnios com o contador da empresa, terceiro apelante, solicitaram, para si e para outrem, vantagem indevida, consistente no pagamento de elevada quantia em dinheiro, negociada entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais). Dessa forma, deve ser mantida a condenação do primeiro e da segunda apelante pela prática do crime do artigo 3º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990 e do terceiro apelante pela prática do crime do artigo 3º, inciso II, c/c artigo 11, ambos da Lei n.º 8.137/1990.5. Em relação ao pedido do Ministério Público de condenação dos réus nas penas do artigo 3º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, que tipifica o extravio de documento, livro ou processo relacionado à tributação, vale salientar que, embora o sumiço dos documentos arrecadados pelo primeiro e pela segunda apelantes na empresa fiscalizada indique possível ocorrência de crime contra a ordem tributária, o fato é que não há provas suficientes de que o extravio tenha sido realizado pelos réus, pois estes comprovaram que entregaram o material arrecadado na empresa à Gerência de Auditoria Tributária - GEAUT, conforme cópia de protocolo de entrega, devendo-se ressaltar que a assinatura e a matrícula no protocolo de entrega foram reconhecidas pela própria servidora do órgão.6. Não merece ser acolhido o pedido de fixação de valor mínimo para a reparação do dano, uma vez que o crime em apreço foi praticado antes da edição da Lei nº 11.719/2008, que introduziu no artigo 387 do Código de Processo Penal o inciso IV, de forma que, por se tratar de lei mais gravosa, não pode retroagir para alcançar fato pretérito, pois, embora seja lei processual, também tem conteúdo de direito material.7. Deve ser decretada a perda do cargo público de auditores tributários do primeiro e da segunda apelantes, já que a pena privativa de liberdade foi estabelecida acima de um ano e o crime contra a ordem tributária (artigo 3º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990) foi praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública. Ademais, o crime praticado não se constitui em fato isolado na vida profissional dos réus, mas, ao revés, os elementos dos autos demonstram que a prática de crimes em razão do cargo público que ocupavam tornou-se freqüente, diante da quantidade de processos a que os réus respondem, já ostentando, inclusive, condenações. 8. A Lei n.º 8.137/1990, em seu artigo 8º, § único, estabeleceu o valor do dia-multa em BTN - Bônus do Tesouro Nacional. Diante da extinção do BTN pela Lei n.º 8.177/1991, não é possível substituir o índice por outro, nem mesmo pela Taxa Referencial - TR, sob pena de ofensa aos princípios da anterioridade e da taxatividade da norma penal, de modo que a pena pecuniária deve ser afastada.9. É possível a eleição do regime semiaberto, ou seja, um regime mais gravoso do que a pena de 04 (quatro) anos permitia, com motivação idônea, referindo-se expressamente à situação pessoal dos réus, a qual é desfavorável, o que se verifica diante da avaliação negativa de parte das circunstâncias judiciais, as quais ensejaram a fixação da pena-base acima do mínimo legal.10. Não obstante o terceiro apelante preencha os requisitos objetivos constantes do inciso I do artigo 44 do Código Penal, porque a pena aplicada é igual a 04 (quatro) anos e o delito não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, verifica-se que não atende os requisitos subjetivos, já que a avaliação desfavorável das circunstâncias judiciais denota que a substituição não é socialmente recomendável e nem suficiente à reprimenda do delito descrito na denúncia, sobretudo porque o apelante valeu-se da sua função de contador da empresa para solicitar vantagem ilícita do empresário, quando sua atribuição era de assessorá-lo no cumprimento da lei, em especial, a tributária.11. Recurso dos réus conhecido e parcialmente provido para afastar a pena de multa. Recurso do Ministério Público conhecido e parcialmente provido para decretar a perda do cargo público de auditor tributário do primeiro e da segunda apelantes e para estabelecer o regime semiaberto de cumprimento da pena privativa de liberdade a todos os réus.

Data do Julgamento : 05/05/2011
Data da Publicação : 17/06/2011
Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal
Relator(a) : ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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