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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20050710178985APR

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. PRELIMINAR. NULIDADE. OITIVA. TESTEMUNHA. CARTA PRECATÓRIA SEM CÓPIA DA DEFESA PRÉVIA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. PECULATO APROPRIAÇÃO. ART. 312 DO CP. DESCLASSIFICAÇÃO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. ART. 168 DO CP. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. VERBETE Nº 453 DA SÚMULA DO STF. CONDUTA. APROPRIAÇÃO DE VALORES DA CAIXA ESCOLAR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ESCOLA TÉCNICA DE BRASÍLIA NA QUALIDADE DE PRESIDENTE. ASSOCIAÇÃO PRIVADA DIVERSA DA ESCOLA TÉCNICA DE BRASÍLIA. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA DOCUMENTAL E ORAL ROBUSTA. ANIMUS REM SIBI HABENDI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA PECULATO CULPOSO (ART. 312, §2º, CP). INVIABILIDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. APROPRIAÇÃO DOLOSA. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. CONDUTA SOCIAL. INQUÉRITO E PROCESSOS EM ANDAMENTO. ENUNCIADO Nº 444 DA SÚMULA DO STJ. PERSONALIDADE. MOTIVO. LUCRO FÁCIL. ÍNSITO AO TIPO PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ATENUANTE (ART. 65, III, A, CP). INEXISTÊNCIA DE RELEVANTE VALOR SOCIAL E MORAL. ATENUANTE (ART. 65, III, B DO CP) E ARREPENDIMENTO POSTERIOR (ART. 16 DO CP). RESTITUIÇÃO PARCIAL. SUBSIDIARIEDADE. CONFISSÃO QUALIFICADA (ART. 65, III, D, DO CP). NÃO APLICAÇÃO. VERBETE Nº 231 DA SÚMULA STJ. MÍNIMO LEGAL. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. ART. 168, § 1º, III, DO CP. CONTINUIDADE DELITIVA. CRITÉRIO OBJETIVO. FRAÇÃO DE ELEVAÇÃO DA PENA. TRÊS DELITOS. UM QUINTO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.1.A oitiva da testemunha por intermédio de carta precatória instruída sem cópia da defesa prévia, por si só, não gera nulidade processual, mormente quando a testemunha afirmou desconhecer os fatos narrados na denúncia.2.Em consonância com os princípios da eficiência e da economia processual, faz-se necessária a demonstração de efetivo prejuízo quando se pretende o reconhecimento de nulidade, seja ela absoluta ou relativa, a teor do que preceitua o art. 563 do Código de Processo Penal. Precedentes.3.A apelação criminal devolve toda a matéria ao Tribunal ad quem onde é possível a emendatio libelli - a qual não deve ser confundida com a mutatio libelli, inviável na segunda instância, (verbete 453, da Súmula do Supremo Tribunal Federal).4.O cargo de Diretor da Escola Técnica é um cargo público, ao passo que o cargo de Presidente da Caixa Escolar é um cargo privado. O critério eleito por particulares (membros da Caixa Escolar) para o preenchimento do cargo de Presidente da associação não desnatura a natureza estritamente privada deste cargo. 5.A existência jurídica da Caixa Escolar é absolutamente distinta e independente da existência jurídica da Escola Técnica, sendo que o critério eleito pela Caixa Escolar para o exercício do cargo de Presidente pode ser alterado a qualquer tempo por seus membros, sendo possível que seja feita a opção pelo preenchimento do cargo por qualquer indivíduo (dotado ou não de função, cargo ou emprego público).6.As atribuições que o réu exercia na condição de Presidente da Caixa Escolar não são atribuições públicas, mas sim as atribuições estabelecidas no Estatuto constitutivo da associação. 7.O réu, ao receber a gestão patrimonial da Caixa Escolar, o fez por estar investido no cargo de Presidente desta associação, e não por ocupar o cargo público de Diretor da Escola Técnica. Desta forma, não restou preenchida a elementar do delito de peculato de ter a posse da coisa ou valor em razão do cargo.8.O elemento subjetivo do tipo de apropriação indébita (art. 168, caput, do Código Penal) é o dolo consistente na vontade livre e consciente do agente de apossar como sua coisa alheia de que tem a posse ou detenção.9.Para a tipificação do delito, há de haver ainda a inversão da posse sobre a res, ou seja, o sujeito deve obter a posse da coisa alheia móvel mediante a confiança da vítima e, durante a posse, age como se dono fosse, praticando sua conduta com animus rem sibi habendi (apropriando-se). Precedentes.10. Não há falar em extinção da punibilidade pela restituição das quantias apropriadas (art. 312, §§ 2º e 3º, do Código Penal) quando o acusado age com animus rem sibi habendi, porquanto o instituto é aplicável apenas ao crime de peculato na modalidade culposa - o que não é o caso, pois houve dolo e o crime praticado foi de apropriação indébita.11. No Código Penal, a reparação do dano, quando inexistir violência ou grave ameaça no cometimento do delito, pode gerar duas consequências: se antes do recebimento da denúncia funcionará como causa de diminuição (art. 16); após recebimento da denúncia, mas antes do julgamento, atenuante, razão pela qual não há falar em aplicação cumulada dos dois institutos.12. A culpabilidade, como circunstância judicial, se refere ao grau de reprovabilidade social da conduta perpetrada, servindo como critério limitador da pena, e não à exigibilidade de conduta diversa, elemento integrante daquela culpabilidade que faz parte do conceito de crime pela teoria tripartida, atualmente adotada pela jurisprudência pátria.13. O dolo de obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da vítima não pode fundamentar negativamente a culpabilidade, visto que constitui elemento volitivo da conduta do agente que, também, é elemento essencial para a caracterização do delito e não medida para fixação da pena.14. Consoante orientação já sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais em andamento não podem ser levados à consideração de maus antecedentes, má conduta social ou personalidade desajustada para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exegese da Súmula 444 deste STJ.15. A análise da personalidade do réu depende de incursão pelos mais diversos caracteres da vida pregressa do acusado, tais como agressividade, senso de responsabilidade, condenações anteriores, e etc. Na falta de elementos que permitam inferir com segurança a personalidade, deve a circunstância ser considerada como favorável.16. A obtenção de lucro fácil em prejuízo alheio é motivo inerente ao tipo penal incriminador, porquanto quem pratica o delito de apropriação indébita o faz para obter alguma vantagem indevida, a qual poderá se dar, naturalmente, em prejuízo alheio.17. As circunstâncias do crime são elementos acidentais que não participam da estrutura de cada tipo penal, mas que influem na quantidade punitiva, considerando-se o lugar e o tempo de duração do crime, o relacionamento entre autor e vítima e atitude assumida pelo infrator no decorrer da execução do fato criminoso.18. O fato de o réu ter conseguido ludibriar o tesoureiro da Escola Técnica de Brasília bem como o os empregados da instituição financeira, imiscui-se ao meio empregado para praticar o golpe, não extrapolando os limites do tipo penal, razão pela qual não devem ser valoradas as circunstâncias do crime negativamente.19. Quanto às consequências do crime, em se tratando de crime contra o patrimônio, o prejuízo suportado pelas vítimas não pode ser considerado como circunstância judicial negativa, pois tal resultado é ínsito àqueles tipos penais, salvo quando lhe são de grande expressividade, além de difícil ou impossível recuperação. Precedente.20. Quando o réu age com interesse exclusivamente individual e privado, não há falar em diminuição da pena em razão da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea a, do Código Penal. Precedentes.21. A aplicação do arrependimento posterior depende de que o agente, voluntariamente, repare o dano ou restitua a coisa, antes do recebimento da denúncia ou da queixa, bem que ocorra a reparação em sua integralidade, sob pena de não aplicação do benefício. Precedentes.22. Diversamente do arrependimento posterior, vislumbra-se a aplicação da atenuante do art. 65, inciso III, alínea b, do Código Penal, ainda que não haja a reparação integral do dano, pois que o comando legal se refere, também, à minoração das consequências do crime.23. Incabível a atenuação da pena (art. 65, inciso III, d do CP) quando o agente, conquanto tenha admitido os fatos a ele imputados, alega que agiu sem dolo de apropriação, o que afastaria a tipicidade penal. A confissão não teve por fim admitir a prática do fato criminoso, mas sim, exercer o direito de autodefesa com o fim de excluir a imputação que lhe foi feita, configurando, assim, a confissão qualificada.24. O enunciado nº 231 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça pontifica a impossibilidade jurídica de se fixar a pena aquém do mínimo legal em virtude da existência de circunstância atenuante. No mesmo sentido o excelso Supremo Tribunal Federal ao apreciar, com o caráter de repercussão geral, o RE 597270 RG-QO / RS.25. Se o acusado pratica a conduta investido em poder de decisão, bem como recebe a res para o exercício de atividade vinculada à ocupação que foi confiada (Presidente da associação), há que se aplicar a causa especial de aumento de pena prevista no art. 168, § 1º, inciso III, do Código Penal.26. O artigo 70, caput, do Código Penal fixa o critério de elevação de pena pelo concurso formal, variável de um sexto até metade da pena, que deve ser mensurado conforme o número de infrações cometidas. A doutrina e a jurisprudência pacificaram as seguintes medidas: dois crimes: acréscimo de um sexto (1/6); três delitos: acréscimo de um quinto (1/5); quatro crimes: acréscimo de um quarto (1/4); cinco delitos: acréscimo de um terço (1/3); seis crimes: acréscimo de metade (1/2); sete delitos ou mais: acréscimo de dois terços (2/3). Precedentes.27. A pena de multa, nos casos de crime continuado, por se tratar de crime único, é calculada pelo critério trifásico de aplicação da reprimenda corporal, ou seja, sem a incidência da regra do artigo 72, do Código Penal, a qual é aplicável apenas aos concursos material e formal.28. Estipula-se o regime aberto para o início do cumprimento da pena, quando se trata de condenado não reincidente, cuja pena não ultrapassa 4 (quatro) anos, amoldando-se, pois, ao art. 33, § 2º, c, do Código Penal.29. Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, tendo em vista restarem preenchidos os requisitos do art. 44, inciso I, II e III do Código Penal. O crime não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, o réu não é reincidente em crime doloso (nem reincidente específico), lhe são favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.30. Rejeitada a preliminar suscitada pela Defesa, e, no mérito, recurso da defesa parcialmente provido para desclassificar a conduta imputada ao réu para crime apropriação indébita (art. 168, § 1º, inciso III, do Código Penal) e reduzir a pena corporal para 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, mantendo-se o regime inicial aberto e mantendo-se a pena de 12 (doze) dias-multa, no padrão unitário mínimo legal. Recurso do Ministério Público parcialmente provido para afastar a aplicação da atenuante da confissão qualificada (art. 65, inciso III, alínea b, do Código Penal).

Data do Julgamento : 10/01/2013
Data da Publicação : 16/01/2013
Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal
Relator(a) : SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS
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