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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20070110793832APR

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO POR FRAUDE. SUBTRAÇÃO DE CARTEIRA NO EDIFÍCIO SEDE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL APÓS TER O RÉU SE PASSADO POR ENTREGADOR DE DOCUMENTOS. RECURSO DA DEFESA. ANULAÇÃO DO PROCESSO POR INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ARTIGO 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESVINCULAÇÃO. PEDIDO DE EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. NÃO ACOLHIMENTO. CRIAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO ESPECIAL PARA QUE PUDESSE TER ACESSO AO EDIFÍCIO E PRATICAR O CRIME. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DOS VETORES CARACTERIZADORES. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA AVALIADA FAVORAVELMENTE PELA SENTENÇA. AVALIAÇÃO FAVORÁVEL DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. VÍTIMA QUE NÃO CONTRIBUIU PARA O CRIME. EXCLUSÃO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. NÃO RECUPERAÇÃO DOS BENS FURTADOS. ASPECTO ÍNSITO AO TIPO PENAL. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS. FATO ANTERIOR À LEI Nº 11.719/2008. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. ALEGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.1. Na espécie, o apelante entrou no edifício sede da Caixa Econômica Federal utilizando-se do pretexto de que iria apenas entregar documentos e subtraiu a carteira de um funcionário do prédio, a qual estava em cima de sua mesa de trabalho.2. A Lei nº 11.719/2008 introduziu, no parágrafo 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal o princípio da identidade física do juiz. Tal princípio, no entanto, não é absoluto, podendo ter sua aplicabilidade afastada diante de outros princípios processuais, como, por exemplo, os da celeridade e economia processuais. 3. Diante da omissão da nova lei processual penal quanto às exceções ao princípio da identidade física do juiz, deve ser aplicada, por analogia, a previsão legal contida no artigo 132 do Código de Processo Civil. Na espécie, estando o juiz que presidiu a audiência de férias quando da prolação da sentença, não há que se falar em violação ao princípio da identidade física do juiz.4. No caso dos autos, a citação e o interrogatório do réu foram deprecados ao Juiz da comarca onde reside, em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais. Embora tenha o interrogatório sido realizado antes da audiência de instrução realizada em Brasília/DF, e após a entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008, não há que se falar em violação ao princípio do devido processo legal. De fato, conquanto não tenha o Código de Processo Penal tratado especificamente do caso dos autos - inversão da ordem do interrogatório do réu -, regula tal diploma legal a inversão da ordem da oitiva das testemunhas, estabelecendo que, embora devam ser ouvidas em primeiro lugar as testemunhas arroladas pela Acusação e depois as arroladas pela Defesa, tal regra não se aplica em caso de emissão de carta precatória. Tal ressalva, conquanto expressamente prevista apenas em relação à oitiva das testemunhas, deve ser aplicada por analogia, também, quanto ao interrogatório do réu. Ademais, rege-se o processo penal pelo princípio tempus regit actum. Dessa forma, como a carta precatória para o interrogatório do apelante foi expedida em 05 de outubro de 2007, antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 - o que se deu em 24 de agosto de 2008 -, não se vislumbra qualquer nulidade por ter sua oitiva sido realizada na comarca onde reside, já que o interrogatório foi realizado de acordo com a lei vigente à época de sua deprecação.5. Incide na qualificadora prevista no artigo 155, § 4º, inciso IV, o agente que cria uma situação especial com o objetivo de subtrair bem alheio. Na espécie, a dinâmica dos fatos revela que o réu entrou no edifício da Caixa Econômica Federal com a finalidade de subtrair bem alheio sob o pretexto de entregar documentos. Dessa forma, tendo o crime de furto foi cometido mediante a criação de uma situação especial, incabível a exclusão da qualificadora.6. Para se caracterizar o princípio da insignificância, na aferição do relevo material da tipicidade penal, é necessária a presença de certos vetores, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação e reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, o que não ocorre no caso em exame. Ademais, a subtração causou prejuízos à vítima que transcendem o valor pecuniário dos bens subtraídos, já que, em sua carteira, também havia documentos pessoais (CIRG, CPF, CNH) e cartões (cartão da Caixa Econômica Federal, cartão do plano de saúde, dentre outros), fato que gera transtorno à vítima. 7. A circunstância judicial do comportamento da vítima somente apresenta relevância nos casos de incitar, facilitar ou induzir o réu a cometer o crime. Se a vítima em nada contribuiu, a circunstância judicial não pode ser valorada favoravelmente ao apelante, como pretende a Defesa.8. A não-recuperação parcial ou total do produto do crime e, consequentemente, o prejuízo sofrido pela vítima não podem justificar o aumento da pena-base a título de valoração negativa da circunstância judicial das conseqüências do crime por se tratar de aspecto ínsito ao próprio tipo penal de roubo.9. Deve ser afastada a condenação em danos materiais imposta ao réu, uma vez que o crime em apreço foi praticado antes da edição da Lei nº 11.719/2008, que introduziu no artigo 387 do Código de Processo Penal o inciso IV, de forma que, por se tratar de lei mais gravosa, não pode retroagir para alcançar fato pretérito, pois, embora seja lei processual, também tem conteúdo de direito material10. Recurso conhecido e parcialmente provido para, mantida a condenação do réu nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, excluir a análise desfavorável da circunstância judicial das consequências do crime e afastar a condenação do réu à reparação do dano à vítima, razão pela qual reduzo a pena privativa de liberdade para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e fixo a pena de multa em 14 (quatorze) dias-multa, no valor mínimo legal.

Data do Julgamento : 15/04/2010
Data da Publicação : 16/06/2010
Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal
Relator(a) : ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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