TJDF APR -Apelação Criminal-20070310267463APR
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RÉU GENITOR DA VÍTIMA. CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA POSTULANDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. DEPOIMENTOS DA VÍTIMA. IMPRECISÕES IRRELEVANTES. CORREÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA PARA AFASTAR A AVALIAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA CULPABILIDADE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072/1990 E DO ARTIGO 226, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE. EXASPERAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. CRITÉRIO DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES COMETIDAS. ACERVO PROBATÓRIO QUE REVELA A PRÁTICA DE CONJUNÇÃO CARNAL E ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS POR INÚMERAS VEZES. AUMENTO DE 1/2 (METADE) DA PENA. PROPORCIONALIDADE OBSERVADA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.015/2009. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA REDUZIR A PENA.1. Inviável o acolhimento da tese de ausência de provas para a condenação quando, tratando-se da prática de crime de estupro de vulnerável, a vítima, confirmando as informações que deram causa à propositura da ação, relata em juízo o sofrimento ao qual foi submetida pelo próprio pai, tendo este praticado, por inúmeras vezes, conjunção carnal e atos libidinosos diversos, como toques na vagina da vítima e nos seus seios, obrigando-a a com ele praticar felação e masturbação.2. As pequenas contradições existentes nos depoimentos da ofendida não comprometem as informações de que foi vítima de estupro e atentado violento ao pudor durante vários anos.3. Em crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima possui inegável alcance, posto que normalmente cometidos sem a presença de testemunhas.4. O laudo de conjunção carnal realizado no ano de 2007 revelou a existência de rotura himenal antiga, compatível, portanto, com as declarações da vítima e com o período descrito na peça acusatória inicial. Além disso, a vítima e sua genitora, sem hesitar, afirmaram que a menor, até o mês de dezembro de 2007, não teve envolvimento sexual com outro homem. 5. Conquanto inexistam testemunhas presenciais dos abusos sexuais praticados pelo recorrente, a genitora da vítima esclareceu que o acusado é uma pessoa extremamente agressiva, usuária de álcool e de entorpecentes, e que o flagrou se masturbando na frente da filha, quando esta, obrigada por aquele, lavava o banheiro com a porta aberta. A genitora esclareceu ainda ter ouvido da filha o relato dos abusos sexuais, inclusive que havia sido penetrada por tantas vezes que perdeu a conta, e que o recorrente oferecia dinheiro para a filha com o intuito de continuar praticando os delitos. 6. A circunstância judicial da culpabilidade deve ser analisada em relação ao caso concreto, observando-se o nível de reprovação da conduta do réu. Não basta a reprovabilidade comum do tipo penal, eis que a culpabilidade se traduz na censurabilidade, reprovação do ato praticado na espécie que se examina. Dessa premissa, estabelece-se que a conduta criminosa pode ostentar diversos níveis de reprovação, devendo o julgador considerar esse fator para valorar a circunstância judicial. Tratando-se de crime de estupro de vulnerável, praticado pelo genitor da vítima, menor de quatorze anos, não é fundamento idôneo para o fim de exasperação da pena-base o fato de se tratar a ofendida de criança, imatura e inocente, que foi abusada sexualmente pelo próprio pai, aproveitando-se de sua autoridade e da intimidade do lar, porquanto se trata de elementos já considerados na tipificação da conduta.7. O sofrimento infligido à vítima, em razão dessa não gostar de ser tocada pelo acusado, e o sentimento de nojo e de ódio da ofendida em relação ao seu genitor, são aspectos inerentes ao próprio tipo penal, uma vez que normalmente estão presentes nos delitos contra a dignidade sexual. Assim, fundamentação nesse sentido não é válida para considerar negativas as circunstâncias do crime e com isso exasperar a pena-base.8. Para uma análise desfavorável da circunstância judicial das consequências do crime, mister que ocorra uma transcendência do resultado típico. O trauma - ao ser analisado no momento da valoração da circunstância judicial das consequências do crime - deve ser aferido em sua intensidade. Assim, se a agressão emocional sofrida pela vítima é desdobramento natural daquele que é sujeito passivo do crime, não extrapolando o resultado típico - levando em consideração o fato de que todo o crime, mormente os mais graves, gera um abalo, na pessoa física, enquanto sujeito passivo -, a circunstância judicial das consequências do crime não merece valoração negativa. Todavia, se o trauma revela-se de intensidade desproporcional, merece ser fundamento para majorar a pena-base. Na espécie, o trauma sofrido pela vítima é aquele resultante do natural desdobramento dos crimes praticados, não ensejando, assim, valoração negativa da circunstância judicial das consequências do crime. 9. A causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990 não incide no crime de estupro de vulnerável, porque a circunstância de a vítima não poder consentir validamente já foi considerada para tipificar o crime, bem como em razão da inexistência de previsão legal.10. O critério utilizado para determinar o aumento de pena em relação à continuidade delitiva é a quantidade de infrações cometidas. Conquanto não exista nos autos a comprovação da quantidade exata de crimes praticados, há elementos suficientes que demonstram que o réu constrangeu a vítima a praticar conjunção carnal e atos libidinosos diversos por inúmeras vezes, por longo período de tempo, motivo pelo qual mostra-se adequada e proporcional a exasperação da pena em 1/2 (metade).11. Condenado o réu antes da vigência da Lei 12.015/2009 pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados contra menor de 14 (quatorze) anos, mediante violência presumida, aplica-se retroativamente a nova legislação, tipificando-se a conduta no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável), excluindo-se o crime de atentado violento ao pudor. Todavia, a pena-base única deve sofrer reflexos em razão da prática de conjunção carnal e atos libidinosos diversos, devendo ser exasperada. Nesse ponto, ressalvado o entendimento do eminente Desembargador João Timóteo, vogal, que entende que deve haver a exclusão da pena referente ao atentado violento ao pudor, mantendo-se a pena do estupro, sem qualquer acréscimo.12. Recurso conhecido e parcialmente provido para excluir a valoração negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, bem como a incidência da causa de aumento prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990, e aplicar retroativamente a Lei nº. 12.015/2009, excluindo o crime de atentado violento ao pudor e aplicando apenas a pena do crime único de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal), reduzindo-se a pena total de 47 (quarenta e sete) anos e 03 (três) meses de reclusão para 22 (vinte e dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. RÉU GENITOR DA VÍTIMA. CONTINUIDADE DELITIVA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA POSTULANDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. DEPOIMENTOS DA VÍTIMA. IMPRECISÕES IRRELEVANTES. CORREÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA PARA AFASTAR A AVALIAÇÃO NEGATIVA DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DA CULPABILIDADE, DAS CIRCUNSTÂNCIAS E DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. IMPOSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DO ARTIGO 9º DA LEI 8.072/1990 E DO ARTIGO 226, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE LESÃO CORPORAL GRAVE OU MORTE. EXASPERAÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. CRITÉRIO DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES COMETIDAS. ACERVO PROBATÓRIO QUE REVELA A PRÁTICA DE CONJUNÇÃO CARNAL E ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS POR INÚMERAS VEZES. AUMENTO DE 1/2 (METADE) DA PENA. PROPORCIONALIDADE OBSERVADA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 12.015/2009. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO PARA REDUZIR A PENA.1. Inviável o acolhimento da tese de ausência de provas para a condenação quando, tratando-se da prática de crime de estupro de vulnerável, a vítima, confirmando as informações que deram causa à propositura da ação, relata em juízo o sofrimento ao qual foi submetida pelo próprio pai, tendo este praticado, por inúmeras vezes, conjunção carnal e atos libidinosos diversos, como toques na vagina da vítima e nos seus seios, obrigando-a a com ele praticar felação e masturbação.2. As pequenas contradições existentes nos depoimentos da ofendida não comprometem as informações de que foi vítima de estupro e atentado violento ao pudor durante vários anos.3. Em crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima possui inegável alcance, posto que normalmente cometidos sem a presença de testemunhas.4. O laudo de conjunção carnal realizado no ano de 2007 revelou a existência de rotura himenal antiga, compatível, portanto, com as declarações da vítima e com o período descrito na peça acusatória inicial. Além disso, a vítima e sua genitora, sem hesitar, afirmaram que a menor, até o mês de dezembro de 2007, não teve envolvimento sexual com outro homem. 5. Conquanto inexistam testemunhas presenciais dos abusos sexuais praticados pelo recorrente, a genitora da vítima esclareceu que o acusado é uma pessoa extremamente agressiva, usuária de álcool e de entorpecentes, e que o flagrou se masturbando na frente da filha, quando esta, obrigada por aquele, lavava o banheiro com a porta aberta. A genitora esclareceu ainda ter ouvido da filha o relato dos abusos sexuais, inclusive que havia sido penetrada por tantas vezes que perdeu a conta, e que o recorrente oferecia dinheiro para a filha com o intuito de continuar praticando os delitos. 6. A circunstância judicial da culpabilidade deve ser analisada em relação ao caso concreto, observando-se o nível de reprovação da conduta do réu. Não basta a reprovabilidade comum do tipo penal, eis que a culpabilidade se traduz na censurabilidade, reprovação do ato praticado na espécie que se examina. Dessa premissa, estabelece-se que a conduta criminosa pode ostentar diversos níveis de reprovação, devendo o julgador considerar esse fator para valorar a circunstância judicial. Tratando-se de crime de estupro de vulnerável, praticado pelo genitor da vítima, menor de quatorze anos, não é fundamento idôneo para o fim de exasperação da pena-base o fato de se tratar a ofendida de criança, imatura e inocente, que foi abusada sexualmente pelo próprio pai, aproveitando-se de sua autoridade e da intimidade do lar, porquanto se trata de elementos já considerados na tipificação da conduta.7. O sofrimento infligido à vítima, em razão dessa não gostar de ser tocada pelo acusado, e o sentimento de nojo e de ódio da ofendida em relação ao seu genitor, são aspectos inerentes ao próprio tipo penal, uma vez que normalmente estão presentes nos delitos contra a dignidade sexual. Assim, fundamentação nesse sentido não é válida para considerar negativas as circunstâncias do crime e com isso exasperar a pena-base.8. Para uma análise desfavorável da circunstância judicial das consequências do crime, mister que ocorra uma transcendência do resultado típico. O trauma - ao ser analisado no momento da valoração da circunstância judicial das consequências do crime - deve ser aferido em sua intensidade. Assim, se a agressão emocional sofrida pela vítima é desdobramento natural daquele que é sujeito passivo do crime, não extrapolando o resultado típico - levando em consideração o fato de que todo o crime, mormente os mais graves, gera um abalo, na pessoa física, enquanto sujeito passivo -, a circunstância judicial das consequências do crime não merece valoração negativa. Todavia, se o trauma revela-se de intensidade desproporcional, merece ser fundamento para majorar a pena-base. Na espécie, o trauma sofrido pela vítima é aquele resultante do natural desdobramento dos crimes praticados, não ensejando, assim, valoração negativa da circunstância judicial das consequências do crime. 9. A causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990 não incide no crime de estupro de vulnerável, porque a circunstância de a vítima não poder consentir validamente já foi considerada para tipificar o crime, bem como em razão da inexistência de previsão legal.10. O critério utilizado para determinar o aumento de pena em relação à continuidade delitiva é a quantidade de infrações cometidas. Conquanto não exista nos autos a comprovação da quantidade exata de crimes praticados, há elementos suficientes que demonstram que o réu constrangeu a vítima a praticar conjunção carnal e atos libidinosos diversos por inúmeras vezes, por longo período de tempo, motivo pelo qual mostra-se adequada e proporcional a exasperação da pena em 1/2 (metade).11. Condenado o réu antes da vigência da Lei 12.015/2009 pelos crimes de estupro e atentado violento ao pudor praticados contra menor de 14 (quatorze) anos, mediante violência presumida, aplica-se retroativamente a nova legislação, tipificando-se a conduta no artigo 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável), excluindo-se o crime de atentado violento ao pudor. Todavia, a pena-base única deve sofrer reflexos em razão da prática de conjunção carnal e atos libidinosos diversos, devendo ser exasperada. Nesse ponto, ressalvado o entendimento do eminente Desembargador João Timóteo, vogal, que entende que deve haver a exclusão da pena referente ao atentado violento ao pudor, mantendo-se a pena do estupro, sem qualquer acréscimo.12. Recurso conhecido e parcialmente provido para excluir a valoração negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, bem como a incidência da causa de aumento prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990, e aplicar retroativamente a Lei nº. 12.015/2009, excluindo o crime de atentado violento ao pudor e aplicando apenas a pena do crime único de estupro de vulnerável (artigo 217-A do Código Penal), reduzindo-se a pena total de 47 (quarenta e sete) anos e 03 (três) meses de reclusão para 22 (vinte e dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.
Data do Julgamento
:
19/08/2010
Data da Publicação
:
15/09/2010
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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