TJDF APR -Apelação Criminal-20070910043576APR
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL CONTRA FILHO HOMEM DESDE OS CINCO ANOS DE IDADE. INVESTIGAÇÃO POLICIAL INICIADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DA VÍTIMA, OUVIDA AOS OITO ANOS DE IDADE POR AGENTE POLICIAL DA DELEGACIA ESPECIALIZADA. NEGATIVA DO RÉU DIANTE DA AUTORIDADE POLICIAL. POSTERIOR CONFISSÃO MINUDENTE, DUAS HORAS DEPOIS DA EDIÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PROVISÓRIA. RETRATAÇÃO EM JUÍZO. VALOR PROBANTE DO TESTEMUNHO INFANTIL EM CASOS DE ABUSO SEXUAL. FRAGILIDADE QUANDO NÃO COMPROVADO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PROVIMENTO DA APELAÇÃO DEFENSIVA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. PREJUDICIALIDADE DO APELO ACUSATÓRIO QUE VISAVA O AUMENTO DA PENA.1 O réu foi denunciado por atos libidinosos que teria praticado contra o filho menor, entre cinco e oito anos de idade, de 2003 a outubro de 2006, vindo os fatos ao conhecimento da autoridade policial por meio de denúncia anônima. O depoimento do infante foi colhido por Agente de Polícia da Delegacia da Criança e do Adolescente. O réu negou veementemente o fato, mas, posteriormente, duas horas depois de cumprido o decreto de prisão provisória, produziu confissão detalhada, admitindo que tivesse abusado do filho em duas ocasiões. Posteriormente, renegou a confissão ao ser ouvido pelo Juiz.2 A prova é falha quando se apresenta estribada exclusivamente no depoimento infantil colhido por uma agente policial sem a demonstração do preparo técnico necessário para proceder a delicada abordagem de um infante que se apresenta como vítima de abuso sexual. Também não há qualquer comprovação empírica, uma vez que a perícia médico-legal não encontrou qualquer vestígio de atos libidinosos ou de violência física. A confissão do réu é divergente nos dois momentos em que foi ouvido pela autoridade policial, sendo posteriormente renegada em juízo.3 O réu é pessoa humilde e de apoucado saber. Contava cinquenta e dois anos à época dos fatos e de repente se viu acusado de um crime horrendo, que causou grave repercussão nas cercanias da chácara onde trabalhava e vivia há anos, sendo muito bem conceituado pelo patrão e pelos vizinhos. A confissão diante da autoridade policial é o indício mais palpável que a polícia conseguiu amealhar, mas revela inconsistências bastante graves na sua gênese.4 As especialistas do Serviço Psicossocial Forense apresentaram um parecer técnico burocrático, lacunoso e omisso. Não tiveram o cuidado de ouvir a tia da vítima, alegando que a moradia estava trancada e que a filha desta não sabia quando voltaria. Também não ouviram a testemunha apontada pela vítima como sua confidente, e que estaria a par do que se passou com ela. Estranhamente, ela negou durante a fase inquisitória e em Juízo que soubesse dos fatos, dos quais só tomara conhecimento quando a polícia foi no local à procura do réu. Foi ouvida apenas a assistente social da instituição na qual a criança fora abrigada por determinação do Juízo da Vara da Infância e da Juventude, que só conhecia os fatos de forma indireta, por ouvir dizer. Baseadas em bases empíricas extremamente raquíticas, concluíram de forma inconvincente que os relatos e sentimentos trazidos pelo menor são compatíveis com vivência de situação de abuso sexual.5 Os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são os seguintes: a) a imaturidade orgânica do infante traz a imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a imaginação: atua duplamente na criança, ou como meio de defesa (mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); c) sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno dos oito anos para, a partir de então, entrar em decrescimento. Há também os fatores morais que tornam os testemunhos infantis deficientes. Pode-se, mesmo, falar em uma espécie de imaturidade moral. A moralidade não é um fato inato, porém adquirido pela criança com base em estímulos ambientais e pressões externas. O que se conclui destas considerações é que o testemunho infantil, malgrado as sérias restrições que lhe são feitas - compreensivelmente - hão que ser analisadas dentro do contexto das demais provas colhidas (Revisão Criminal nº 106/2003, TJ-RJ, Relator Eduardo Mayr).6 Es increíble que en nuestra época de progreso científico, la simple palavra de un niño, flatus vocis, inconsistente, pueda decidir de nuestros bienes más sagrados, del honor y de la libertad del hombre (Gorphe: La Critica del Testemonio, Editorial Reus, 1933, p.117).7 Absolvição decretada por insuficiência probatória, julgando-se prejudicado o apelo acusatório.
Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL CONTRA FILHO HOMEM DESDE OS CINCO ANOS DE IDADE. INVESTIGAÇÃO POLICIAL INICIADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DA VÍTIMA, OUVIDA AOS OITO ANOS DE IDADE POR AGENTE POLICIAL DA DELEGACIA ESPECIALIZADA. NEGATIVA DO RÉU DIANTE DA AUTORIDADE POLICIAL. POSTERIOR CONFISSÃO MINUDENTE, DUAS HORAS DEPOIS DA EDIÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PROVISÓRIA. RETRATAÇÃO EM JUÍZO. VALOR PROBANTE DO TESTEMUNHO INFANTIL EM CASOS DE ABUSO SEXUAL. FRAGILIDADE QUANDO NÃO COMPROVADO POR OUTROS MEIOS DE PROVA. PROVIMENTO DA APELAÇÃO DEFENSIVA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. PREJUDICIALIDADE DO APELO ACUSATÓRIO QUE VISAVA O AUMENTO DA PENA.1 O réu foi denunciado por atos libidinosos que teria praticado contra o filho menor, entre cinco e oito anos de idade, de 2003 a outubro de 2006, vindo os fatos ao conhecimento da autoridade policial por meio de denúncia anônima. O depoimento do infante foi colhido por Agente de Polícia da Delegacia da Criança e do Adolescente. O réu negou veementemente o fato, mas, posteriormente, duas horas depois de cumprido o decreto de prisão provisória, produziu confissão detalhada, admitindo que tivesse abusado do filho em duas ocasiões. Posteriormente, renegou a confissão ao ser ouvido pelo Juiz.2 A prova é falha quando se apresenta estribada exclusivamente no depoimento infantil colhido por uma agente policial sem a demonstração do preparo técnico necessário para proceder a delicada abordagem de um infante que se apresenta como vítima de abuso sexual. Também não há qualquer comprovação empírica, uma vez que a perícia médico-legal não encontrou qualquer vestígio de atos libidinosos ou de violência física. A confissão do réu é divergente nos dois momentos em que foi ouvido pela autoridade policial, sendo posteriormente renegada em juízo.3 O réu é pessoa humilde e de apoucado saber. Contava cinquenta e dois anos à época dos fatos e de repente se viu acusado de um crime horrendo, que causou grave repercussão nas cercanias da chácara onde trabalhava e vivia há anos, sendo muito bem conceituado pelo patrão e pelos vizinhos. A confissão diante da autoridade policial é o indício mais palpável que a polícia conseguiu amealhar, mas revela inconsistências bastante graves na sua gênese.4 As especialistas do Serviço Psicossocial Forense apresentaram um parecer técnico burocrático, lacunoso e omisso. Não tiveram o cuidado de ouvir a tia da vítima, alegando que a moradia estava trancada e que a filha desta não sabia quando voltaria. Também não ouviram a testemunha apontada pela vítima como sua confidente, e que estaria a par do que se passou com ela. Estranhamente, ela negou durante a fase inquisitória e em Juízo que soubesse dos fatos, dos quais só tomara conhecimento quando a polícia foi no local à procura do réu. Foi ouvida apenas a assistente social da instituição na qual a criança fora abrigada por determinação do Juízo da Vara da Infância e da Juventude, que só conhecia os fatos de forma indireta, por ouvir dizer. Baseadas em bases empíricas extremamente raquíticas, concluíram de forma inconvincente que os relatos e sentimentos trazidos pelo menor são compatíveis com vivência de situação de abuso sexual.5 Os fatores psicológicos que tornam deficientes os testemunhos infantis são os seguintes: a) a imaturidade orgânica do infante traz a imaturidade funcional, com o que o desenvolvimento psíquico será incompleto; b) a imaginação: atua duplamente na criança, ou como meio de defesa (mentira defensiva ou interesseira) ou de satisfação de desejos (brinquedos fantasiosos); c) sugestibilidade: é bem acentuada nas crianças, surgindo mais ou menos aos cinco anos de idade, atinge seu ponto máximo em torno dos oito anos para, a partir de então, entrar em decrescimento. Há também os fatores morais que tornam os testemunhos infantis deficientes. Pode-se, mesmo, falar em uma espécie de imaturidade moral. A moralidade não é um fato inato, porém adquirido pela criança com base em estímulos ambientais e pressões externas. O que se conclui destas considerações é que o testemunho infantil, malgrado as sérias restrições que lhe são feitas - compreensivelmente - hão que ser analisadas dentro do contexto das demais provas colhidas (Revisão Criminal nº 106/2003, TJ-RJ, Relator Eduardo Mayr).6 Es increíble que en nuestra época de progreso científico, la simple palavra de un niño, flatus vocis, inconsistente, pueda decidir de nuestros bienes más sagrados, del honor y de la libertad del hombre (Gorphe: La Critica del Testemonio, Editorial Reus, 1933, p.117).7 Absolvição decretada por insuficiência probatória, julgando-se prejudicado o apelo acusatório.
Data do Julgamento
:
16/04/2009
Data da Publicação
:
20/05/2009
Classe/Assunto
:
Segredo de Justiça
Órgão Julgador
:
1ª Turma Criminal
Relator(a)
:
GEORGE LOPES LEITE
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