TJDF APR -Apelação Criminal-20080310155319APR
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE. ARTIGO 212 DO CPP. ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS. INQUIRIÇÃO DEVE SER INICIADA PELAS PARTES E, APENAS AO FINAL, COMPLEMENTADA PELO JUIZ. INVERSÃO DA ORDEM. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO NO CASO DOS AUTOS. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. AUSÊNCIA DOS VETORES CARACTERIZADORES. CONFIGURAÇÃO DA LESÃO JURÍDICA EFETIVA E DA OFENSIVIDADE, PERICULOSIDADE E REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE. FURTO DE PEQUENO VALOR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. APLICAÇÃO DA PENA. EXCLUSÃO DA ANÁLISE DESFAVORÁVEL DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DESLOCAMENTO DAS QUALIFICADORAS PARA A PRIMEIRA FASE DE FIXAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFASTAMENTO. SEGUNDA FASE. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA PARA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA VARA DAS EXECUÇÕES PENAIS. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXCLUSÃO. FATO ANTERIOR À LEI Nº 11.719/2008. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça definiu que, nos termos do artigo 212 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008, as partes devem iniciar a formulação de perguntas às testemunhas, sendo que apenas posteriormente o Magistrado poderá complementar a inquirição. Todavia, a simples inversão da ordem das perguntas não tem o condão de alterar o resultado do julgamento, não se podendo afirmar que se as partes tivessem realizado as perguntas em primeiro lugar outro seria o desfecho jurídico dado ao feito. Assim, deve incidir, no caso, o princípio do pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, consoante dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.2. Na espécie, não se vislumbra a presença dos elementos necessários à configuração do princípio da insignificância. A subtração de bens avaliados em R$ 171,77 (cento e setenta e um reais e setenta e sete centavos), além do prejuízo suportado pela vítima em decorrência do arrombamento, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), não é ínfimo. Ademais, a conduta do apelante não pode ser considerada como de ofensividade mínima, porquanto, em concurso de agentes e mediante rompimento de obstáculo, arrombou o trailer da vítima, subtraindo-lhe diversos bens.3. Não há falar-se em exclusão da circunstância qualificadora de rompimento de obstáculo, porque o conjunto probatório comprovou o arrombamento da porta do trailer, o que possibilitou o acesso dos acusados ao seu interior. O laudo pericial atestou que trailer da vítima foi arrombado, no sentido de fora para dentro. 4. No tocante ao concurso de agentes, há provas de que os acusados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, arrombaram e furtaram os bens do interior do trailer, razão pela qual há de se manter referida qualificadora.5. Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da compatibilidade ou não do furto de pequeno valor em crime de furto qualificado, no caso presente, não há falar-se em coisa de pequeno valor, uma vez que o prejuízo suportado pela vítima perfez a quantia de R$ 471,77 (quatrocentos e setenta e um reais e setenta e sete centavos), a qual supera o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos. 6. O fato de a vítima ter experimentado prejuízo econômico não pode justificar a elevação da pena-base a título de conseqüência do crime, por se tratar de aspecto ínsito aos crimes contra o patrimônio.7. Quando houver duas circunstâncias qualificadoras, admite-se a utilização de uma delas para a qualificação jurídica do tipo penal e a outra poderá ser valorada como agravante genérica, desde que elencada tal circunstância; caso contrário deverá ser avaliada como circunstância judicial. Entretanto, no caso dos autos, não tendo sido fundamentado o deslocamento das qualificadoras para exasperar a pena-base, uma vez que não houve avaliação destas como circunstâncias judiciais, impõe-se o decote do aumento correspondente. Ademais, somente uma das circunstâncias qualificadoras poderia ter sido valorada na primeira fase de cominação da pena, porquanto a outra já foi valorada para fins de classificação jurídica dos fatos.8. A incidência de circunstância atenuante não tem o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedentes desta Corte, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.9. Conforme entendimento firme dos Tribunais pátrios, a questão pertinente à isenção do pagamento das custas processuais é matéria afeta ao Juízo das Execuções Penais.10. Deve ser afastada a condenação em danos e morais materiais imposta ao réu, porque o crime em apreço foi praticado antes da edição da Lei nº 11.719/2008, que introduziu no artigo 387 do Código de Processo Penal o inciso IV, de forma que, por se tratar de lei mais gravosa, não pode retroagir para alcançar fato pretérito, pois, embora seja lei processual, também tem conteúdo de direito material.11. Recurso conhecido, preliminar rejeitada e, no mérito, parcialmente provido para, mantida a sentença condenatória do réu nas sanções do artigo 155, § 4º, incisos I e IV, do Código Penal, diminuir-lhe a pena aplicada, fixando-a em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e excluir a condenação ao pagamento de indenização à vítima, porque o crime foi praticado antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINAR DE NULIDADE. ARTIGO 212 DO CPP. ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS. INQUIRIÇÃO DEVE SER INICIADA PELAS PARTES E, APENAS AO FINAL, COMPLEMENTADA PELO JUIZ. INVERSÃO DA ORDEM. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO NO CASO DOS AUTOS. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. AUSÊNCIA DOS VETORES CARACTERIZADORES. CONFIGURAÇÃO DA LESÃO JURÍDICA EFETIVA E DA OFENSIVIDADE, PERICULOSIDADE E REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS. INVIABILIDADE. FURTO DE PEQUENO VALOR. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. APLICAÇÃO DA PENA. EXCLUSÃO DA ANÁLISE DESFAVORÁVEL DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DESLOCAMENTO DAS QUALIFICADORAS PARA A PRIMEIRA FASE DE FIXAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. AFASTAMENTO. SEGUNDA FASE. PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA PARA AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA VARA DAS EXECUÇÕES PENAIS. CONDENAÇÃO EM DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXCLUSÃO. FATO ANTERIOR À LEI Nº 11.719/2008. IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS GRAVOSA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça definiu que, nos termos do artigo 212 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008, as partes devem iniciar a formulação de perguntas às testemunhas, sendo que apenas posteriormente o Magistrado poderá complementar a inquirição. Todavia, a simples inversão da ordem das perguntas não tem o condão de alterar o resultado do julgamento, não se podendo afirmar que se as partes tivessem realizado as perguntas em primeiro lugar outro seria o desfecho jurídico dado ao feito. Assim, deve incidir, no caso, o princípio do pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, consoante dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal: Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.2. Na espécie, não se vislumbra a presença dos elementos necessários à configuração do princípio da insignificância. A subtração de bens avaliados em R$ 171,77 (cento e setenta e um reais e setenta e sete centavos), além do prejuízo suportado pela vítima em decorrência do arrombamento, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), não é ínfimo. Ademais, a conduta do apelante não pode ser considerada como de ofensividade mínima, porquanto, em concurso de agentes e mediante rompimento de obstáculo, arrombou o trailer da vítima, subtraindo-lhe diversos bens.3. Não há falar-se em exclusão da circunstância qualificadora de rompimento de obstáculo, porque o conjunto probatório comprovou o arrombamento da porta do trailer, o que possibilitou o acesso dos acusados ao seu interior. O laudo pericial atestou que trailer da vítima foi arrombado, no sentido de fora para dentro. 4. No tocante ao concurso de agentes, há provas de que os acusados, em unidade de desígnios e divisão de tarefas, arrombaram e furtaram os bens do interior do trailer, razão pela qual há de se manter referida qualificadora.5. Não obstante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da compatibilidade ou não do furto de pequeno valor em crime de furto qualificado, no caso presente, não há falar-se em coisa de pequeno valor, uma vez que o prejuízo suportado pela vítima perfez a quantia de R$ 471,77 (quatrocentos e setenta e um reais e setenta e sete centavos), a qual supera o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos. 6. O fato de a vítima ter experimentado prejuízo econômico não pode justificar a elevação da pena-base a título de conseqüência do crime, por se tratar de aspecto ínsito aos crimes contra o patrimônio.7. Quando houver duas circunstâncias qualificadoras, admite-se a utilização de uma delas para a qualificação jurídica do tipo penal e a outra poderá ser valorada como agravante genérica, desde que elencada tal circunstância; caso contrário deverá ser avaliada como circunstância judicial. Entretanto, no caso dos autos, não tendo sido fundamentado o deslocamento das qualificadoras para exasperar a pena-base, uma vez que não houve avaliação destas como circunstâncias judiciais, impõe-se o decote do aumento correspondente. Ademais, somente uma das circunstâncias qualificadoras poderia ter sido valorada na primeira fase de cominação da pena, porquanto a outra já foi valorada para fins de classificação jurídica dos fatos.8. A incidência de circunstância atenuante não tem o condão de reduzir a pena aquém do mínimo legal. Precedentes desta Corte, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.9. Conforme entendimento firme dos Tribunais pátrios, a questão pertinente à isenção do pagamento das custas processuais é matéria afeta ao Juízo das Execuções Penais.10. Deve ser afastada a condenação em danos e morais materiais imposta ao réu, porque o crime em apreço foi praticado antes da edição da Lei nº 11.719/2008, que introduziu no artigo 387 do Código de Processo Penal o inciso IV, de forma que, por se tratar de lei mais gravosa, não pode retroagir para alcançar fato pretérito, pois, embora seja lei processual, também tem conteúdo de direito material.11. Recurso conhecido, preliminar rejeitada e, no mérito, parcialmente provido para, mantida a sentença condenatória do réu nas sanções do artigo 155, § 4º, incisos I e IV, do Código Penal, diminuir-lhe a pena aplicada, fixando-a em 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, e excluir a condenação ao pagamento de indenização à vítima, porque o crime foi praticado antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008.
Data do Julgamento
:
05/08/2010
Data da Publicação
:
18/08/2010
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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