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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20080910002710APR

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VÍTIMA MENOR DE QUATORZE ANOS. PRELIMINAR. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO DE VIOLENCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER PARA JULGAMENTO DO FEITO. REJEIÇÃO. INCIDÊNCIA DA LEI N.11.340/2006 ANTE A CONFIGURAÇÃO DA SITUAÇÃO DE VIOLENCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DA AÇÃO. REJEIÇÃO. VALIDADE DA NORMA CONTIDA NO ARTIGO 225, § 1º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. REJEIÇÃO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DISPOSTA NO ARTIGO 399, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INVIABILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO E COESO. PROVAS QUE EVIDENCIAM A AUTORIA. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELA DA TESTEMUNHA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE VESTÍGIOS. PRESCINDIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONTRAVENÇÃO PENAL DE IMPORTUNAÇÃO OFENSIVA AO AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. AGRAVANTE DO ART. 61, II, 'F', DO CÓDIGO PENAL E INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. BIS IN IDEM NÃO CARACTERIZADO. READEQUAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA.I. Na espécie, tudo decorreu de uma investida do apelante contra a dignidade sexual da vítima, uma criança de tenra idade (10 anos), se valendo da sua condição de tio, ainda que por afinidade, para o sucesso de sua empreitada criminosa. Apesar de não conviverem sob o mesmo teto, tal fato não tem o condão, por si só, de desnaturar o conceito de unidade doméstica, porquanto em razão da sua condição de parentesco sua entrada na moradia da vítima era extremamente facilitada. Ademais, a relação entre os envolvidos era pontuada por traços de subordinação a permitir a ilação de que a vítima encontrava-se numa posição subalterna de modo a evidenciar a subjugação feminina. Pois, há notícias de que o apelante, no dia dos fatos, cuidou da vítima e do irmão dela, inclusive dando ordens para que os dois tomassem banho.II. Assim, incide no presente caso os postulados da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), de modo a atrair a competência do Juizado Especializado.III. O Ministério Público é legitimado para a propositura da ação penal nos Estados em que tenha organizada a Defensoria Pública, porquanto, segundo disposto no artigo 127 e no artigo 129, inciso I, ambos da Constituição Federal, o Ministério Público é instituição permanente à função jurisdicional do Estado, e uma de suas funções é, justamente, promover, privativamente, a ação penal pública.IV. A redação primitiva do artigo 225, § 1º, inciso I, e § 2º, do Código Penal, estabelecia para os crimes sexuais a ação penal pública condicionada à representação na situação em que a vítima não podia arcar com as despesas do processo sem prejuízo dos recursos indispensáveis à manutenção do sustento próprio ou da família, requisitos preenchidos no caso em apreço.V. No tocante à tese de inconstitucionalidade do artigo 225 do Código Penal em sua redação primitiva, o caso reclama a não receptação do referido dispositivo pela novel ordem constitucional de 1988, tendo em vista que o aludido dispositivo legal já existia por ocasião da promulgação da atual Constituição Federal.VI. Em outra medida, A declaração de não recepção de norma infraconstitucional pela Carta Magna não pode ser realizada por meio de órgão fracionário de Tribunal, eis que a matéria somente pode vir a ser tratada por meio de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em sede de controle concentrado de constitucionalidade e perante o Supremo Tribunal Federal, conforme preceitua o artigo 102, § 1º, da Constituição Federal de 1988 (20100020213511HBC, Relator JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal - TJDFT, julgado em 31/03/2011, DJ 27/04/2011 p. 179).VII. O período de férias está compreendido nas exceções previstas no artigo 132 do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao artigo 399, §2º, do Código de Processo Penal, que estabelece o princípio da identidade física do juiz.VIII. Na espécie, a instrução foi presidida por Juiz de Direito Substituto, designado para substituir o Magistrado titular que se encontrava no gozo de férias. Na data da conclusão do feito para sentença, o Juiz de Direito Substituto não mais se encontrava lotada na Vara, tendo os autos seguidos conclusos ao Magistrado titular que proferiu a sentença. Na hipótese em que o magistrado que presidiu a instrução for designado para juízo diverso dentro dos ditames legais, não há violação ao princípio do juiz natural ou da identidade física do juiz.IX. As provas existentes nos autos são suficientes para o julgamento de procedência do pleito condenatório deduzido na denúncia, mormente quando a materialidade e a autoria encontram-se suficientemente evidenciadas nas declarações harmônicas e coerentes da vítima, corroboradas pela prova testemunhal colacionada aos autos.X. Nos crimes contra a liberdade sexual, a palavra da vítima é extremamente valiosa, constituindo-se meio de prova de grande relevo, mormente por essas condutas geralmente serem praticadas sem a presença de testemunhas.XI. O crime de atentado violento ao pudor nem sempre deixa vestígios, razão pela qual o resultado negativo ou inconclusivo em exame pericial a que foi submetida a vítima pode ser suprido por outras provas.XII. O dolo da ação que caracteriza a contravenção do artigo 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41 está diretamente direcionado à vontade de incomodar alguém, por meio de pedidos repetitivos ou com a presença física provocadora, de forma agressiva ao sentimento de vergonha ou recato sexual; ao contrário do dolo do atentado violento ao pudor, que é evidente em satisfazer sua própria lascívia. Ademais, para configuração da aludida contravenção penal é imprescindível que o achaque se dê em local de livre acesso à população ou, ao menos, esteja ao alcance da população em geral.XIII. No crime de atentado violento ao pudor a aplicação da agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, conjuntamente com o regime da Lei Maria da Penha não gera bis in idem. Ao contrário, é de se ressaltar que o dispositivo foi acrescentado pela própria Lei 11.340/2006, razão pela qual não se cogita falar em duplicidade, eis que a violência contra a mulher não foi de modo algum computada na pena-base.XIV. O excelso STF declarou a inconstitucionalidade incidenter tantum do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, quando do julgamento do HC nº 111840/ES. Por conseguinte, fixada a pena em 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de reclusão, e ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis e a reincidência, impõe-se a fixação do regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, e § 3º, do Código Penal.XV. Recurso conhecido, PRELIMINARES REJEITADAS e, no mérito, PARCIALMENTE PROVIDO.

Data do Julgamento : 23/05/2013
Data da Publicação : 27/05/2013
Classe/Assunto : Segredo de Justiça
Órgão Julgador : 3ª Turma Criminal
Relator(a) : HUMBERTO ADJUTO ULHÔA
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