TJDF APR -Apelação Criminal-20090110451043APR
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. AUTORIAS E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. NÃO EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PENA-BASE. AFASTAMENTO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES PENAIS, DA PERSONALIDADE, DA CONDUTA SOCIAL E DOS MOTIVOS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PENA-BASE REDUZIDA. DELAÇÃO PREMIADA. PERDÃO JUDICIAL. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. MULTA. REDUÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS. FIXAÇÃO DE VALOR EM JUÍZO CÍVEL. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO PARA UM DOS RÉUS E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.1. O alegado cerceamento de defesa não ocorreu no caso em tela, pois as declarações prestadas por um dos réus em outro processo não interferiram na situação jurídica dos apelantes, não havendo falar-se na ocorrência de prejuízo, de modo que a sua reinquirição não se mostra necessária. Da mesma forma, não procede a unificação do presente feito com outra ação penal, pelo fato de que a causa de pedir é diversa, sendo que esta versa sobre a dispensa de licitação em desacordo com a Lei de Regência, referente ao Contrato Administrativo nº 64/2005, no valor de R$ 9.879.600,00 (nove milhões, oitocentos e setenta e nove mil e seiscentos reais) e aquela trata-se do Contrato Administrativo nº 69/2005, no valor de R$ 5.999.992,56 (cinco milhões, novecentos e noventa e nove mil e cinquenta e seis reais). Ademais, registre-se que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia que, por sua vez, na espécie, são aqueles que estão descritos nos presentes autos. Urge, por fim, salientar que não é aplicável o art. 82 do CPP, uma vez que as supracitadas ações penais tramitam somente neste Juízo. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada.2. Se da leitura da peça acusatória exsurge a descrição pormenorizada da situação fática que ensejou o evento criminoso, com todas as circunstâncias que o envolveram e com a indicação dos recorrentes como os autores do fato, além da respectiva tipificação penal, não há que se falar em inépcia da denúncia, pois devidamente preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, possibilitando aos réus sua ampla defesa. Ademais, contrariamente ao alegado pela Defesa, a exposição do fato criminoso pelo órgão acusatório possibilitou aos réus o pleno conhecimento das imputações a ele infligidas, bem como permitiu as suas amplas defesas. Preliminar de inépcia da denúncia rejeitada.3. Não há como acolher os pleitos absolutórios apresentados pela Defesa, uma vez que, após a análise do farto conjunto probatório colacionado aos autos, verifica-se que a sentença condenatória restou devidamente fundamentada, evidenciadas a materialidade e as autorias do crime em apreço.4. In casu, denota-se que os acusados inobservaram o disposto na referida lei, ao efetuarem um contrato que não se enquadrava em qualquer das hipóteses legais a justificar o caráter emergencial, nos termos do artigo 24, inciso IV, da Lei de Licitações. Como bem colocado na sentença, não é demais salientar que o procedimento administrativo para a dispensa de licitação iniciou-se com a justificativa de que se tratava de um procedimento emergencial, quando na verdade a única emergência que se extrai dos autos foi a ambição dos réus em criarem um mecanismo de desvio de recursos públicos embasando-se na Lei de Licitações, cuja licitação caso não fosse realizada causaria prejuízos ao Governo local e ao cidadão em razão da suspensão do sistema de informática implantado na Secretaria de Educação.5. A existência de um parecer favorável da Assessoria Jurídica não tem o condão de eximir a responsabilidade dos recorrentes, a ponto de afastar a culpabilidade do agente público. A atuação do administrador público deve-se pautar nas disposições da lei, devendo examinar o cumprimento das formalidades necessárias à contratação direta, não sendo pertinentes as alegações dos apelantes de desconhecimento da lei ou ausência de dolo, na tentativa de afastar a responsabilidade inerente aos cargos que ocupavam, uma vez que se presume o potencial conhecimento da ilicitude das condutas praticadas.6. Destaca-se que esta Corte de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça entendem tratar-se o delito tipificado no artigo 89 da Lei de Licitações de crime de perigo abstrato, sendo prescindível a comprovação de dano ao erário, suficiente apenas a dispensa ou não da exigência de licitação fora das hipóteses legais, como é o caso em tela. Havendo adequação material entre as condutas dos réus e a figura típica do artigo 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, inviável o pleito absolutório.7. Inquéritos policiais e ações penais em curso não autorizam a análise desfavorável dos antecedentes penais. 8. Afasta-se a avaliação negativa da personalidade, da conduta social e dos motivos do crime se desprovida de fundamentação idônea.9. A pena de multa deve ser reduzida para o mínimo de 2% (dois por cento) do valor total do contrato entabulado irregularmente.10. A multa é uma sanção de caráter penal, de aplicação cogente, e a possibilidade de sua isenção viola o princípio constitucional da legalidade. Todavia, no caso de insolvência do réu, a pena pecuniária pode não ser executada até que a situação econômica do réu permita a execução. 11. A sentença penal condenatória torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, segundo o disposto no art. 91, I, do Código Penal. Ela forma o título executivo judicial para a propositura da ação cível ex delito. 12. Não havendo certeza sobre o valor total do dano causado pelo crime, não pode o Juiz, na sentença penal condenatória, fixar o valor total da indenização a ser pago pelo réu. Pode, entretanto, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do inciso IV do artigo 387, do Código de Processo Penal, desde que o crime tenha sido praticado em data posterior à vigência da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, que permitiu a estipulação, em sentença criminal, de valor mínimo de indenização. No caso em exame, deve ser afastado o valor total da reparação, fixado pelo Juiz na sentença, porque não ficou documentado nos autos que o valor estabelecido corresponde ao prejuízo efetivamente causado pelo crime. Além disso, o delito é anterior à vigência da Lei 11.719/2008. 13. Incabível a concessão de perdão judicial a um dos réus pela delação premiada se o réu não preenche totalmente os requisitos previstos no artigo 13 da Lei 9.807/1999, destacando-se em seu desfavor as circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, a gravidade da conduta e a repercussão social do delito. 14. Permanece, porém, a redução da pena privativa de liberdade determinada pelo Juízo a quo no grau máximo de 2/3 (dois terços), em razão da delação premiada, porque não houve recurso do Ministério Público questionando tal fração. Em recurso da Defesa, não pode o Tribunal agravar a pena, em respeito ao princípio da reformatio in pejus. Sendo assim, não se pode questionar na apelação se o réu merecia ou não a redução da pena no grau máximo de dois terços.15. Tratando-se de réu primário e de bons antecedentes, condenado a 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção, faz jus ao cumprimento da pena no regime inicial aberto.16. Preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do artigo 44 do Código Penal, o benefício é medida que se impõe.17. Preliminares rejeitadas. Recursos conhecidos e parcialmente providos para: a) afastar a avaliação negativa das circunstâncias judiciais dos antecedentes, da personalidade, da conduta social e dos motivos do crime; b) reduzir a pena dos réus para 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses detenção, em regime inicial semiaberto, e multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato entabulado irregularmente; c) reduzir a pena de um dos réus para 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção, deferindo o cumprimento da pena em regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, a serem estabelecidas pela Vara de Execuções Penais, além de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato entabulado irregularmente; d) afastar da sentença criminal o valor da condenação à reparação de danos, questão a ser discutida em juízo cível.
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APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. INVIABILIDADE. AUTORIAS E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. NÃO EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PENA-BASE. AFASTAMENTO DA AVALIAÇÃO NEGATIVA DOS ANTECEDENTES PENAIS, DA PERSONALIDADE, DA CONDUTA SOCIAL E DOS MOTIVOS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PENA-BASE REDUZIDA. DELAÇÃO PREMIADA. PERDÃO JUDICIAL. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. MULTA. REDUÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS. FIXAÇÃO DE VALOR EM JUÍZO CÍVEL. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL ABERTO PARA UM DOS RÉUS E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.1. O alegado cerceamento de defesa não ocorreu no caso em tela, pois as declarações prestadas por um dos réus em outro processo não interferiram na situação jurídica dos apelantes, não havendo falar-se na ocorrência de prejuízo, de modo que a sua reinquirição não se mostra necessária. Da mesma forma, não procede a unificação do presente feito com outra ação penal, pelo fato de que a causa de pedir é diversa, sendo que esta versa sobre a dispensa de licitação em desacordo com a Lei de Regência, referente ao Contrato Administrativo nº 64/2005, no valor de R$ 9.879.600,00 (nove milhões, oitocentos e setenta e nove mil e seiscentos reais) e aquela trata-se do Contrato Administrativo nº 69/2005, no valor de R$ 5.999.992,56 (cinco milhões, novecentos e noventa e nove mil e cinquenta e seis reais). Ademais, registre-se que o réu se defende dos fatos narrados na denúncia que, por sua vez, na espécie, são aqueles que estão descritos nos presentes autos. Urge, por fim, salientar que não é aplicável o art. 82 do CPP, uma vez que as supracitadas ações penais tramitam somente neste Juízo. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada.2. Se da leitura da peça acusatória exsurge a descrição pormenorizada da situação fática que ensejou o evento criminoso, com todas as circunstâncias que o envolveram e com a indicação dos recorrentes como os autores do fato, além da respectiva tipificação penal, não há que se falar em inépcia da denúncia, pois devidamente preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, possibilitando aos réus sua ampla defesa. Ademais, contrariamente ao alegado pela Defesa, a exposição do fato criminoso pelo órgão acusatório possibilitou aos réus o pleno conhecimento das imputações a ele infligidas, bem como permitiu as suas amplas defesas. Preliminar de inépcia da denúncia rejeitada.3. Não há como acolher os pleitos absolutórios apresentados pela Defesa, uma vez que, após a análise do farto conjunto probatório colacionado aos autos, verifica-se que a sentença condenatória restou devidamente fundamentada, evidenciadas a materialidade e as autorias do crime em apreço.4. In casu, denota-se que os acusados inobservaram o disposto na referida lei, ao efetuarem um contrato que não se enquadrava em qualquer das hipóteses legais a justificar o caráter emergencial, nos termos do artigo 24, inciso IV, da Lei de Licitações. Como bem colocado na sentença, não é demais salientar que o procedimento administrativo para a dispensa de licitação iniciou-se com a justificativa de que se tratava de um procedimento emergencial, quando na verdade a única emergência que se extrai dos autos foi a ambição dos réus em criarem um mecanismo de desvio de recursos públicos embasando-se na Lei de Licitações, cuja licitação caso não fosse realizada causaria prejuízos ao Governo local e ao cidadão em razão da suspensão do sistema de informática implantado na Secretaria de Educação.5. A existência de um parecer favorável da Assessoria Jurídica não tem o condão de eximir a responsabilidade dos recorrentes, a ponto de afastar a culpabilidade do agente público. A atuação do administrador público deve-se pautar nas disposições da lei, devendo examinar o cumprimento das formalidades necessárias à contratação direta, não sendo pertinentes as alegações dos apelantes de desconhecimento da lei ou ausência de dolo, na tentativa de afastar a responsabilidade inerente aos cargos que ocupavam, uma vez que se presume o potencial conhecimento da ilicitude das condutas praticadas.6. Destaca-se que esta Corte de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça entendem tratar-se o delito tipificado no artigo 89 da Lei de Licitações de crime de perigo abstrato, sendo prescindível a comprovação de dano ao erário, suficiente apenas a dispensa ou não da exigência de licitação fora das hipóteses legais, como é o caso em tela. Havendo adequação material entre as condutas dos réus e a figura típica do artigo 89, caput, da Lei n. 8.666/1993, inviável o pleito absolutório.7. Inquéritos policiais e ações penais em curso não autorizam a análise desfavorável dos antecedentes penais. 8. Afasta-se a avaliação negativa da personalidade, da conduta social e dos motivos do crime se desprovida de fundamentação idônea.9. A pena de multa deve ser reduzida para o mínimo de 2% (dois por cento) do valor total do contrato entabulado irregularmente.10. A multa é uma sanção de caráter penal, de aplicação cogente, e a possibilidade de sua isenção viola o princípio constitucional da legalidade. Todavia, no caso de insolvência do réu, a pena pecuniária pode não ser executada até que a situação econômica do réu permita a execução. 11. A sentença penal condenatória torna certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, segundo o disposto no art. 91, I, do Código Penal. Ela forma o título executivo judicial para a propositura da ação cível ex delito. 12. Não havendo certeza sobre o valor total do dano causado pelo crime, não pode o Juiz, na sentença penal condenatória, fixar o valor total da indenização a ser pago pelo réu. Pode, entretanto, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do inciso IV do artigo 387, do Código de Processo Penal, desde que o crime tenha sido praticado em data posterior à vigência da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, que permitiu a estipulação, em sentença criminal, de valor mínimo de indenização. No caso em exame, deve ser afastado o valor total da reparação, fixado pelo Juiz na sentença, porque não ficou documentado nos autos que o valor estabelecido corresponde ao prejuízo efetivamente causado pelo crime. Além disso, o delito é anterior à vigência da Lei 11.719/2008. 13. Incabível a concessão de perdão judicial a um dos réus pela delação premiada se o réu não preenche totalmente os requisitos previstos no artigo 13 da Lei 9.807/1999, destacando-se em seu desfavor as circunstâncias judiciais da culpabilidade, das circunstâncias e das consequências do crime, a gravidade da conduta e a repercussão social do delito. 14. Permanece, porém, a redução da pena privativa de liberdade determinada pelo Juízo a quo no grau máximo de 2/3 (dois terços), em razão da delação premiada, porque não houve recurso do Ministério Público questionando tal fração. Em recurso da Defesa, não pode o Tribunal agravar a pena, em respeito ao princípio da reformatio in pejus. Sendo assim, não se pode questionar na apelação se o réu merecia ou não a redução da pena no grau máximo de dois terços.15. Tratando-se de réu primário e de bons antecedentes, condenado a 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção, faz jus ao cumprimento da pena no regime inicial aberto.16. Preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, nos termos do artigo 44 do Código Penal, o benefício é medida que se impõe.17. Preliminares rejeitadas. Recursos conhecidos e parcialmente providos para: a) afastar a avaliação negativa das circunstâncias judiciais dos antecedentes, da personalidade, da conduta social e dos motivos do crime; b) reduzir a pena dos réus para 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses detenção, em regime inicial semiaberto, e multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato entabulado irregularmente; c) reduzir a pena de um dos réus para 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de detenção, deferindo o cumprimento da pena em regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, a serem estabelecidas pela Vara de Execuções Penais, além de multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do contrato entabulado irregularmente; d) afastar da sentença criminal o valor da condenação à reparação de danos, questão a ser discutida em juízo cível.
Data do Julgamento
:
07/07/2011
Data da Publicação
:
20/07/2011
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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