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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20100110688453APR

Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO PELA NÃO OBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES LEGAIS E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PREJUDICIAL DE MÉRITO. PRESCRIÇÃO DE ALGUNS DELITOS EM RELAÇÃO AOS 5º (QUINTO) E 6º (SEXTO) APELANTES. PRELIMINARES. NULIDADE DO PROCESSO PELO DEFERIMENTO DE PERGUNTAS FORMULADAS PELA DEFESA DE CORRÉUS NO INTERROGATÓRIO. DIREITO INERENTE AO CONTRADITÓRIO E À PLENITUDE DE DEFESA. NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE NÃO CONCEDEU A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. RAZÕES DE DECIDIR DEVIDAMENTE EXPOSTAS NO DECISUM. NULIDADE DA SENTENÇA POR INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 89 DA LEI DE LICITAÇÕES NAS ALEGAÇÕES FINAIS. CONDENAÇÃO COM FUNDAMENTO NOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA. NULIDADE DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE PRÉVIO INQUÉRITO POLICIAL E POR DECADÊNCIA DO PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. MATÉRIA JÁ JULGADA PELO CONSELHO ESPECIAL. NULIDADE POR AUSÊNCIA DE PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PODER DE INVESTIGAÇÃO RECONHECIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. CRIMES DE DISPENSA ILEGAL DE LICITAÇÃO PELA INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES. ESCOLHA DO FORNECEDOR E JUSTIFICATIVA DE PREÇO. COMPROVAÇÃO DO DIRECIONAMENTO DA CONTRATAÇÃO PARA EMPRESAS PERTENCENTES AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. COMPROVAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO PERMANENTE DOS RECORRENTES COM O INTUITO DE LESAR O PATRIMÔNIO PÚBLICO. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O CRIME DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E O RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA. COMETIMENTO DE VÁRIOS CRIMES. FICÇÃO JURÍDICA PARA EVITAR PENAS EXAGERADAS. CRIME CONTINUADO. CRITÉRIO DE AUMENTO. QUANTIDADE DE DELITOS. PERDIMENTO DE BENS. EFEITO DA CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE POSTULAÇÃO NA DENÚNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. PENA SUPERIOR A 04 (QUATRO) ANOS. DELAÇÃO PREMIADA. PEDIDO DE PERDÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PENA DE MULTA. IMPOSSIBILIDADE DE DEFINIR O VALOR DA VANTAGEM EFETIVAMENTE OBTIDA OU POTENCIALMENTE AUFERÍVEL PELO AGENTE. ESTIPULAÇÃO DO VALOR MÍNIMO LEGAL DE 2% (DOIS POR CENTO) SOBRE O VALOR DO CONTRATO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSOS DOS SEGUNDO, TERCEIRO E QUARTO APELANTES CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. RECURSOS DOS QUINTO E SEXTO APELANTES CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Ocorrendo o concurso de crimes, a prescrição é calculada de acordo com a pena aplicada a cada um dos delitos, devendo ser extinta a punibilidade dos 1º (primeiro), 2º (segundo), 3º (terceiro), 4º (quarto) e 5º (quinto) fatos atribuídos aos quinto e sexto recorrentes, que tiveram a pena reduzida em razão da delação premiada.2. Considerando que o crime de formação de quadrilha é crime permanente, contando-se a prescrição a partir da cessação da permanência (Artigo 111, III, do Código Penal), não há que se falar em extinção da punibilidade em relação aos segundo, terceiro e quarto recorrentes, pois entre a data do último fato praticado pela quadrilha (27.12.2005) e o recebimento da denúncia (13.10.2009) não foi ultrapassado o prazo prescricional de 04 (quatro) anos.3. Admite-se no ato do interrogatório a realização de perguntas pela Defesa de corréus, o que se harmoniza com os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo ressalvado ao réu que está sendo interrogado o direito de não responder às perguntas. Preliminar arguida pelos terceiro e quarto réus rejeitada.4. Se o Magistrado, ao proferir a decisão que não acolheu o pedido de absolvição sumária, expôs as razões de seu convencimento, refutando as alegações da Defesa, não há que se falar em nulidade por ausência de fundamentação. Preliminar arguida pelos terceiro e quarto réu rejeitadas.5. O réu não se defende da tipificação penal, mas sim dos fatos alegados pela acusação. Inexiste nulidade na sentença que condenou os réus nas sanções do parágrafo único do artigo 89 da Lei de Licitações, se, embora a acusação tenha incluído na capitulação o parágrafo único apenas nas alegações finais, os fatos foram devidamente narrados no aditamento à denúncia. Preliminar rejeitada.6. Prejudicadas as preliminares referentes ao prazo para oferecimento da denúncia e obrigatoriedade do inquérito policial, haja vista que tais matérias já foram objeto de julgamento pelo Conselho Especial desta Corte de Justiça (Acórdão 395955).7. A jurisprudência entende que o Ministério Público pode promover diretamente a colheita de elementos probatórios, não se podendo falar em nulidade das provas produzidas pelo Parquet. Ademais, na hipótese, as provas que justificaram o ajuizamento da ação são documentais, não se caracterizando qualquer usurpação às atribuições da polícia judiciária. Preliminar rejeitada.8. O acervo probatório dos autos não permite acolher os pedidos de absolvição em relação aos delitos tipificados no artigo 89, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, formulados pelos 2º (segundo), 3º (terceiro) e 4º (quarto) recorrentes. Ficou comprovado nos autos que a contratação era direcionada para empresas pertencentes ao 4º (quarto) recorrente e os demais concorreram direta ou indiretamente para a contratação irregular. As empresas consultadas para apresentar proposta comercial visando à contratação pertenciam ao mesmo grupo econômico ou tinham algum vínculo com esse grupo, sendo que apenas eventualmente empresas de terceiros eram consultadas, com a finalidade de dar uma aparência de legalidade à contratação. Esse direcionamento caracteriza violação à razão da escolha do fornecedor ou executante e à justificativa de preço, elementos que integram as formalidades essenciais ao processo de dispensa de licitação.9. O 2º (segundo) recorrente concorreu para a prática dos delitos, pois, embora sua empresa não tenha celebrado contrato com a Administração, apresentou proposta comercial em nove oportunidades, sempre acima do valor das empresas a quem o contrato estava direcionado, sendo que ao mesmo tempo era funcionário de uma das empresas pertencentes ao 4º (quarto) recorrente. Além disso, ficou comprovado por perícia que também recebeu por uma terceira empresa, falsificando a assinatura, convite para apresentar proposta comercial.10. O delito tipificado no artigo 89 da Lei de Licitações de é de perigo abstrato, sendo prescindível a comprovação de dano ao erário, suficiente apenas a não observância das formalidades pertinentes à dispensa de licitação, como é o caso em tela. Havendo adequação material entre as condutas dos réus e a figura típica da segunda parte do artigo 89, caput, da Lei nº 8.666/1993, inviável o pleito absolutório.11. Incabível a absolvição pelo delito de formação de quadrilha, porquanto também ficou comprovado que os recorrentes se uniram de forma estável e permanente para o cometimento de vários delitos de dispensa ilegal de licitação.12. A continuidade delitiva é apenas uma ficção jurídica criada pelo legislador para evitar a imposição de penas muito altas. Não significa que foi cometido apenas um crime. Na aplicação da pena, por medida de política criminal, considera-se a pena de um dos delitos e faz-se o acréscimo legal de acordo com o número de fatos praticados. Dessa forma, não existe qualquer incompatibilidade no reconhecimento da continuidade delitiva com a condenação pelo crime de formação de quadrilha.13. A doutrina e a jurisprudência são uníssonas em consagrar como único critério para estabelecer o quantum do aumento de pena no crime continuado previsto no caput do artigo 71 do Código Penal, a quantidade de infrações cometidas. Escorreita, pois, a sentença, ao estabelecer em 2/3 (dois terços) o aumento da pena em razão da continuidade delitiva, prevista no artigo 71, caput, do Código Penal, para os 2º (segundo) e 4º (quarto) recorrentes, condenados respectivamente pela prática de nove e dez delitos em continuidade delitiva.14. O perdimento de bens e valores que constituem proveito da ação delituosa é efeito da condenação e independe de pedido do Ministério Público. Não há que se falar em violação à ampla defesa, ao contraditório, ao devido processo legal e ao direito de propriedade, visto que aos réus foi garantido o direito de se manifestar sobre a apreensão dos bens durante o curso do processo.15. A condenação a pena privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos obsta o deferimento da substituição por penas restritivas de direito.16. Incabível a concessão de perdão judicial se a colaboração do réu foi tardia e de menor importância, realizada anos após o oferecimento da denúncia, sendo que a prova documental trazida pelo Ministério Público quando do ajuizamento da ação já apontava todos os envolvidos e a forma como o grupo agia para realizar contratações irregulares. Pelas mesmas razões, incabível a adoção de fração de redução da pena mais benéfica do que a estabelecida na sentença para o 6º apelante.17. Extinta a punibilidade pela prescrição em relação a 04 (quatro) crimes praticados em continuidade delitiva, remanescendo a condenação em relação a 06 (seis) delitos, a fração de acréscimo pelo crime continuado deve ser reduzida para 1/2 (metade) em relação aos 5º (quinto) e 6º (sexto) recorrentes.18. Na impossibilidade de se definir o valor da vantagem efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente, a condenação à pena de multa deve se limitar ao mínimo legal de 2% (dois por cento) sobre o valor do contrato licitado ou celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação.19. Recurso do Ministério Público (1º apelante) conhecido e parcialmente provido para condenar os 2º, 3º e 4º apelantes à pena de multa. Recurso do 2º apelante conhecido e não provido. Recursos dos 3º e 4º apelantes conhecidos, rejeitadas as preliminares, e não providos. Recurso dos 5º e 6º apelantes conhecidos e parcialmente providos para declarar extinta a punibilidade dos 1º (primeiro), 2º (segundo), 3º (terceiro), 4º (quarto) e 5º (quinto) fatos atribuídos no aditamento à denúncia, em razão da prescrição, mitigar a fração de aumento do crime continuado de 2/3 (dois terços) para 1/2 (metade), reduzindo a pena total do 5º apelante para 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de detenção, e do 6º apelante para 03 (três) anos de detenção, ambos no regime aberto, mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito.

Data do Julgamento : 09/08/2012
Data da Publicação : 27/08/2012
Órgão Julgador : 2ª Turma Criminal
Relator(a) : ROBERVAL CASEMIRO BELINATI
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