TJDF APR -Apelação Criminal-20100112256757APR
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA INDEFERIMENTO DE INCIDENTE DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA FUNDAMENTADO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIAMENTO MOTIVADO. MÉRITO. AUTORIAS E MATERIALIDADE. PROVAS ROBUSTAS. DOLO ASSOCIATIVO. DOSIMETRIA. REGIME FECHADO. SUBSTITUIÇÃO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.1. Pode o magistrado, utilizando-se da discricionariedade regrada que lhe é peculiar, entender desnecessária a instauração do incidente de dependência toxicológica, quando, fundamentadamente, não vislumbrar qualquer indício que demonstre a falta do poder de autodeterminação do réu, justamente a hipótese dos autos.2. Impera no âmbito penal o princípio pas de nullités sans grief, segundo o qual, nenhuma nulidade será reconhecida sem a prova do efetivo prejuízo. Portanto, não há falar em nulidade, quando não há provas ou alegação de prejuízo.3. O acervo probatório, composto por relatórios policiais pautados em trabalhos de campo e interceptações telefônicas, autos de apreensão de drogas, insumos, armas, balanças de precisão e recipientes de armazenamento de drogas, depoimentos policiais e confissões parciais de alguns réus, é robusto e certo na comprovação da materialidade e autorias delitivas de tráfico ilícito de drogas, não havendo falar em absolvição.4. Os depoimentos de policiais, no desempenho da função pública, são dotados de credibilidade e confiabilidade que somente podem ser derrogados diante de evidências em sentido contrário. Possibilitam, inclusive, serem considerados como suficientes a formar o convencimento do julgador.5. O delito de associação para o tráfico (art. 35 da LAD), embora não demande a reiteração de condutas, requer a existência de affectio societatis, ou seja, o ânimo entre dois ou mais sujeitos de praticarem, com auxílio mútuo, delito de traficância previsto no art. 33, caput, e § 1º, e art. 34 da LAD. 6. Há dolo associativo entre o casal, quando o marido é traficante ativo de drogas e a esposa o secretaria, repassando recados e manuseando a caderneta com os números telefônicos dos contatos do comércio ilícito; além de armazenar drogas na residência, receber compradores, entregar mercadorias e receber o pagamento correspondente; e desfrutarem juntos do proveito financeiro do crime. 7. Denota-se animus associativo na atividade criminosa lucrativa para todos quando estruturada na seguinte distribuição de tarefas: parte dos associados adquire drogas em grandes quantidades e abastece a outra parte do grupo, que mistura a droga com insumos e revende a outros traficantes ou usuários. 8. A convergência ocasional de vontades e eventual colaboração entre algumas pessoas para o êxito da deliquência mercantil de tráfico, não implica em associação para o tráfico. Impõe-se a absolvição das rés SHIXLEY e SHEILA pelo delito de associação para o tráfico, embora as condutas isoladas de traficância por elas praticadas a pedido de um membro do grupo, caracterize delito de tráfico. 9. A configuração do tipo do art. 28 da LAD demanda necessariamente que o usuário seja flagrado com pequena quantidade de substância entorpecente ilícita, sob pena de restar configurado o delito de tráfico, principalmente quando há provas do comércio ilícito de drogas e houve apreensão, nas residências dos réus, de grandes quantidades de insumos para preparo de drogas, balanças de precisão, recipientes de armazenagem de drogas e até uma estufa artesanal para secagem de drogas.10. O fato de os réus serem consumidores de drogas, não ilide a traficância devidamente comprovada nos autos.11. Apesar de haver indícios de que as rés SHIXLEY e VIVINAE sejam autoras do delito de posse ilegal de arma de fogo - por terem sido as armas e munições encontradas em suas residências -, o direito penal não pode se contentar com suposições nem conjecturas. O decreto condenatório deve estar amparado em um conjunto fático-probatório coeso e harmônico, o que não é o caso dos autos. Melhor atende aos interesses da justiça absolver um suposto culpado do que condenar um inocente, impondo-se, no presente caso, a aplicação do brocardo in dubio pro reo.12. Provado o delito de associação para o tráfico, todas as drogas e insumos apreendidos com os comparsas devem implicar na elevação de pena-base de todos, ainda que determinado membro do esquema não tenha sido flagrado com drogas.13. A quantidade e a qualidade das drogas apreendidas não podem ser valoradas como consequências do crime, mas, nem por isso, devem ser afastados da dosimetria, ao revés, devem ser apreciados como critérios autônomos de fixação da pena-base, conforme art. 42 da LAD. Cabível a readequação das circunstâncias judiciais sem implicar em reformatio in pejus. Precedente: AgRg no REsp 1133954/PR, STJ.14. Em relação à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, diante da declaração de inconstitucionalidade pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da parte final do art. 44 da LAD, entendo que não há óbice legal à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito em crimes de tráfico de entorpecentes, desde que preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal e art. 42 da LAD.15. Enquanto não declarada inconstitucional pelo plenário da SUPREMA CORTE a dogmática da Lei Federal N. 11.464/2007, que estabeleceu o regime inicial fechado para os crimes hediondos, não há como o órgão fracionário do Tribunal deixar de aplicá-la, sob pena de se desrespeitar a Súmula Vinculante N. 10/STF.16. O delito de tráfico ilícito de entorpecentes está inserido no rol dos considerados hediondos e, sob a égide da nova redação dada ao parágrafo 1º do artigo 2º da lei 8.072, introduzida pela lei nº 11.464/2007, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado.17. O Superior Tribunal de Justiça tem procedente segundo o qual substituição da pena deve refletir no regime inicial de cumprimento de pena a ser imposto, (HC 190.998, de relatoria da Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, proferido em 06-setembro-2010). O julgado não possui efeito vinculante. Mantenho a compatibilidade entre substituição da pena privativa liberdade e o regime inicial fechado de cumprimento de pena.18. Somente o proprietário do bem apreendido detém legitimidade para reivindicar a restituição.19. Recursos parcialmente providos.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA INDEFERIMENTO DE INCIDENTE DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA FUNDAMENTADO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIAMENTO MOTIVADO. MÉRITO. AUTORIAS E MATERIALIDADE. PROVAS ROBUSTAS. DOLO ASSOCIATIVO. DOSIMETRIA. REGIME FECHADO. SUBSTITUIÇÃO. RECURSOS PARCIALMENTE PROVIDOS.1. Pode o magistrado, utilizando-se da discricionariedade regrada que lhe é peculiar, entender desnecessária a instauração do incidente de dependência toxicológica, quando, fundamentadamente, não vislumbrar qualquer indício que demonstre a falta do poder de autodeterminação do réu, justamente a hipótese dos autos.2. Impera no âmbito penal o princípio pas de nullités sans grief, segundo o qual, nenhuma nulidade será reconhecida sem a prova do efetivo prejuízo. Portanto, não há falar em nulidade, quando não há provas ou alegação de prejuízo.3. O acervo probatório, composto por relatórios policiais pautados em trabalhos de campo e interceptações telefônicas, autos de apreensão de drogas, insumos, armas, balanças de precisão e recipientes de armazenamento de drogas, depoimentos policiais e confissões parciais de alguns réus, é robusto e certo na comprovação da materialidade e autorias delitivas de tráfico ilícito de drogas, não havendo falar em absolvição.4. Os depoimentos de policiais, no desempenho da função pública, são dotados de credibilidade e confiabilidade que somente podem ser derrogados diante de evidências em sentido contrário. Possibilitam, inclusive, serem considerados como suficientes a formar o convencimento do julgador.5. O delito de associação para o tráfico (art. 35 da LAD), embora não demande a reiteração de condutas, requer a existência de affectio societatis, ou seja, o ânimo entre dois ou mais sujeitos de praticarem, com auxílio mútuo, delito de traficância previsto no art. 33, caput, e § 1º, e art. 34 da LAD. 6. Há dolo associativo entre o casal, quando o marido é traficante ativo de drogas e a esposa o secretaria, repassando recados e manuseando a caderneta com os números telefônicos dos contatos do comércio ilícito; além de armazenar drogas na residência, receber compradores, entregar mercadorias e receber o pagamento correspondente; e desfrutarem juntos do proveito financeiro do crime. 7. Denota-se animus associativo na atividade criminosa lucrativa para todos quando estruturada na seguinte distribuição de tarefas: parte dos associados adquire drogas em grandes quantidades e abastece a outra parte do grupo, que mistura a droga com insumos e revende a outros traficantes ou usuários. 8. A convergência ocasional de vontades e eventual colaboração entre algumas pessoas para o êxito da deliquência mercantil de tráfico, não implica em associação para o tráfico. Impõe-se a absolvição das rés SHIXLEY e SHEILA pelo delito de associação para o tráfico, embora as condutas isoladas de traficância por elas praticadas a pedido de um membro do grupo, caracterize delito de tráfico. 9. A configuração do tipo do art. 28 da LAD demanda necessariamente que o usuário seja flagrado com pequena quantidade de substância entorpecente ilícita, sob pena de restar configurado o delito de tráfico, principalmente quando há provas do comércio ilícito de drogas e houve apreensão, nas residências dos réus, de grandes quantidades de insumos para preparo de drogas, balanças de precisão, recipientes de armazenagem de drogas e até uma estufa artesanal para secagem de drogas.10. O fato de os réus serem consumidores de drogas, não ilide a traficância devidamente comprovada nos autos.11. Apesar de haver indícios de que as rés SHIXLEY e VIVINAE sejam autoras do delito de posse ilegal de arma de fogo - por terem sido as armas e munições encontradas em suas residências -, o direito penal não pode se contentar com suposições nem conjecturas. O decreto condenatório deve estar amparado em um conjunto fático-probatório coeso e harmônico, o que não é o caso dos autos. Melhor atende aos interesses da justiça absolver um suposto culpado do que condenar um inocente, impondo-se, no presente caso, a aplicação do brocardo in dubio pro reo.12. Provado o delito de associação para o tráfico, todas as drogas e insumos apreendidos com os comparsas devem implicar na elevação de pena-base de todos, ainda que determinado membro do esquema não tenha sido flagrado com drogas.13. A quantidade e a qualidade das drogas apreendidas não podem ser valoradas como consequências do crime, mas, nem por isso, devem ser afastados da dosimetria, ao revés, devem ser apreciados como critérios autônomos de fixação da pena-base, conforme art. 42 da LAD. Cabível a readequação das circunstâncias judiciais sem implicar em reformatio in pejus. Precedente: AgRg no REsp 1133954/PR, STJ.14. Em relação à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, diante da declaração de inconstitucionalidade pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da parte final do art. 44 da LAD, entendo que não há óbice legal à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito em crimes de tráfico de entorpecentes, desde que preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal e art. 42 da LAD.15. Enquanto não declarada inconstitucional pelo plenário da SUPREMA CORTE a dogmática da Lei Federal N. 11.464/2007, que estabeleceu o regime inicial fechado para os crimes hediondos, não há como o órgão fracionário do Tribunal deixar de aplicá-la, sob pena de se desrespeitar a Súmula Vinculante N. 10/STF.16. O delito de tráfico ilícito de entorpecentes está inserido no rol dos considerados hediondos e, sob a égide da nova redação dada ao parágrafo 1º do artigo 2º da lei 8.072, introduzida pela lei nº 11.464/2007, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado.17. O Superior Tribunal de Justiça tem procedente segundo o qual substituição da pena deve refletir no regime inicial de cumprimento de pena a ser imposto, (HC 190.998, de relatoria da Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, proferido em 06-setembro-2010). O julgado não possui efeito vinculante. Mantenho a compatibilidade entre substituição da pena privativa liberdade e o regime inicial fechado de cumprimento de pena.18. Somente o proprietário do bem apreendido detém legitimidade para reivindicar a restituição.19. Recursos parcialmente providos.
Data do Julgamento
:
10/05/2012
Data da Publicação
:
18/05/2012
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS
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