TJDF APR -Apelação Criminal-20120110505530APR
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. MANTER EM DEPÓSITO E VENDER 0,48G DE CRACK. GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA FACE À NATUREZA DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA SÃO CRITÉRIOS AUTONÔMOS DE FIXAÇÃO DA PENA-BASE. REGIME INICIAL ABERTO. INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ART. 2º, § 1º DA LEI 8.072/90. ALTERAÇÃO DO REGIME, DE OFÍCIO, EM OBSERVÂNCIA AO ART. 654, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM BENEFÍCIO DO RÉU. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA. MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.1. A qualidade da droga (crack) não pode ser empregada como critério para aferir o grau de reprovabilidade da conduta do réu, pois: a uma, a qualidade da droga é critério autônomo, a ser apreciado ao lado das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal; e a duas, a qualidade da droga foi valorada pelo ilustre magistrado sentenciante, como circunstância especial da fixação da pena-base (art. 42, LAD), e, portanto, empregá-la novamente para valorar quaisquer das circunstâncias judiciais implicaria em bis in idem.2. As consequências do delito não podem ser valoradas negativamente sob o argumento de que o tráfico constituiu verdadeiro flagelo social, uma vez que se trata de consequência ordinária do tipo.3. Preenchidos todos os requisitos legais, revela-se acertada a r. sentença que deferiu ao réu o benefício do art. 33, § 4º, da LAD. As condutas isoladas de vender duas pequenas porções de crack a dois usuários e armazenar cinco pequenas quantidades da mesma droga não permitem concluir que o réu se dedicava à atividade criminosa. O fato de as redondezas do local onde o réu foi flagrado serem conhecidas como ponto de drogas igualmente não é suficiente para concluir que ele se dedicasse à atividade criminosa.4. A quantidade e qualidade da droga devem ser consideradas na fixação do quantum de redução da pena, diante do benefício do art. 33, § 4º, da LAD. No caso em tela, a reduzida quantidade de entorpecente apreendida, perfazendo massa líquida total de 0,48g (quarenta e oito centigramas) de crack, justifica o patamar de redução no máximo (2/3).5. Os delitos de tráfico ilícito de entorpecentes não contêm ínsitos grave ameaça. O conceito de ameaça, extraído do tipo previsto no art. 147 do Código Penal, consiste em: Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. É possível que os delitos de tráfico de drogas ocorram mediante grave ameaça, entretanto, não é imperioso que o traficante atue efetivamente ameaçando a vítima ou terceiros de causar-lhes mal injusto e grave. 6. Diante da declaração de inconstitucionalidade pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da parte final do art. 44 da LAD, não há óbice legal à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos em crimes de tráfico de entorpecentes. A decisão da SUPREMA CORTE foi adotada em sede difusa de constitucionalidade, por maioria de votos (6x4), e sem efeito vinculante, porém, destaca-se que referida decisão versa sobre direitos individuais e da liberdade do cidadão, portanto, não tem o condão de restringir o seu efeito, possibilitando a sua expansão e a sua utilização. A substituição, portanto, deve ser norteada pelos requisitos do art. 44 do Código Penal.7. É possível a análise ex officio do regime inicial de cumprimento de pena em benefício do réu, em consonância com o disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Isto porque, o plenário da Excelsa SUPREMA CORTE, na ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 111840, no dia 27-junho-2012, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual previa que a pena por crime hediondo (e, por conseguinte, os crimes de tráficos são equiparados a hediondos) seria cumprida, inicialmente, em regime fechado. Esta decisão, conforme a teoria da transcendência dos motivos determinantes, em razão de versar sobre direitos individuais e da liberdade do cidadão, embora não proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade, apresenta eficácia que transcende o caso concreto, não devendo se limitar às partes da decisão, mas expandindo-se os seus efeitos para gerar efeito erga omnes.8. Recurso do Ministério Público desprovido e, de ofício, concedido habeas corpus para fixar o regime aberto para o cumprimento inicial da pena corporal.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. MANTER EM DEPÓSITO E VENDER 0,48G DE CRACK. GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA FACE À NATUREZA DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA SÃO CRITÉRIOS AUTONÔMOS DE FIXAÇÃO DA PENA-BASE. REGIME INICIAL ABERTO. INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTAL DECLARADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ART. 2º, § 1º DA LEI 8.072/90. ALTERAÇÃO DO REGIME, DE OFÍCIO, EM OBSERVÂNCIA AO ART. 654, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM BENEFÍCIO DO RÉU. SUBSTITUIÇÃO DA REPRIMENDA. MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.1. A qualidade da droga (crack) não pode ser empregada como critério para aferir o grau de reprovabilidade da conduta do réu, pois: a uma, a qualidade da droga é critério autônomo, a ser apreciado ao lado das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal; e a duas, a qualidade da droga foi valorada pelo ilustre magistrado sentenciante, como circunstância especial da fixação da pena-base (art. 42, LAD), e, portanto, empregá-la novamente para valorar quaisquer das circunstâncias judiciais implicaria em bis in idem.2. As consequências do delito não podem ser valoradas negativamente sob o argumento de que o tráfico constituiu verdadeiro flagelo social, uma vez que se trata de consequência ordinária do tipo.3. Preenchidos todos os requisitos legais, revela-se acertada a r. sentença que deferiu ao réu o benefício do art. 33, § 4º, da LAD. As condutas isoladas de vender duas pequenas porções de crack a dois usuários e armazenar cinco pequenas quantidades da mesma droga não permitem concluir que o réu se dedicava à atividade criminosa. O fato de as redondezas do local onde o réu foi flagrado serem conhecidas como ponto de drogas igualmente não é suficiente para concluir que ele se dedicasse à atividade criminosa.4. A quantidade e qualidade da droga devem ser consideradas na fixação do quantum de redução da pena, diante do benefício do art. 33, § 4º, da LAD. No caso em tela, a reduzida quantidade de entorpecente apreendida, perfazendo massa líquida total de 0,48g (quarenta e oito centigramas) de crack, justifica o patamar de redução no máximo (2/3).5. Os delitos de tráfico ilícito de entorpecentes não contêm ínsitos grave ameaça. O conceito de ameaça, extraído do tipo previsto no art. 147 do Código Penal, consiste em: Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. É possível que os delitos de tráfico de drogas ocorram mediante grave ameaça, entretanto, não é imperioso que o traficante atue efetivamente ameaçando a vítima ou terceiros de causar-lhes mal injusto e grave. 6. Diante da declaração de inconstitucionalidade pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL da parte final do art. 44 da LAD, não há óbice legal à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos em crimes de tráfico de entorpecentes. A decisão da SUPREMA CORTE foi adotada em sede difusa de constitucionalidade, por maioria de votos (6x4), e sem efeito vinculante, porém, destaca-se que referida decisão versa sobre direitos individuais e da liberdade do cidadão, portanto, não tem o condão de restringir o seu efeito, possibilitando a sua expansão e a sua utilização. A substituição, portanto, deve ser norteada pelos requisitos do art. 44 do Código Penal.7. É possível a análise ex officio do regime inicial de cumprimento de pena em benefício do réu, em consonância com o disposto no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Isto porque, o plenário da Excelsa SUPREMA CORTE, na ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 111840, no dia 27-junho-2012, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual previa que a pena por crime hediondo (e, por conseguinte, os crimes de tráficos são equiparados a hediondos) seria cumprida, inicialmente, em regime fechado. Esta decisão, conforme a teoria da transcendência dos motivos determinantes, em razão de versar sobre direitos individuais e da liberdade do cidadão, embora não proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade, apresenta eficácia que transcende o caso concreto, não devendo se limitar às partes da decisão, mas expandindo-se os seus efeitos para gerar efeito erga omnes.8. Recurso do Ministério Público desprovido e, de ofício, concedido habeas corpus para fixar o regime aberto para o cumprimento inicial da pena corporal.
Data do Julgamento
:
22/11/2012
Data da Publicação
:
03/12/2012
Órgão Julgador
:
2ª Turma Criminal
Relator(a)
:
SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS