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Jurisprudência


TJDF APR -Apelação Criminal-20120111632627APR

Ementa
PENAL E PROCESSUAL. CRIME DE ESTELIONATO. RÉU CONLUIADO COM SÓCIO-GERENTE DE AGÊNCIA DE AUTOMÓVEIS, QUE RECEBIA VEÍCULOS DE TERCEIROS PARA VENDA EM CONSIGNAÇÃO, OS VENDIA, MAS NÃO PAGAVA O PREÇO AOS DONOS. PROVA SATISFATÓRIA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. INDENIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS. DESCABIMENTO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.1 Réu condenado por infringir o artigo 171, combinado com 71, do Código Penal, porque, em conluio com sócio-gerente de agência de automóveis usados - Rota Veículos -, recebia automóveis de clientes para venda em consignação e quando os vendia não repassava o preço aos incautos donos, dessa forma usufruindo proveito econômico em prejuízo alheio.2 O estelionato tem como objeto jurídico tutelado a boa-fé e a confiabilidade dos negócios jurídicos. Essa denominação deriva de stellio onis, que designava na Roma Antiga o camaleão, animal capaz de assumir as cores do ambiente por efeito do mimetismo, iludindo os sentidos dos insetos, vítimas incautas que lhe servem de alimento. A tipicidade se perfaz quando o agente usa artifício - arte, habilidade para fabricar objetos -, ardil - estratagema, trama, engodo (dos quais normalmente participam outras pessoas) - ou qualquer outro meio fraudulento capaz de iludir os sentidos da vítima, fazendo-a supor uma realidade inexistente e, com isto, sendo levada a situação enganosa, ou nela mantida, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem, produzindo desfalque no patrimônio da vítima.3 Há muitos pontos de semelhança com a esperteza natural nos negócios. Todo capitalista procure obter o máximo de lucro com sua atividade empresária, com o mínimo de custos. A livre concorrência é a única limitação para que os preços dos produtos não sejam elevados às alturas. Mas, em certa medida, qualquer empresário procura despertar os impulsos de eventuais consumidores, dotando seus produtos de atrativos artificiosos: um belo estojo, uma pintura chamativa, recursos supérfluos e que jamais serão usados pelo consumidor, mas que induzem os sentidos, despertando desejos adormecidos e acabam por fomentar a compra.4 o elemento distintivo entre a esperteza natural nos negócios e estelionato situa-se no denominado dolo preordenado. Quando ausente, o prejuízo de uma das partes do negócio contratual configura mero ilícito civil, que se resolve em perdas e danos. O dolo preordenado nada mais é do que a intenção manifesta no momento do ajuste de enganar o outro, iludindo-o com o propósito de obter proveito econômico. É, em resumo, celebrar o pacto sabendo de antemão que receberá uma prestação pecuniária, mas não realizará a contraprestação correspondente. A constatação do dolo, que é específico, será apurada nas circunstâncias que cercaram a negociação.5 As vítimas foram ludibriadas por dois espertalhões: o réu era o testa de ferro e entabulava o negócio jurídico em nome firma, recebia e alienava automóveis dos clientes, mas não pagava o preço ajustado. Quando as vítimas noticiaram o crime ao Delegado, escafedeu-se durante cinco anos, ocasionando a suspensão do processo e do prazo prescricional. A fuga e os testemunhos vitimários mostram o dolo preordenado, denotando a intenção deliberada de iludir e, com isso, obter proveito econômico.6 Deve-se excluir a indenização às vítimas, fixada com base no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. A norma penal mais gravosa só entrou em vigor depois de ocorridos os fatos, em 2001. A irretroatividade da lei penal mais gravosa, bem como a falta de controvérsia sobre o quantum dos prejuízos, à luz do contraditório e da ampla defesa, são obstáculos intransponíveis à manutenção dessa parte do julgado, sem prejuízo de que as vítimas possam buscar pelas vias ordinárias a indenização que lhes é devida.7 Apelação parcialmente provida.

Data do Julgamento : 21/03/2013
Data da Publicação : 04/04/2013
Órgão Julgador : 1ª Turma Criminal
Relator(a) : GEORGE LOPES LEITE
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